Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

O que os governos estaduais podem fazer pela educação?

O cenário educacional a ser enfrentado nos estados é o mais complexo e desafiador desde a redemocratização

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Em breve as eleições ocuparão mais do que a agenda dos políticos e da imprensa, chegando às mesas das famílias e às rodas de amigos. A educação, um tema que tradicionalmente é relegado às listas de obras ou a platitudes como "valorizar o professor", merece atenção dos candidatos aos governos de estado, seja na campanha, seja em seus planos de governo.

O cenário educacional a ser enfrentado nos estados é o mais complexo e desafiador desde a redemocratização. Estamos presos à agenda do século passado, os efeitos da pandemia ainda serão sentidos nos próximos anos e há necessidade de redefinir o papel dos governos estaduais na educação.

Desde o início dos anos 2000 a aposta dos governos era a de que bastava a elaboração de um bom currículo, a adoção de materiais estruturados para alunos e professores, avaliar o desempenho dos estudantes periodicamente e reduzir a evasão e retenção dos estudantes para que os sistemas educacionais "deslanchassem".

Aluna sentada em uma carteira escolar, vista de cima
Estudos apontam efeitos positivos nas escolas de tempo integral, como melhora no desempenho, mas essas unidades têm dificuldade de incluir alunos mais pobres, e muitas dessas estão com salas vazias - Karime Xavier - 31.mar.22/Folhapress

Como responsável pela maior rede municipal da América Latina, que congrega pouco mais de um milhão de alunos, apostei nesta receita. Entreguei indicadores melhores dos que os que recebi, mas percebi que talvez tenha realizado o que no surrado jargão denomina-se "cortar o mato alto", ou realizar mudanças que dão resultados a curto prazo, mas não garantem ganhos contínuos e sustentáveis ao longo do tempo. Em média a história das redes públicas que obtêm sucesso implementando políticas educacionais tradicionais é a mesma. Os resultados da exemplar política de educação integral de Pernambuco, por exemplo, perderam fôlego.

Com a devida ressalva de que essas políticas são necessárias, mas não suficientes, os governos estaduais podem ir além. Em primeiro lugar orientando suas ações para a redução das desigualdades educacionais, que foram ampliadas na última década. Excelência em redes públicas é garantir que todos estejam na escola, no ano escolar correspondente à sua idade, aprendendo. Se o plano de governo dos candidatos e candidatas para a educação tivesse uma frase, esta bastaria.

Transformá-la em realidade significa, por exemplo, que a implementação de escolas em tempo integral não pode ser realizada "expulsando" estudantes que precisam trabalhar. Aliar a expansão do ensino médio em tempo integral a políticas para a juventude ou à criação de uma bolsa para que os estudantes mais vulneráveis permaneçam na escola são políticas urgentes.

Analisar a implementação do novo ensino médio em seu estado, realizando uma ampla consulta à comunidade escolar —​pais, estudantes, educadores— para corrigir rumos é fundamental. Com raras exceções, os currículos no Brasil são resultado de uma discussão entre grupos de interesse diversos, da qual os principais interessados não participam. Em outras palavras, construímos currículos voltados a "atender o interesse do aluno" sem ouvi-los, nem aos seus responsáveis ou aos seus professores.

Mesmo que sejam responsáveis pela gestão direta de redes escolares, os governos estaduais precisam assumir sua responsabilidade com a educação de seu estado, apoiando os municípios técnica e financeiramente na medida de suas condições.

Apoiar tecnicamente os municípios é mais do que distribuir materiais estruturados para uso dos alunos e professores. Desde o início dos anos 2000, vários municípios compram materiais estruturados de empresas privadas ou utilizam materiais produzidos por organizações não governamentais. Com mais ou menos sucesso, os fracos resultados da educação brasileira pré-pandemia falam por si.

O programa de apoio à construção de creches do estado de São Paulo é um excelente exemplo de colaboração entre estado e municípios. Criado em 2011, deu impulso à ampliação de vagas em creche no estado, combinando o bom controle da execução dos recursos com a facilidade de repasse aos municípios, responsáveis por essa etapa de ensino.

Criar câmaras regionais para discutir questões comuns entre o estado e os municípios é outra política importante. A relação entre muitos estados e seus municípios na educação se restringe ao repasse insuficiente de recursos para o transporte e alimentação escolar. As câmaras podem ser espaços importantes para a resolução de problemas locais e avançar em um regime de colaboração transparente. Não teríamos milhares de alunos fora da escola em São Paulo no início deste ano letivo se o planejamento da implementação das escolas em tempo integral tivesse sido realizado em parceria com os municípios.

A promoção da melhoria contínua e sustentável da aprendizagem se dará se —​ao lado das políticas tradicionais— investirmos na formação continuada dos professores. Ao longo das últimas décadas, este foi um assunto na maioria das vezes negligenciado, mesmo com uma robusta literatura acadêmica sobre sua importância e sobre as melhores práticas na área.

Os governos estaduais podem colaborar criando centros regionais de formação de profissionais da educação em parceria com municípios e universidades, voltados ao desenvolvimento profissional dos educadores e ao fortalecimento da capacidade local em desenhar e implementar programas de formação que respondam aos desafios de seu contexto.

Por fim, o enfrentamento dos efeitos da pandemia na educação não deve ser circunscrito apenas à questão da recomposição das aprendizagens. Há um outro componente sobre o qual venho alertando há mais de um ano, que é o da saúde mental, dos estudantes e dos professores. Multiplicam-se os casos de violência, ameaça, indisciplina, depressão, dificuldade de concentração nas escolas. Os estudantes tiveram sua vida "suspensa" por dois anos, privados não só de frequentar a escola, mas do convívio social.

Os professores, que tiveram sua carga dobrada no período pandêmico, também precisam de apoio e cuidado com sua saúde. Não seria surpresa se as licenças médicas de educadores fossem muito superiores neste ano em relação aos anos anteriores. Os próximos governadores terão que lidar com essa questão e seria bom que assumissem com uma proposta clara para ampliar os cuidados com a saúde mental dos docentes e dos estudantes.

As mudanças estruturais na economia e na sociedade, a dura herança deixada pela pandemia e a elevada desigualdade educacional brasileira exigirão dos governos e da sociedade a solução de desafios educacionais do século passado e o desenho de novas políticas públicas educacionais com olho no futuro.

As lideranças que ocuparão os governos estaduais a partir de 2023 terão mais sucesso nessa missão se investirem em uma colaboração real com os municípios e as comunidades escolares e, sobretudo, se apostarem na capacidade dos profissionais da educação. É hora de ir além do feijão com arroz.

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