O que muda na prática docente quando a educação física tem a inclusão como foco - PORVIR
Festival Paralímpico Loterias Caixa em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Foto: Flavia Soriano/CPB

Inovações em Educação

O que muda na prática docente quando a educação física tem a inclusão como foco

Para além das necessidades de adaptação, a preparação faz toda a diferença no momento de incluir os estudantes

Parceria com Editora Moderna

por Ruam Oliveira ilustração relógio 26 de maio de 2023

As regras do tênis são fixas para quem costuma jogar ou acompanhar uma partida pela TV. A mais famosa delas é a de que a bola deve quicar no chão apenas uma vez. Mas não é assim que funciona o minitênis que o professor de educação física Itair Medeiros promove na Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Terezinha Souza, localizada em Belém (PA). 

Na atividade desenvolvida pelo docente, os alunos têm direito a opinar sobre algumas regras. Ficou estabelecido, por exemplo, que a bolinha pode sim tocar o chão mais de uma vez. “O importante é que o corpo dos estudantes se movimente e que eles participem”, comenta Itair. 

Desenvolver atividades de educação física que trabalham com a inclusão requer um olhar bastante atento, preparação e estudo. Itair passou a modificar suas aulas incluindo uma perspectiva mais inclusiva depois que participou de uma formação em 2014. Professor há mais de 25 anos, ele agora tenta colocar em prática todos os conceitos aprendidos desde o período de aprimoramento. 

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“Antes da formação, havia uma intencionalidade do professor no planejamento em relação à participação dos estudantes, incluindo os com deficiência. Tínhamos essa visão de participação e integração de diversos setores da escola, mas sem uma metodologia inclusiva”, comenta.

No entanto, desde que se apropriou desses conteúdos, têm aplicado em seus planejamentos nas atividades. Ele cita, por exemplo, como vem trabalhando com conceitos do Desenho Universal para Aprendizagem. O termo vem de um conceito pensado por um grupo de arquitetos em 1970 e, em linhas gerais, tinha como objetivo pensar os projetos para quem fossem, desde o princípio, acessíveis para o maior número de pessoas possível, sem que houvesse a necessidade de adaptações futuras. 

Essa ideia foi então aplicada à educação por um grupo de professores da Universidade de Harvard. “O DUA (Design Universal para Aprendizagem) é um modelo prático que visa ampliar as oportunidades de desenvolvimento de cada estudante por meio de planejamento pedagógico contínuo, somado ao uso de mídias digitais. Seus autores apoiaram-se em extensivas pesquisas sobre o cérebro humano para estruturar o modelo”, aponta o site Diversa, especializado em educação inclusiva. 

Confira o vídeo explicativo do Minitênis.

Educação física inclusiva: o que é?

A educação física que se pretende inclusiva é aquela que contempla todos os tipos de corpos, independentemente de questões físicas ou sensoriais. “A gente defende muito uma educação física que não seja apenas de práticas esportivas, mas que seja sobretudo escolar. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) traz muito disso ao abordar brincadeiras, jogos, ginástica, danças…”, diz Kátia Cibas, coordenadora de formação do Instituto Rodrigo Mendes

Ela ressalta que uma educação física inclusiva deve sempre contemplar todas as pessoas, de acordo com as possibilidades e habilidades de cada um. 

“Essas atividades podem ter os recursos modificados e as regras podem ser discutidas. Tinha uma prática muito comum nas escolas que era quase de formação de atletas. A gente ia para educação física e era o seguinte: os meninos para jogar futebol, as meninas para jogar vôlei. E quando a gente pensa em pessoas com deficiência, elas eram sempre os juízes ou ficavam na torcida e não participavam”, relembra a professora. 

Ela destaca que, com o tempo, cenas como essa têm diminuído, o que é algo positivo. “A educação física tem primeiro que romper com o paradigma da educação física esportivista, seletista. É uma raiz que nós trazemos desde o regime militar”, pontua Régis Moura, diretor do Centro de Atendimento Educacional Especializado Prólabor, em texto do e-book “Educação Inclusiva na Prática“. Ele pontua que a aula de educação física inclusiva não será um espaço para “formação de atletas” ou para preparar os estudantes para competições. “A educação física é um componente curricular onde, obrigatoriamente, todos os meus educandos devem desenvolver determinadas habilidades, inclusive habilidades motoras ou esportivas”, disse. 

Adaptação e inclusão

Por vezes, algumas atividades adaptadas não garantem que todas as pessoas sejam incluídas. Há uma diferenciação entre adaptar e de fato incluir. Kátia explica que adaptações são feitas quando se trata de um público muito específico, de acordo com suas deficiências e com os impedimentos que vivenciam. 

Já no caso da inclusão, os professores devem pensar sempre em como podem desenvolver uma atividade em que todos participem, sem a necessidade de adaptação em um momento presente ou no futuro, tendo a possibilidade de alterar ou flexibilizar regras se for o caso, como acontece com o professor Itair. 

