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'O ministro precisa dar as mãos para a educação', diz nova reitora da UFRJ

Confirmação de Denise Pires de Carvalho foi publicada no Diário Oficial nesta segunda-feira
A biofísica Denise Pires de Carvalho, vencedora da eleição para reitoria da UFRJ Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
A biofísica Denise Pires de Carvalho, vencedora da eleição para reitoria da UFRJ Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo

RIO- A espera da comunidade acadêmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ ) pela nomeação de sua nova reitora chegou ao fim. A confirmação da médica Denise Pires de Carvalho à frente da maior universidade federal do país foi publicada nesta segunda-feira no Diário Oficial. Em entrevista ao GLOBO, a primeira reitora mulher da instituição em quase 100 anos disse que vai lutar pelo desbloqueio de verbas e afirmou que o ministro da Educação , Abraham Weintraub, precisa "abrir o diálogo com a área educacional do país".

Durante a conversa, Denise disse que deve se encontrar ainda nesta semana com representantes do Ministério da Educação (MEC) para falar sobre os projetos de reconstrução do Museu Nacional, que, no momento, enfrenta um contingenciamento de cerca de R$12 milhões oriundos de uma emenda parlamentar.

A nova reitora defendeu a gratuidade das universidades públicas e disse que os cursos de humanas, "base das construções das universidades no mundo", devem ser fortalecidos. Recentemente, Weintraub cogitou a possibilidade de cobrança em cursos de pós-graduação nas universidades públicas e falou também sobre a redução de investimentos em carreiras da área de humanidades. Segundo ela, sua relação com o MEC será de porta-voz das demandas da universidade para o governo a fim de tornar a UFRJ uma "potência".

Eleita em primeiro turno na consulta à comunidade acadêmica, em abril, Denise disse que temeu não ser nomeada, mas que ficou "honrada" com a atitude do presidente, Jair Bolsonaro , de confirmar o resultado das urnas da UFRJ. A nova reitora chegou a se reunir com a bancada de deputados e senadores do Rio para falar, entre outros assuntos, sobre sua nomeação. De acordo com a lei, as universidades federais encaminham uma lista com três nomes ao presidente e ele pode escolher qualquer um, mas, desde o governo Lula, a nomeação tem respeitado o primeiro colocado da lista.

A senhora temeu não ser nomeada?

Não havia nenhuma convicção de que o presidente escolheria o primeiro da lista tríplice porque ele tem prerrogativa de escolher qualquer um dos três. E o questionamento da lista ou a possível escolha de um segundo nome vem acontecendo em outras universidades. Não havia nenhuma confirmação de que aqui seria diferente. Eu fiquei muito honrada e toda a comunidade acadêmica ficou satisfeita de o presidente ter honrado a escolha da universidade. O processo eleitoral da UFRJ é assim há décadas, existe uma tradição. Como esse processo nunca havia sido questionado antes, a gente tinha quase certeza de que não haveria questionamento do processo em si. No entanto, a escolha do primeiro nome da lista não tinha como ter certeza. Mas eu tenho uma trajetória na universidade que é muito clara. Sempre trabalhei pela UFRJ durante toda minha carreira, desde que ingressei como docente em 1990. Eu nunca me posicionei a favor ou contra qualquer que seja o grupo político, a não ser em questões internas relacionadas à administração da universidade. O que queremos é uma universidade pública, gratuita e fortalecida, com o pesquisador que é também professor.

O presidente disse que pessoas próximas a ele defenderam sua nomeação. A senhora fez alguma articulação nesse sentido?

