O que a educação do Ceará tem: o que está por trás da ida de Camilo Santana para o MEC

Colaboração, aprimoramento de professores e escolha de diretores por critérios técnicos e não políticos ajudaram estado a melhorar índices de aprendizagem

Por Bruno Alfano


Camilo Santana, futuro ministro da Educação EVARISTO SA / AFP

A chegada de dois representantes do Ceará ao comando do Ministério da Educação (MEC) coroa uma das mais inspiradoras trajetórias de políticas públicas no país. Mesmo sem incentivo do governo federal nos últimos anos, 13 estados, segundo levantamento do Todos Pela Educação e do Instituto Natura, já absorveram alguns aspectos do modelo que alavancou o estado nordestino ao posto de melhor alfabetizador do país.

Novo ministro da Educação, Camilo Santana foi governador do Ceará entre 2015 e abril de 2022. A futura secretária de Educação Básica, Izolda Cela, é a atual governadora.

“No fundo, o grande diferencial do Ceará é que ele assumiu que os alunos são cearenses, não importando se são da rede municipal ou estadual”, resumiram Fernando Luiz Abrucio, Catarina Ianni Seggatto e Maria Cecília Gomes Pereira num estudo de 2018 sobre o modelo que fez com que, em 2019 (último não afetado pela pandemia), 77 cidades do estado estivessem entre as 100 melhores do Brasil no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb).

— A colaboração é uma chave da política cearense. Mas ela antecede muito 2007, quando o programa de alfabetização é implementado. O estado construiu, desde 1995, diversas formas de colaboração, não só na educação. Isso criou uma cultura de colaboração no estado — diz Sofia Vieira, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

O regime de colaboração inaugurado a partir de 2007 trabalhou com os municípios para atingir níveis adequados de alfabetização. É uma tarefa que, pelo pacto federativo, está destinado majoritariamente às prefeituras, responsáveis pelo 1º ao 5º ano do ensino fundamental.

— Na história cearense houve continuidade de um conjunto de princípios educacionais, a despeito das mudanças de governo — defende Sofia Vieira, professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Começo em Sobral

A guinada começou em Sobral, em 2001, no segundo mandato de Cid Gomes (2001-2004), irmão do ex-governador Ciro Gomes. Izolda foi escolhida secretária adjunta de Educação e tornou-se fundamental para criar um programa que fez com que o índice de alunos plenamente alfabetizados passasse de 52% em 2000 para 92,2% em 2004.

Foram definidos três eixos de ação: demissão de todos os diretores por indicação política seguido de processo seletivo técnico para os novos escolhidos; formação de professores em serviço; criação de rotinas pedagógicas em sala de aula e aprimoramento dos materiais de ensino e valorização do magistério.

Foi a base do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), implementada no estado a partir de 2007, quando Cid tornou-se governador. Em 2012, no governo Dilma Rousseff, o programa virou nacional e durou até 2018.

No ano passado, um estudo do Inep que avaliava o programa foi censurado pela presidência do instituto, sob o comando de Jair Bolsonaro. O trabalho foi liberado após decisão do TCU neste ano.

A avaliação dos pesquisadores é de que o programa atingiu o objetivo de acelerar a aprendizagem de matemática e linguagens nos primeiros anos do ensino fundamental e mostrou um efeito positivo do investimento, que na época foi de R$ 2,6 bilhões.

Obstinação

Na avaliação de David Saad, diretor-presidente do Instituto Natura, são três fatores fundamentais que garantiram o sucesso do regime de colaboração cearense: governança compartilhada de estados e municípios, na qual os dois entes trabalham de maneira conjunta; incentivo com premiação de escolas que têm bom desempenho; e compromisso político e técnico do governo estadual, o que envolve repasses de verbas às prefeituras.

— Apesar dos bons modelos de políticas públicas, o que colocou o Ceará no MEC foi menos a solução muito diferenciada e mais o compromisso do estado em desenhar, fazer ajustes e só se satisfazer quando a aprendizagem melhora — afirma.

Saad lembra ainda que o estado tem dado novos passos. No começo desse ano, Camilo anunciou um programa para universalizar o ensino médio integral (mais de sete horas de aula por dia) até 2026.

No fim de 2022, Izolda — chamada por Santana de “Mãe do Paic” — expandiu a colaboração com os municípios da alfabetização para o segundo segmento do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) com uma lei que apoia a universalização do tempo integral para Ensino Fundamental nas escolas da prefeitura.

— Os maiores desafios para essa gestão serão na educação infantil e no segundo segmento do fundamental. Na alfabetização e no ensino médio, eles podem usar os modelos do próprio Ceará e de Pernambuco que já têm se expandido pelo Brasil com muito sucesso — afirma Saad.

Expansão

Com a sistematização de todo esse modelo, feita pelo Instituto Natura, houve uma expansão desse tipo de Regime de Colaboração para outros estados a partir de 2019 — trabalho com resultados impactados pela pandemia, mas cuja expansão persistiu.

Em São Paulo, a colaboração entre estado e municípios promoveu a implementação curricular, a formação docente e diagnóstico da situação da aprendizagem dos estudantes. No Paraná, há um programa específico para oferecer apoio às redes municipais de ensino, com entrega de material didático complementar de alfabetização, de formação para docentes, além da disponibilização de avaliação diagnóstica e do Sistema Educacional da Rede de Proteção, para combate ao abandono escolar.

Nos municípios, também há forte influência das ideias cearenses, especialmente na alfabetização, segundo a professora da Uece Sofia Vieira, que também colabora com a pesquisa “Municípios eficazes na gestão da aprendizagem”, da Fundação Getúlio Vargas.

— É um número bastante significativo de prefeituras que utilizam a matriz do Paic — diz a pesquisadora.

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