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O que aconteceu com estudantes que tiveram o uso do celular proibido na escola?

Em maio, a Flórida, nos Estados Unidos aprovou uma lei que permite a proibição durante as aulas, mas uma região foi além, proibiu durante o dia letivo

Por Natasha Singer

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em uma tarde no fim de setembro, centenas de alunos da Escola Timber Creek, em Orlando, interagiam e almoçavam no amplo pátio central do campus. Como membros de uma geração on-line ao extremo, suas atividades eram decididamente analógicas.

As escolas públicas de Orange County, incluindo Timber Creek High, proibiram recentemente os alunos de usar celulares durante todo o dia escolar. Foto: Zack Wittman/The New York Times

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Dezenas estavam reunidos em pequenos grupos, conversando com animação. Outros jogavam pickleball em quadras improvisadas. Não se via nenhum celular - e não foi por acaso.

Em maio, a Flórida aprovou uma lei exigindo que os distritos escolares públicos imponham regras de proibição do uso do celular pelos alunos durante o horário de aula. Neste outono setentrional, as escolas públicas do condado de Orange - que incluem a Timber Creek - foram ainda mais longe, impedindo os alunos de usar o celular durante todo o dia letivo.

Uma dúzia de pais e alunos do condado de Orange afirmaram em entrevista que apoiam as regras de proibição do telefone durante a aula, mas que se opõem à proibição mais rigorosa, que abrange o dia letivo inteiro.

Os pais disseram que os filhos deveriam ter o direito de contatá-los diretamente nos períodos livres, enquanto os alunos chamaram a proibição durante o dia inteiro de injusta e infantilizadora. “Eles esperam que a gente assuma a responsabilidade pelas próprias escolhas, mas assim estão tirando a capacidade de escolher e aprender a ter responsabilidade”, alegou Sophia Ferrara, aluna do 12º ano da Timber Creek, que precisa usar dispositivos móveis durante os períodos livres para ter aulas on-line da faculdade.

Lyle Lake, segurança da Timber Creek High School, em Orlando, Flórida, patrulha a hora do almoço em um carrinho de golfe, procurando por estudantes que violam a proibição de uso de celulares no distrito escolar. Foto: Zack Wittman/The New York Times

Como muitos pais exasperados, escolas públicas nos Estados Unidos estão adotando medidas cada vez mais drásticas para tentar afastar os jovens do celular. Legisladores e líderes distritais argumentam que são necessárias restrições mais duras, porque o uso desenfreado das redes sociais durante as aulas está ameaçando a educação, o bem-estar e a segurança física dos alunos.

Em algumas escolas, os jovens planejaram e filmaram agressões a colegas e, em seguida, enviaram os vídeos para plataformas como o TikTok e o Instagram. Professores e diretores alertam que aplicativos sociais como o Snapchat também se tornaram uma grande distração, levando alguns alunos a enviar mensagens para os amigos durante as aulas.

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Em decorrência disso, muitos distritos - entre eles South Portland, Maine e Charlottesville City, na Virgínia - proibiram o uso do celular pelos estudantes ao longo do dia todo. Agora, a Flórida instituiu uma repressão estadual mais abrangente.

A nova lei do estado exige que as escolas públicas proíbam o uso do celular pelos alunos durante o tempo de aula e bloqueiem o acesso às redes sociais no Wi-Fi do distrito. Também obriga as escolas a orientar os alunos sobre “como as mídias sociais manipulam o comportamento”.

Sob o governo de Ron DeSantis, a Flórida introduziu uma série de regras controversas para as escolas públicas, incluindo a restrição do ensino sobre identidade de gênero. Em contrapartida, a lei do celular encontrou apoio em todo o espectro político. “Esse é um passo para ajudar a proteger as crianças e os jovens das garras das mídias sociais; também vai estimular uma sala de aula menos distraída e um ambiente mais propício à aprendizagem”, declarou o deputado estadual Brad Yeager, republicano que endossou o projeto de lei.

Antes da proibição, o uso de celulares pelos estudantes estava “saindo do controle”, disse Lisa Rodriguez-Davis, educadora de Orange County.  Foto: Zack Wittman/The New York Times

O Snapchat, o Instagram e o TikTok têm políticas que proíbem o bullying, bem como sistemas para denunciá-lo em cada plataforma. Em um comunicado, a Snap, empresa que controla o Snapchat, afirmou que apoia os esforços de pais e educadores para promover um ambiente acadêmico saudável, incluindo “limitar o acesso dos alunos a dispositivos pessoais durante o horário escolar”.

O TikTok divulgou em um comunicado que atividades como postar vídeos de bullying e violência escolar “violam nossas diretrizes da comunidade e são removidas quando as encontramos”. A Meta, empresa que controla o Instagram, não quis comentar.

Detox obrigatório

A desintoxicação do TikTok que a Flórida impôs aos alunos equivale a um experimento em massa para controlar os hábitos tecnológicos pessoais dos jovens. A lei fez com que os distritos, que antes davam aos professores alguma margem de manobra sobre o uso do celular na sala de aula, adotassem regras mais rígidas.

Este ano, uma nova política de telefonia celular nas escolas públicas do condado de Hillsborough, em Tampa, por exemplo, adverte os alunos: “Vemos - e pegamos.”

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O emprego de regras mais restritivas para o celular nas escolas pode trazer benefícios, como aumentar o foco dos alunos no aprendizado. Mas também pode estimular a vigilância ou dificultar comunicações cruciais para adolescentes com responsabilidades familiares ou que trabalham depois das aulas.