Eu sou uma pessoa que tenho muitos amigos, então é muito difícil dizer quem é próximo do presidente. Eu transito muito bem entre a área básica do conhecimento e a profissional, fui presidente do departamento de tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, que é uma das sociedades médicas mais fortes do Brasil. É uma sociedade com projeção não só nacional, como internacional. Acho que várias pessoas são próximas do presidente, porque é uma característica da nossa profissão, tenho contato com vários médicos e vários cientistas. Então é difícil dizer. Eu exerci cargos tanto em sociedades médicas quanto científicas. O presidente deve ter escutado falar bem de mim, o que fico muito feliz. Mas não houve uma articulação específica. Eu procurei toda a bancada federal do Rio de Janeiro, inclusive os senadores do Rio de Janeiro. E esse é um caminho importante não só para minha nomeação, mas para a gestão da universidade. O apoio da bancada é fundamental para as instituições.

A UFRJ teve boa parte de seu orçamento de custeio contingenciado pelo MEC. O que a senhora pretende fazer em relação a isso?

Nas minhas idas a Brasília fui conversar com o secretário de ensino superior do MEC e ele se mostrou muito sensível à questão da UFRJ. Mas temos desafios enormes não só com relação ao contingenciamento, mas também porque a UFRJ passou por problemas graves como o incêndio do Museu Nacional. Estaremos muito próximos do MEC para resolver a questão do Museu. É do nosso interesse que a gente o reconstrua o mais rápido possível. É importante frisar que o museu também produz conhecimento, essas estruturas de ensino, pesquisa e extensão foram todas destruídas. Não há só exposições no museu, mas também atividades de pesquisa. O contingenciamento é muito grave porque a  UFRJ tem não só atividade de ensino, temos mais de 1.200 laboratórios funcionando, temos mais de 10 prédios tombados.

O MEC tem atacado a UFRJ em relação aos projetos para reconstrução do Museu Nacional. Você concorda com as críticas contra a universidade? O que pretende fazer para resgatar esse patrimônio?

O que aconteceu foi uma tragédia e o MEC está muito sensível. Quando fui ao MEC, o museu foi principal foco da conversa. Está prevista uma reunião ainda nessa semana para que se discuta o corte que aconteceu e talvez ele seja revertido. O MEC solicitou esse encontro na última sexta. Vamos apresentar o projeto da UFRJ para utilização desses recursos ainda neste ano, uma previsão de utilização de 20% dos recursos. Temos um cronograma já definido e esperamos que o MEC reverta essa questão. O contingenciamento foi de uma verba da bancada federal do Rio e o repasse precisa acontecer o mais rápido possível para licitar e iniciar as obras. Queremos que até o final do ano a obra para refazer toda a fachada e o telhado já tenha começado para que possamos atuar dentro do museu e evitar que haja mais perdas. Para isso, precisamos da liberação da verba ainda esse ano. Além do prédio do museu, precisamos de laboratórios de pesquisa e que as exposições temporárias possam acontecer em novos prédios. Já fizemos o projeto básico e estamos esperando a verba para construir novas estruturas que vão guardar o acervo e permitir que as atividades voltem a acontecer com excelência. Há um projeto da universidade que nossa gestão vai herdar e tocar.

E quanto a esses outros prédios?

Na última gestão, houve um avanço na relação da universidade com a possibilidade de utilização do seu patrimônio. Há o projeto InvestUFRJ que trabalha com imóveis do campus da Praia Vermelha, Centro e também na Cidade Universitária, para que consigamos reabrir um espaço de arte e cultura na cidade. O fechamento do Canecão foi muito ruim. A reabertura de um aparelho cultural naquela região deve ser feito através desse projeto que tem parceria com o BNDES. Se os recursos originados por ele puderem conseguir ampliar a residência estudantil, é excelente. Não podemos continuar tendo 250 vagas para estudantes em uma universidade com 60 mil alunos.

O bloqueio no orçamento da UFRJ se soma a um déficit de cerca de R$170 milhões. Até quando a UFRJ consegue manter as atividades nessa situação?

Qualquer contingenciamento é muito ruim (para manter esses prédios). Se (o bloqueio) for confirmado, não temos como funcionar, porque o pagamento da luz e da água nesses lugares vai ser impossível. Isso sem falar nas atividades de alimentação dos estudantes e das bolsas, que são importantes para a permanência dos estudantes na universidade.

