Brasil

'O que você faria no meu lugar?': especialistas respondem ao ministro da Educação sobre cortes

Para explicar redução de 30% nas universidades, Abraham Weintraub disse que graduandos custam mais que alunos em creche e questionou que atitude deveria tomar
O ministro da Educação, Abraham Weintraub Foto: Jorge William
O ministro da Educação, Abraham Weintraub Foto: Jorge William

Na manhã da última terça-feira, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que cortaria 30% dos recursos de três universidades federais — Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal da Bahia (UFBA) —, alegando que promoviam "balbúrdia" e tinham baixo desempenho.

Depois de passar o dia sob críticas da comunidade acadêmica e de especialistas, à noite ele mudou o discurso — e estendeu a medida a todas as universidades federais do país. O corte nas instituições, que soma R$ 2,5 bilhões, ganhou nova justificativa pelo ministro.

Em rede social, ele publicou um vídeo em que afirmou: “Para cada aluno de graduação que eu coloco na faculdade, eu poderia trazer dez crianças para uma creche. Crianças que geralmente são mais humildes, mais pobres, mais carentes, e que, hoje, não têm creches para elas”. Weintraub terminou o vídeo de pouco mais de um minuto com a pergunta: “O que você faria no meu lugar?”.

A nova tentativa de explicação tampouco agradou a professores e estudantes. Ontem, as principais universidades federais do país iniciaram uma campanha nas redes sociais contando as dificuldades que enfrentam as instituições.

A hashtag #oquevinauniversidadepublica traz depoimentos de alunos, ex-alunos e professores sobre a falta de insumos, aulas canceladas por falta de luz, interdição de banheiros e de outras dependências por alagamento, entre outros problemas.

A convite do GLOBO, cinco especialistas comentam as declarações de Weintraub. Questionam sobretudo o fato de o ministro contrapor a educação básica e o ensino superior, que, como dizem, são áreas interdependentes, e respondem à pergunta feita pelo titular da pasta.

Se para o neurocientista Stevens Rehen o corte do governo “asfixia ainda mais as universidades”, a doutora em Educação Andrea Ramal defende que, se não há verba suficiente, o governo deve olhar para as crianças que estão fora da escola. Leia os depoimentos abaixo.

Stevens Rehen

Professor da UFRJ e pesquisador do Instituto D'Or
O professor da UFRJ e pesquisador do Instituto D'Or, Stevens Rehen Foto: Mônica Imbuzeiro
O professor da UFRJ e pesquisador do Instituto D'Or, Stevens Rehen Foto: Mônica Imbuzeiro

A impressão é que o ministro está jogando para a população uma falsa escolha de Sofia em cima de um problema real. Faz isso de uma forma injusta, pois não leva em consideração a importância das universidades para a sociedade. As falas dele demonstram total falta de conhecimento do papel da universidade no país, que é de produzir ciência e resolver muitas de nossas questões de saúde, sociais e tecnológicas. Estamos estudando zika e chicungunha, para citar só dois exemplos de pesquisas que são de suma importância. Infelizmente, vivemos um momento em que ideologias prevalecem sobre a razão. Se esses cortes acontecerem, o governo vai asfixiar ainda mais as universidades, o conhecimento produzido nelas e, por consequência, o progresso do país.

Robert Verhine

Especialista em Avaliação da Educação Superior
Robert Verhine, especialista em Avaliação da Educação Superior Foto: Reprodução
Robert Verhine, especialista em Avaliação da Educação Superior Foto: Reprodução

Cortar das universidades não é o caminho, embora eu concorde que o Brasil precisa investir mais em educação básica. Mas não existe essa situação de lados opostos, de privilegiar a educação básica em detrimento do ensino superior. Os professores de creche e do ensino fundamental são produtos da universidade. Logo, se você não tem uma boa universidade, não terá bons professores na educação básica. Talvez um caminho, num cenário de contingenciamento, fosse buscar mais eficiência das universidades, mas não se faz isso com um corte. Você estabelece metas a partir de indicadores e trabalha de forma a incentivar a eficiência. Um trabalho de sistematização das despesas pode ser feito, sim, mas a forma está equivocada. Não se tem educação básica de qualidade sem universidade de qualidade.

Andrea Ramal

Doutora em Educação pela PUC-RJ
Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio Foto: Divulgação
Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio Foto: Divulgação

O ideal é jamais reduzir, e sim aumentar, investimentos, mas o Brasil enfrenta um problema gravíssimo no ensino básico, que gera sequelas nos jovens ao longo da vida. Quando passa por uma educação infantil de qualidade, o aluno dificilmente tem problemas de aprendizagem ou é reprovado no ensino fundamental. Tendo que escolher, já que não há verba suficiente, creio que é necessário olhar para esse contingente enorme de crianças que estão sem creche, sem pré-escola e sem recursos nos primeiros anos do ensino fundamental. O Brasil está entre os que menos gastam com ensino primário, mas tem investimento “europeu” em ensino superior. Investe-se em universitários mais do que o triplo do que com alunos de ensino fundamental e médio. Essa pirâmide não pode seguir assim.

Daniel Cara

Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Foto: PaulaLyn Carvalho
Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Foto: PaulaLyn Carvalho

Tem que brigar por recursos para a área, mas me parece que Weintraub assumiu a Educação para executar o plano do ministro da Economia, o que é extremamente problemático. Com o corte nas universidades, ele desrespeita o Plano Nacional de Educação, segundo o qual o Brasil precisa saltar de 1 milhão para 3 milhões o número de matriculados nas universidades públicas em dez anos. Além disso, contrapor educação básica e universidade é um equívoco impensável para um ministro da Educação. O governo federal tem que investir em educação básica, mas não em detrimento do ensino superior. Espera-se que o professor que vai ensinar numa creche seja formado numa universidade pública de qualidade. O olhar dicotômico do ministro mostra que falta o mínimo de conhecimento de Educação.

Cleuza Repulho

Pedagoga e especialista em Educação
Especialista em Educação, Cleuza Repulho Foto: Guito Moreto
Especialista em Educação, Cleuza Repulho Foto: Guito Moreto

O ministro tem que lutar por verbas. O Brasil não deve fazer escolhas entre colocar um ou outro na escola. Se isso acontece, corremos o risco de ser um país de analfabetos. Educação é investimento. Os jovens que estão terminando o ensino médio acabam não tendo perspectiva: parece que quem fez universidade, já fez, e quem não fez, não fará. O Brasil está vivendo o último bônus demográfico, ou seja, ainda temos mais crianças e jovens do que adultos e idosos. Isso, no entanto, vai se inverter rapidamente, daí a urgência em investir em educação. Essa geração jovem terá uma massa de pessoas para sustentar. O ministro não deve fazer um discurso baseado em acerto de contas. (Renato Grandelle)