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O que o Brasil ganha com o maior diagnóstico de educação na primeira infância

Pesquisa deve mostrar como impactos da desigualdade em crianças se perpetuam por toda uma vida

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Mariana Luz

CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Andreas Schleicher

Diretor do Comitê de Políticas Educacionais e Competências da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

Depois de consolidar o Pisa - Programa Internacional para Avaliação de Estudantes como avaliação educacional de adolescentes que é referência mundial, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) se volta para a primeira infância, ao desenvolver metodologia para medir o desenvolvimento integral de crianças de 5 anos de idade.

A decisão da organização de criar um instrumento para essa etapa da vida vem do conhecimento adquirido nas últimas décadas de que os cuidados nesses primeiros anos são cruciais para o bom desempenho educacional dessas crianças lá na frente —e por toda sua trajetória.

Desigualdade educacional que marca primeira infância impacta em toda uma vida - Renato Stockler/Folhapress

Um dado inédito, aferido na primeira onda do estudo, feito em 2018 na Estônia, nos Estados Unidos e na Inglaterra, mostra a razão dessa preocupação: aos 5 anos, a diferença de desenvolvimento entre o grupo que vive em situação de pobreza e as demais crianças equivalia a 12 meses de aprendizado a mais em aspectos cognitivos e emocionais, que incluem noções numéricas, linguagem, memória operacional, habilidades como autorregulação e flexibilidade mental. Doze meses de atraso em múltiplas dimensões é muita coisa.

É como se esse grupo de crianças tivesse ficado sem ir para a escola ou sem ter contato com estímulos que gerassem aprendizado durante um ano inteiro. A questão, no entanto, é que ele estava lá, misturado a outros colegas que, ao receberem o mesmo estímulo, aprenderam mais.

Um dos únicos aspectos que esse conjunto de crianças de países tão distintos têm em comum é o fato de fazerem parte da parcela mais pobre do seu contexto. Trata-se de infâncias condenadas à lanterna de sua faixa etária pelo excesso da falta: de estrutura, de recursos, de oportunidades. Ao todo, 5% do contingente de crianças de 5 anos desses três locais estão nesse perfil.

Esse dado do Iels - International Early Learning and Child Well-being Study, quando comparado ao Pisa dos mesmos países, ajudou a OCDE a enxergar a trajetória dos efeitos cumulativos da desigualdade. Ao somar o número de jovens de 15 anos com proficiência muito aquém do esperado para sua idade, chegaram ao percentual de 4,8% do total, valor extremamente próximo ao do grupo infantil com menor desenvolvimento.

Embora não tenham sido as mesmas crianças avaliadas nas duas idades (o que ocorrerá no futuro), essas duas informações confirmam que, para as crianças mais pobres, começar em desvantagem significa continuar em desvantagem por toda a vida.

Se a mesma medição for feita no Brasil, como esses dados se comportarão? Essa é a resposta que a OCDE está trabalhando no momento.

Essa nova pesquisa tem como diferencial a escuta de famílias e professores sobre o desenvolvimento das crianças, além de questionários aplicados aos professores e famílias das crianças das redes de educação infantil pública, privada e conveniada. A interação com as crianças será feita a partir de brincadeiras e histórias com auxílio de um tablet e a presença física de um pesquisador que as apoiará durante todo o período.

Serão medidos conhecimentos em literacia e numeracia emergentes (pois as crianças não começaram formalmente a serem alfabetizadas), autorregulação e habilidades socioemocionais. Ao estender a pesquisa para dimensões que compõem os ambientes em que a criança vive, além de dar espaço para que ela manifeste seus interesses, desejos e aspirações futuras, o estudo amplia nossa compreensão sobre as múltiplas infâncias no Brasil, incluindo diferentes regiões e contextos de vulnerabilidade.

Além do Brasil, outros sete países participam —Azerbaijão, Bélgica, Emirados Árabes, Holanda, Inglaterra, Malta e Suíça.

Por aqui, os pesquisadores percorrerão municípios de um estado do Sudeste, outro do Norte e de um terceiro no Nordeste. Iniciada em março deste ano, os instrumentos da pesquisa foram traduzidos para o português e adaptados à realidade do país.

A fase de pré-teste, em que os protocolos serão testados em 36 unidades escolares, terá início em 2024 e a coleta de dados, que deve chegar a 280 escolas e aproximadamente 4.000 crianças, ocorrerá ao longo de 2025. De posse do levantamento completo em 2026, o país terá um retrato das muitas infâncias.

Além disso, ao participar do grupo de países avaliados no Iels, o Brasil passa a integrar uma comunidade internacional de gestores públicos que têm a primeira infância como foco principal de trabalho —um valioso foro para trocas e construções conjuntas.

Não é exagero afirmar que este será o diagnóstico mais completo e preciso da aprendizagem das crianças na educação infantil que o país já teve. A partir dele, será possível formular políticas públicas articuladas em nível nacional e local para ampliar as ações que potencializam bons resultados e para reestruturações, quando necessário.

Há muito a ser feito pelas nossas infâncias. O tempo é curto e os recursos finitos. A partir da boa utilização desses esforços –dados inéditos, uma bússola bem calibrada e uma comunidade global comprometida em apoiar o trabalho dos gestores brasileiros– o Brasil ganha, nossas crianças também.

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