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Alice Andrés Ribeiro

O Senado deve aprovar o projeto que prevê o ensino domiciliar? NÃO

Convívio escolar é tão importante quanto o aprendizado na formação pessoal

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Alice Andrés Ribeiro

Mestre em direitos humanos e democratização (European Inter-University Centre for Human Rights and Democratisation, Veneza/Itália) e em administração pública e governo (FGV-SP), é líder do Movimento pela Base

O projeto de lei que regulamenta o ensino domiciliar no Brasil (PL 3179/12), aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 18 de maio, não é apenas inadequado. Ele representa risco ao direito a uma educação integral de crianças e jovens brasileiros.

A regulamentação do ensino domiciliar (ou homeschooling) enfraquece pilares fundamentais de uma educação de qualidade. A começar por sua incapacidade em atender aos três objetivos que a Constituição Federal dispõe no artigo 205: o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Tão importante quanto o aprendizado formal do currículo escolar, a convivência na escola é fundamental na formação pessoal.

Elisa Flemer, 17 anos, que estudou em casa durante todo o ensino médio; ela foi aprovada em engenharia na USP e tirou quase a nota máxima no Enem, mas não conseguiu cursar porque não tem diploma - Adriano Vizoni - 6.mai.21/Folhapress

É no convívio com pares e professores que crianças e jovens podem expandir sua visão de mundo, socializar e interagir com diversidade de ideias, pensamentos e culturas. Sem esse convívio intenso e regular que a escola oferece, ficam comprometidos o aprendizado sobre construção coletiva, o respeito às diferenças, o pluralismo de ideias. Tudo isso é parte da Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, que explicita o direito a uma educação integral, previsto na Constituição, apresentando uma proposta que abrange o desenvolvimento intelectual, emocional, social, cultural e físico de crianças e jovens.

A BNCC é um documento normativo que explicita as aprendizagens essenciais a que todas as crianças e jovens têm direito, sendo referência obrigatória para redes e escolas brasileiras. Estados e municípios, em regime de colaboração, construíram seus currículos alinhados ao documento —e isso já aconteceu em mais de 99,5% dos municípios brasileiros para as etapas da educação infantil e do ensino fundamental.

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Crianças de famílias adeptas do homeschooling em Piracaia (SP) - Karime Xavier/Folhapress

A BNCC propõe elevar a barra da qualidade da aprendizagem e promover uma educação integral para todos. Mas como garantir os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento de crianças e jovens privados da escola? A educação integral não pode se consolidar se limitada ao círculo familiar. A escola é território de convivência e de experiências. De discussões, compartilhamento e construção de saberes. Para as crianças e jovens isolados dessa vivência, a consideração da BNCC no ensino domiciliar, conforme previsto no PL, pode ser mera ferramenta de redução de danos, indicando conteúdos essenciais, mas não alcança seu potencial. Não há como preparar indivíduos para a vida em sociedade, para o trabalho e para seu desenvolvimento pleno sem transcender o controle da família.

A ideia de educação domiciliar parece limitar ao conteúdo curricular o que se espera da aprendizagem. Desdenha da complexidade do processo de educar e formar para a cidadania plena. E subestima o papel fundamental dos professores, menosprezando as competências necessárias à docência.

Em vez de empreender esforços na contramão do que o país necessita para garantir acesso a uma educação de qualidade, vamos mirar na formação dos professores, em garantir infraestrutura, materiais.

Vamos reforçar o papel da escola como epicentro do planejamento das políticas públicas, sendo o canal mais efetivo na garantia dos direitos de aprendizagem para todos, com qualidade e escala.

Esperamos que o Senado Federal, na votação do projeto de lei, corrija essa tentativa de levar o Brasil para o retrocesso educacional e social.

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