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Crédito: Rawpixel/iStock

Inovações em Educação

O que é ser diretor escolar no Brasil?

Primeira reportagem da série sobre liderança traça um perfil sobre o papel e as políticas públicas voltadas à prática da gestão

Parceria com Instituto Unibanco

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 13 de dezembro de 2021

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Este conteúdo faz parte da
Série Liderança Escolar

Há 14 anos, uma das primeiras decisões de Ana Elen Ferreira Moitinho ao assumir o Centro de Ensino Fundamental 15, no Gama (Distrito Federal), foi colocar um sofá na sala da direção. Depois de passar por uma prova de seleção na Universidade de Brasília e pelo crivo da comunidade escolar, ela queria ouvir os alunos, professores, pais e demais funcionários. Precisava entender o que deveria ser feito para transformar a imagem ruim da escola: com o apelido de “sovaco do diabo”, pichações nas paredes e janelas depredadas, a unidade colecionava denúncias de tráfico de drogas. O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) era baixíssimo: 2,7 de 10, um dos piores do estado. 

De perfil democrático, sua liderança fez toda a diferença –  até hoje, Ana venceu outras seis eleições. Ao compartilhar o poder e as responsabilidades, ela fomentou a reconstrução da identidade e do projeto político-pedagógico da escola.

Hoje, o Centro de Ensino – com horário integral desde 2014 – oferece aulas de música, dança, robótica e educação ambiental, entre outras disciplinas. Quase triplicou o índice no Ideb (6,1, pela medição mais recente) e é considerada a segunda melhor escola da região. Venceu, inclusive, a edição de 2017 do Prêmio Gestão Escolar, organizado pelo Consed (Conselho Nacional de Secretários da Educação), como representante do Distrito Federal. O antigo apelido também mudou: o “sovaco do diabo” se transformou em “pedacinho do céu”.

“O papel da gestão foi de fundamental importância para essa transformação. O bom funcionamento da escola com planejamento, liderança colegiada e acompanhamento dos processos de ensino-aprendizagem, com olhar atento às necessidades em suas mais variadas dimensões, garantiram o sucesso”, afirma a diretora.

Retrato geral da profissão

Em aspectos gerais, Ana Elen representa o perfil médio da liderança educativa no Brasil. O Censo Escolar da Educação Básica aponta que, dos mais de 160 mil diretores escolares brasileiros, 80,6% são mulheres. No que se refere à formação acadêmica, 88,2% têm curso superior. A graduação em pedagogia é a mais habitual – a experiência como professor durante um período também é comum a quem ocupa o cargo de gestão. Antes de assumir o CEF, por exemplo, Ana foi premiada como uma das melhores alfabetizadoras do Distrito Federal.

Cada município é responsável pelos critérios de seleção desse profissional, que, a depender da rede, pode ser indicado, concursado ou eleito pela comunidade escolar. Ana passou pela gestão democrática e compartilhada em seus pleitos, mas, de acordo com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), 66% dos profissionais das redes municipais são escolhidos exclusivamente por indicação. Não há um critério único definido para a escolha e isso é um dos nós apontados por especialistas no que diz respeito à qualidade da educação.

“Muitas vezes, essa indicação vem do vereador, do deputado, e carece de compromisso com a qualidade da educação. O compromisso é com a manutenção de uma relação política. Isso é problemático, tem a ver com o uso populista da escola e da nomeação para acesso a cargos públicos”, explica Raquel Souza Santos, coordenadora de monitoramento e avaliação no Instituto Unibanco.

Estudos aprofundados

Ao lado da equipe do Instituto Unibanco, Raquel vem pesquisando sobre o papel e as funções da liderança escolar. O grupo de estudos se baseia na literatura e na prática internacional a fim de contribuir com o debate, mostrando bons exemplos ligados à gestão voltada à melhoria dos processos de ensino-aprendizagem e à mobilização dos atores escolares.

Já são dois os volumes da coleção “Políticas Públicas em Educação”, escritos em parceria com a Universidad Diego Portales, do Chile: “Liderança escolar para a melhoria da educação”, divulgado em maio deste ano, e “Seleção de diretores escolares: desafios e oportunidades”, lançado no começo de dezembro.

O primeiro estudo ressalta “a importância de ter um sistema de desenvolvimento profissional abrangente, no qual diversas políticas são organizadas de maneira coerente, de modo a estabelecer níveis de desenvolvimento da função diretiva e melhorar permanentemente o trabalho dos líderes escolares.”

A segunda pesquisa mostra como o Brasil possui uma forte cultura de participação em suas comunidades escolares, alicerçada nos princípios de gestão democrática consagrados na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. “Essa cultura já é uma base sólida para gerar processos de seleção de diretores participativos e adequados às realidades locais e institucionais. Ao mesmo tempo, o Brasil tem o desafio de articular esses processos com mecanismos de recrutamento pautados em uma agenda de profissionalização da gestão”, reforça o documento.

