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Economia

O país que queremos: GLOBO estreia série de debates sobre economia nas eleições; primeiro tema é competição

Três economistas de diferentes tendências respondem: como ampliar a concorrência entre empresas e pessoas no Brasil, facilitando a inovação?
. Foto: Criação O Globo
. Foto: Criação O Globo

RIO - O economista Fábio Giambiagi, em coluna publicada no GLOBO, lançou o desafio: “ Precisamos ter uma reflexão acerca de que país queremos ter” . Neste ano eleitoral, argumenta, é urgente retomar o debate de fôlego sobre as políticas econômicas relevantes para o país. Uma discussão que ficou ausente ou tratada apenas via troca de agressividades desde 2006, avalia Giambiagi.

O GLOBO aceitou o desafio e, a partir de hoje e ao longo dos próximos meses, vai ampliar a abordagem sobre os temas propostos por Giambiagi em suas colunas com a visão de outros economistas, de diferentes escolas e linhas de pensamento.

Serão 15 propostas, que cobrem áreas tão diversas como mercado de trabalho, privatizações e Orçamento federal, mas que, como destacou Giambiagi em sua primeira coluna, estão longe de esgotar o desafio diante do país.

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Um dos maiores especialistas em contas públicas do Brasil, autor de livros sobre a Previdência e sobre as finanças do governo, Giambiagi explicou, no artigo em que apresentou a série, que temas fora do escopo da economia, como meio ambiente e segurança, não seriam contemplados. A proposta é discutir políticas econômicas.

Na estreia do debate, em artigo publicado no dia 11, Giambiagi optou pelo tema competição, lembrando que, nos últimos 250 anos, os países que mais progrediram foram aqueles onde “regras da competição capitalista foram respeitadas”.

E destacou o sentido amplo da palavra: a competição entre empresas e entre indivíduos.

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Sobre esse tema, O GLOBO ouviu os economistas Armando Castelar, do Ibre/FGV; Esther Dweck, da UFRJ , e Gabriel Ulyssea, da University College London, que mostram suas visões sobre a falta de concorrência, que freia a inovação e o crescimento. Veja suas visões a seguir.

Mentalidade favorece falta de concorrência

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Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre da Fundação Getulio Vargas (FGV) Foto: Criação O Globo
Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre da Fundação Getulio Vargas (FGV) Foto: Criação O Globo

Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV

“O ponto é que as grandes empresas, como Amazon, Facebook, crescem e dominam o mercado, cortando a entrada de novos concorrentes. É preciso haver competição para que se tenha a destruição criativa citada por Giambiagi no seu artigo. É um tema mundial.

Onde acho que o Brasil é peculiar é que aqui existe uma mentalidade de política econômica que favorece a falta de competição. Crédito subsidiado do BNDES, dando empréstimo para empresa que domina o mercado, rentável e tem risco pequeno. Novos entrantes têm dificuldade para ter acesso ao subsídio.

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A política de campeão nacional (adotada nos governos do PT) incentivou fusões para ter menos competição. Grande empresa de qualquer país vai fazer lobby para impedir a competição. Mas há a mentalidade de parte grande de economistas e políticos no Brasil de que a política certa é impedir a competição.

A Oi é um exemplo. Investiu-se para ser campeã nacional (hoje está em recuperação judicial).

Empresário que sobe a Serra na sexta-feira na hora de almoço não está preocupado, não tem competição, como alertava Dionísio (Dias Carneiro, economista da PUC, 1945-2010) em artigo de séculos atrás. Empresário tem que estar nervoso, buscando formas de inovar, de avançar em novos produtos.

Nós avançamos no mercado de capitais, segurou-se o subsídio do BNDES, foi feito o teto de gastos (lei que impede que as despesas do governo cresçam acima da inflação), houve IPOs (lançamento de empresas na Bolsa). Quem tem uma boa ideia encontra juro baixo, acredito que a alta de agora seja transitória (a Taxa Selic subiu de 2% ao ano para 10,75%).

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O Brasil é uma economia das mais fechadas, o acordo do Mercosul com a União Europeia pode ajudar a enfrentar isso. Mas tem de mudar muita legislação. Não se pode contratar escritório de advocacia lá fora, há um monopólio de advogados brasileiros. O volume de importação é baixo em proporção ao PIB (Produto Interno Bruto).

Não adianta insistir nas políticas dos anos 1950, com o governo decidindo quais os setores vão avançar. Precisamos ter responsabilização e tributação adequadas.”