Os alunos ficaram mais engajados desde que a proibição do telefone entrou em vigor, disse Marc Wasko, diretor da Timber Creek High School. Foto: Zack Wittman/The New York Times

Não se sabe ao certo quantas outras escolas proíbem o uso do celular pelos alunos. Estatísticas do Departamento de Educação dos EUA, publicadas em 2021, relataram que cerca de 77 por cento das escolas proibiram o uso do celular não acadêmico durante o horário de aula.

As novas regras neste outono setentrional nas escolas públicas do condado de Orange, o oitavo maior sistema escolar dos Estados Unidos, mostram como - e por que - alguns distritos estão intensificando sua repressão ao celular.

Educadores do condado afirmam que durante a pandemia o apego de muitos alunos ao telefone pareceu se aprofundar. Quase nunca tiravam os olhos do aparelho enquanto caminhavam pelos corredores da escola. Alguns adolescentes filmaram em segredo seus colegas e espalharam os vídeos em aplicativos como o Snapchat. “Houve muito bullying; tivemos muitos problemas com os alunos postando ou tentando gravar coisas que aconteciam durante o período escolar”, contou Marc Wasko, diretor da Timber Creek, que atende cerca de 3.600 alunos.

Professores do condado de Orange como Lisa Rodriguez-Davis, professora do ensino médio, também estavam ficando exasperados com o uso frequente do celular pelos alunos durante as aulas. “Estava saindo do controle; eu os chamo de ‘TikToks de banheiro’”, disse, descrevendo como os alunos trocavam mensagens de texto durante a aula para marcar encontros no banheiro, onde filmavam vídeos de dança.

Nikita McCaskill, a government teacher at Timber Creek High School in Orlando, Fla., Oct. 6, 2023. She saw students become more talkative and collaborative after a ban on cell phone use was instated. (Zack Wittman/The New York Times) 

Para mostrar o que os professores estavam enfrentando, Rodriguez-Davis postou vídeos próprios no TikTok parodiando sua luta com os alunos e o celular deles.

Depois que a lei da Flórida entrou em vigor em julho, o condado de Orange decidiu impor regras ainda mais rígidas. A proibição geral impede os alunos de usar o celular durante todo o dia letivo - até mesmo no intervalo entre as aulas.

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Wasko informou que, em setembro, no primeiro dia em que a proibição entrou em vigor, os administradores da Timber Creek confiscaram mais de cem aparelhos. Depois disso, os confiscos e os incidentes escolares relacionados aos celulares, como o bullying, caíram rapidamente.

Pontos positivos e negativos

A proibição tornou a atmosfera em Timber Creek mais pastoral e carcerária. Wasko observou que agora os alunos fazem contato visual e respondem quando ele os cumprimenta; já os professores disseram que eles estão mais participativos nas aulas. “Adorei. Os alunos estão mais falantes e colaborativos”, comentou Nikita McCaskill, professora em Timber Creek.

Segundo alguns estudantes, a proibição tornou a interação com os colegas mais autêntica. “Agora não dá para ficar dizendo: ‘Olhe para mim no Instagram. É assim que sou.’ Ajudou as pessoas a ser quem são - em vez de quem são on-line - na escola”, disse Peyton Stanley, aluna do 12ª ano da Timber Creek, acrescentando que também considerou a proibição problemática e que se sentiria mais segura na escola se pudesse carregar o celular no bolso e enviar uma mensagem de texto para a mãe de imediato, se necessário.

Outros alunos afirmaram que a escola está parecendo mais uma prisão - observaram que, para ligar para os pais, agora precisam ir à recepção e pedir permissão para usar o telefone.

Celulares confiscados são guardados em segurança até que os alunos possam retirá-los. Foto: Zack Wittman/The New York Times

A vigilância também se intensificou. Para fazer vigorar a proibição, Lyle Lake, oficial de segurança de Timber Creek, agora patrulha o período de almoço em um carrinho de golfe, pegando os alunos que violam a proibição e levando-os à recepção, onde devem colocar o celular em um armário trancado pelo resto do dia letivo. “Costumo acabar com o carrinho cheio de alunos, porque pego outros no caminho para a recepção”, contou enquanto se sentava ao volante do carrinho de golfe preto da Yamaha na hora do almoço.

Lake disse que também monitora as imagens das câmeras de segurança da escola para ver se os alunos estão usando o celular nos corredores e em outros locais. Os que forem pegos podem ser retirados da aula e os infratores reincidentes, suspensos.

Ainda não se sabe se os possíveis benefícios da proibição do celular superam os custos de restringir a liberdade limitada dos alunos. O que se sabe é que tais proibições estão subvertendo as normas acadêmicas e sociais de uma geração criada com o aparelho.

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Os alunos do condado de Orange chamaram a proibição de regressiva, observando que não podem mais usar o celular para verificar o horário das aulas durante o dia, tirar fotos de seus projetos na aula de arte, encontrar os amigos no almoço - ou mesmo adicionar o número de novos colegas à lista de contatos. “Imagine que o dispositivo que você usa todo dia para se comunicar com outras pessoas tenha desaparecido. É uma sensação de isolamento total”, afirmou Catalina, de 13 anos, aluna do oitavo ano de uma escola secundária local. (Ela e a mãe pediram que seu sobrenome não fosse usado por razões de privacidade.)

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