Movimentação nas políticas públicas

No Brasil e na América Latina, a despeito da transformação que muitos diretores realizam no dia a dia, ainda há falta de orientações unificadas quanto à seleção e ao papel profissional do líder escolar.

Em busca de um diálogo com as diretrizes do Plano Nacional de Educação e da lei 14.113/2020, que regulamenta o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), os professores Cynthia Paes de Carvalho (da PUC-Rio), Ana Cristina Prado de Oliveira (da UNIRIO) e Ângelo Ricardo de Souza (da UFPR) desenvolveram a Matriz de Competências do Diretor Escolar, aprovada em maio de 2021 pelo CNE (Conselho Nacional de Educação).

O texto embasa a Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar, a BNC Diretor. O documento, habitual em outros países, lista 27 competências (dez gerais e 17 específicas) esperadas das lideranças educativas. A proposta deve ser homologada pelo Ministério da Educação.

“Apesar de observarmos esforços e experiências de formação no Brasil, elas acontecem de maneira pouco coordenada e descentralizada. O que o Conselho Nacional de Educação faz é inovador ao oferecer o conjunto comum de orientações, habilidades e atitudes sobre as responsabilidades de um diretor de escola, com as competências necessárias que devem ter”, reforça Raquel Santos.

Contar com uma base comum, contudo, não significa negligenciar o contexto de ação do diretor e as características da escola onde o profissional está atuando, diz a especialista. O próprio texto da BNC Diretor enfatiza que as redes e os prefeitos devem fazer adaptações necessárias às suas realidades. “O trabalho escolar é essencialmente coletivo e seus resultados são produto de toda a equipe de profissionais, de seus estudantes e familiares envolvidos no processo educativo, cabendo a coordenação deste processo ao diretor escolar”, diz o documento.


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Leitura da realidade

Muito mais do que administrar uma escola, coordenar equipes, lidar com conflitos do dia a dia e estar sempre prontos a atender a comunidade, os diretores têm papel fundamental na aprendizagem dos estudantes, conforme aponta a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no documento  “Como alavancar as políticas educacionais para 2030”.

Darkson Vieira, à frente do CETI (Centro Estadual de Tempo Integral) Augustinho Brandão, única escola de ensino médio de Cocal dos Alves, no Piauí, reassumiu a direção no início de 2021. Não mediu esforços para melhorar a maneira como os alunos do pequeno município, com pouco mais de 6 mil habitantes, estavam recebendo os conteúdos durante a pandemia da Covid 2019, até então limitados a WhatsApp e tarefas impressas.

Apesar de registrar um dos menores IDHs (Índices de Desenvolvimento Humano) do Brasil, a cidade se destaca quando o assunto é educação. A Augustinho Brandão já recebeu os prêmios Darcy Ribeiro de Educação e Iberoamericano de Valores Humanos, e registra 7.3 de 10 no Ideb. “Fui a campo e descobri que as famílias, embora pobres, tinham investido na compra de celulares. Já estavam incomodadas só com os áudios e fotos via WhatsApp e dispostos a receber outro tipo de conteúdo”, conta o diretor.

Darkson conseguiu uma parceria com a divisão de educação do Google, em Niterói (RJ), que ofereceu formação em ferramentas digitais para os 25 professores e as equipes de gestão e administrativa. “Aprendemos e conseguimos oferecer aos alunos a opção de assistir às aulas ao vivo pelas plataformas de videoconferência. Nosso projeto de leitura, no qual os meninos leem dois livros por mês, passou a ser online, por meio de e-books, com avaliação pelo Google Forms e rodas de conversa virtuais. Deu muito certo. Nós nos adaptamos e mobilizamos todos os envolvidos”, comemora.

Para Darkson, ser diretor é ter uma visão ampla: de gestão de pessoas, de conflitos, de finanças para manter a escola. É preciso, também, aprender constantemente. “É preciso ouvir e dar voz à comunidade escolar que me elegeu. Sou professor de língua inglesa e português, mas fiz especialização em gestão e coordenação pedagógica e tenho muito o que aprender.  Não é só o professor que tem de ter uma formação continuada: o diretor também precisa dela.”

Ana Elen e Darkson fazem parte da rede Conectando Saberes, da Fundação Lemann, que reúne mais de 900 educadores de todo o país. Suas experiências no Distrito Federal e no Piauí reforçam uma das principais indicações dos estudos publicados pelo Instituto Unibanco: “contar com políticas de liderança coerentes, sustentáveis no tempo e sensíveis às particularidades dos contextos locais é sem dúvida um caminho indispensável para melhorar a qualidade da educação no Brasil e no restante da América Latina”.

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base comum de competências do diretor escolar, diretor escolar, liderança escolar, plano nacional de educação, série liderança escolar

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