“A gente não tem um índice de movimento que o aluno tem que chegar. Conforme a atividade pedagógica, a gente considera a possibilidade de ele se movimentar e olhamos para isso na hora de formatar as atividades”, conta Itair. 

Um pouco de história
O esporte adaptado surgiu na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial, como tratamento de soldados feridos em reabilitação. A primeira competição com jovens em cadeiras de rodas, os Jogos de Stoke Mandeville, inspiraram a criação dos Jogos Paralímpicos. O evento acontece de quatro em quatro anos, desde 1960, e o Brasil competiu pela primeira vez em 1972. O país é considerado uma potência paralímpica, com posições expressivas nos quadros de medalhas. 

No Brasil, a educação física adaptada começou com o basquetebol em cadeira de rodas, no final da década de 1950. Nesse formato, estudantes com deficiência continuavam a ser separados. A educação física inclusiva veio logo depois, inserida no contexto escolar, com o objetivo de garantir a plena inclusão, com a participação de todos os alunos nas mesmas práticas.

Já a educação física Inclusiva surgiu no País com a proposta de participação de todos os estudantes nas mesmas práticas. O seu principal objetivo é garantir o desenvolvimento não só dos alunos com deficiência, mas de todas as crianças. E o convívio é um fator fundamental para que isso seja possível.

O professor Itair garante que os desafios de pensar a inclusão podem ser uma forma de amadurecer a prática docente. “A inclusão total ainda é um desafio, mas a gente tem aprendido a criar conteúdos que os alunos podem participar conjuntamente”, diz. 

Outra prática que ele desenvolve na escola é o miniatletismo. A atividade envolve práticas de arremesso, saltos e outras variedades de gincana. Além disso, o professor aproveita para utilizar elementos recicláveis como garrafas pet ou pneus de bicicleta para construir os circuitos. 

“Para essas atividades nós temos a posição em pé, sentado e semi ajoelhado. O aluno pode arremessar tanto com o braço direito quanto com o esquerdo. Posicionamos o aluno e à sua frente não colocamos nenhuma marcação, pois queremos dar a oportunidade para que eles possam arremessar junto com os colegas. No momento do arremesso, eles não ficam preocupados com quem vai arremessar mais longe, mas sim em participar, o que é o objetivo principal da aula”, diz o docente. 

Essas diferenças nas posições são seguidas por toda a turma. Se, por exemplo, houver algum estudante que não possa participar de pé, toda a turma participa sentada, assim igualando a todos.

Assista ao vídeo do miniatletismo.

O professor ressalta: quando fazem um planejamento na escola, a torcida da coordenação é para que toda a turma compreenda que as atividades devem envolver a todos. “O incluir passa pela percepção de mundo das pessoas, a ideia que elas têm de si e do outro. E isso não fica restrito à sala de aula, passa pela escola e para fora envolvendo família e comunidade”, afirma. 

Como dividir os conhecimentos 

Itair conta que, em sua primeira participação na formação voltada à educação física inclusiva, várias outras pessoas da escola também estavam junto, como a professora de AEE (Atendimento Educacional Especializado), a coordenadora e outros colegas da equipe. No entanto, com o passar do tempo, muitas dessas pessoas foram se desligando da instituição e ainda é um desafio para ele socializar completamente os conhecimentos na área. 

“Eu tenho o conteúdo e a experiência prática, mas acho que falta uma visão institucional para pegar esse conhecimento contido nos projetos e aplicar. Não adianta só um ter visão e o restante não. Tenho pouco contato com as práticas inclusivas dos outros professores e isso fica um pouco quebrado, porque a educação inclusiva precisa de um conjunto de pessoas atuando. Se não há integração, a gente não alcança o amadurecimento do processo”, comenta Itair. 

Kátia reforça que o papel da gestão é igualmente fundamental na garantia de uma educação inclusiva. “É importante que a coordenação pedagógica esteja alinhada com o professor comum, com o profissional de AEE e que tenha um trabalho colaborativo”, diz. 

E, para além disso, os professores podem contar com a participação dos próprios alunos na elaboração e engajamento de atividades. “Os professores que trabalham com a perspectiva inclusiva raramente ficam isolados. Isso porque conseguem engajar também os estudantes. Estamos criando uma geração que se importa com o outro e isso é muito bacana”, pontua Kátia.

Cursos e materiais gratuitos sobre esportes inclusivos

O Instituto Rodrigo Mendes oferece o curso gratuito e online “Portas abertas para a inclusão, educação física inclusiva”. Voltado a educadores, profissionais de educação física, familiares, e interessados em geral, o curso tem 40 horas e mostra, entre outros temas, como desenvolver atividades de educação física e esporte inclusivos em escolas comuns, contemplando estudantes com e sem deficiência.

O site Educação Paralímpica, do Comitê Paralímpico Brasileiro, oferece manuais de iniciação do esporte paralímpico das seguintes modalidades: futebol de cegos, judô, goalball, bocha, vôlei sentado, atletismo, natação e tênis de mesa.

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formação de professores, Série Desafios da Educação Inclusiva

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