Brasil foi perdendo capacidade produtiva

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Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ e foi secretária de Orçamento Federal Foto: Criação O Globo
Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ e foi secretária de Orçamento Federal Foto: Criação O Globo

Esther Dweck,  professora do Instituto de Economia da UFRJ e ex-secretária de Orçamento Federal

“O capital nacional nunca foi forte o suficiente no Brasil. Vivemos um capitalismo tardio, com uma série de falhas. O setor privado brasileiro é meio capenga comparado a outros países. O investimento em inovação vinha das estatais e multinacionais. A Petrobras é a que mais investe em inovação no país.

Com a privatização, criou-se um monopólio, não uma base para concorrência forte. Multinacionais mudaram os centros de inovação, deixando o Brasil de ser um centro produtor relevante.

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Nesse ponto, o país foi perdendo a capacidade produtiva. Não concordo que somos uma economia fechada, há um grau de penetração da importação altíssimo. No setor de autopeças é muito relevante, no setor têxtil, também. Brasil tem tarifas altas de importação, mas o câmbio supervalorizado acaba tornando a proteção pouco efetiva.

O agronegócio, altamente inovador, teve política específica para o setor com a Embrapa e o Banco do Brasil combinado com o BNDES. O BNDES se retraiu, e o Brasil retraiu junto. Temos que voltar a incentivar a produção nacional, pensar em como reindustrializar, trazer capacidade inovativa. Abertura comercial não é suficiente, não vai resolver. A abertura nos anos 1990 quebrou cadeias inteiras.

Há setores com potencial enorme de alavancagem pela demanda interna e pelas necessidades da sociedade. A saúde, na pandemia ficou óbvio, assim como mobilidade, habitação e transição energética são alguns desses setores.

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O incentivo para investir e aumentar a produtividade é a demanda. O Brasil tem grande mercado interno. Fortalecendo a demanda, o setor privado pensa em inovar. Um incentivo que não o mesmo dos anos 1950, que tinha a indústria como um fim.

Hoje, cabe ao Estado ver a indústria como um meio para alcançar os benefícios para a sociedade. Os EUA estão preocupados em ter autonomia produtiva.

O orçamento de ciência e tecnologia tem caído, com sucateamento das universidades e instituto federais, importantes para qualificar a mão de obra. A entrada na OCDE preocupa porque abre as compras públicas para importação, o que mata um canal central para inovação.

Nivelar o campo para ter oportunidades iguais

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Gabriel Ulyssea é professor do Departamento de Economia da University College London Foto: Criação o globo
Gabriel Ulyssea é professor do Departamento de Economia da University College London Foto: Criação o globo

Gabriel Ulyssea,  professor do Departamento de Economia da University College London

“O maior problema é o mau funcionamento da economia, a falta de competição interna. Tem muito lobby para conseguir tratamento preferencial na tributação, grupos de interesse atuam pesadamente nessa direção, contribuindo para baixo nível de produtividade e competição.

Há muitos ganhos que poderiam vir de abertura comercial, o principal é se expor à competição externa, o que acaba pressionando grupos empresariais internos. Não é à toa que há tributação preferencial e uso de taxa de câmbio para ter ganho de competitividade.

É uma dimensão importante, mas não é bala de prata. Temos de simplificar drasticamente o sistema tributário. Aumentar a transparência, saber para quem estão indo benefícios fiscais.

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A principal virtude do capitalismo vem das forças naturais de competição. Ao longo do tempo, as empresas menos produtivas sairiam do mercado, e as melhores empresas, inovadoras, deveriam encontrar caminho desimpedido para expandir, crescer.

Hoje, no Brasil, esse processo está quebrado, empresas pouco produtivas conseguem manter ativos com tamanho maior que sua produtividade porque estão protegidas e tentam se manter assim.

A informalidade também contribui para isso. Empresas poucas produtivas têm efeito deletério sobre a capacidade de expansão. Temos problemas de infraestrutura, na qualidade da força de trabalho, no acesso ao ensino. A pandemia só escancarou desigualdades.

A desigualdade de oportunidades é abissal. Pessoas talentosas que não tiveram a sorte de nascer numa casa de classe média a alta não poderão ver seu talento florescer.

É hora de investir em serviços de maior complexidade, com mais qualificação e abandonar o fetiche da indústria automobilística, pensar na modernização da concepção mais geral de onde vai vir o dinamismo da economia.

O mais urgente é nivelar o campo para que todo mundo possa competir em condições iguais, com acesso à educação, à saúde, ao tratamento igual, não discriminatório. Essa competição é fundamental para as pessoas e empresas. O capitalismo precisa de uma sociedade que tenha igualdade de oportunidade para produzir resultado.”