A senhora assume a maior universidade federal do país  em um momento de acirramento de ânimos entre o governo e as universidades. Como deve ser sua relação com o MEC?

Vamos levar ao MEC as demandas da universidade e esperamos que ele atenda a maior federal do país. Espero que a manutenção e o fortalecimento das instituições públicas de ensino superior seja um projeto ao qual o governo seja sensível. Estarei unida com toda a comunidade da UFRJ para que sejamos atendidos. Vamos procurar o governo para que ele atenda as demandas dessa instituição centenária. Vou lutar junto ao governo para que sejamos atendidos nas nossas demandas essas que são justas. Não somos só a maior, somos uma das melhores. Espero que o governo entenda que queremos voltar a ser a melhor federal do Brasil e queremos passar a ser a melhor federal da América Latina, e que o governo nos ajude a ser uma potência em termos de promoção de conhecimento e formação de pessoal.

Recentemente, o ministro da Educação cogitou a possibilidade de cobrança na pós-graduação. Qual sua opinião sobre o pagamento de mensalidades em universidades públicas?

A cobrança de mensalidades não resolve o problema das universidades não só no Brasil, mas em nenhum lugar do mundo. Mesmo nos países desenvolvidos, mais de 60% do orçamento das universidades vem do setor público, mesmo onde há mais privatização. Mesmo onde os alunos pagam mensalidade, a maior parte do financiamento vem do governo. Somos um país pobre e a maior causa de evasão nas universidades é socioeconômica, a cobrança de mensalidade vai piorar essa situação. Eu sou contra a cobrança de mensalidade por esses e outros motivos. A universidade deve ser financiada pelo governo, porque pagamos impostos para que isso aconteça. A formação é parte da atividade fim da universidade, e o que é atividade fim não deve ser cobrado.

O governo disse vai reduzir investimentos em cursos de Ciências Humanas. A UFRJ tem grande relevância nessa área, com programas de pós-graduação com nota máxima no MEC. Qual sua opinião sobre isso? O que pretende fazer para que a falta de recursos não afete esses cursos?

Os cursos da área de Ciências Humanas têm que ser fortalecidos e serão fortalecidos como todos os cursos de excelência. A gente pretende que cursos de excelência como os dessa área ajudemos demais a melhorar sua qualificação. A área de Ciências Humanas e Sociais está na base da construção das universidades no mundo. As primeiras universidade nasceram na área de Ciências Humanas e Sociais, seria como renegar a nossa semente. A criação da universidade não passou pela formação profissional, de profissionais como engenheiros. A formação de médicos como estava relacionada à saúde humana transita nessa área e estava na origem junto com as Ciência Sociais, a Filosofia, o Direito. Essas áreas estavam no cerne da criação das universidades, estava na nossa alma mater. Não podemos nesse momento diminuir o que foi o nosso nascedouro. Isso não faz sentido. Não quer dizer que não tenhamos de formar mais quadros profissionais para o país. Temos poucos engenheiros com relação à população brasileira, enquanto não aumentarmos esse número, não seremos uma potência em termos tecnológicos. A UFRJ foi a primeira a criar um curso de graduação em nanotecnologia. Mas isso não quer dizer que vamos abandonar a área de Ciências Humanas e Sociais, porque o melhor engenheiro, médico e advogado é aquele que tem excelente formação nessas áreas.

Diante dessas questões, como você avalia a gestão do ministro Weintraub até o momento?

Não tenho nem como avaliar, porque não o conheço pessoalmente e ele tem uma gestão recente. Mas eu acho que a interlocução do ministro com a Educação deve melhorar. E isso depende de falar e escutar também. O diálogo é importante. O ministro deve abrir o diálogo com a área educacional do país. Ainda temos uma Educação aquém do que o Brasil merece e só a Educação vai melhorar o nosso país, ela não deve ser um projeto de governo,  mas sim de Estado. Na rede pública, temos graves problemas de não valorização dos professores  e isso é muito ruim. No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o Brasil tem uma nota ruim como diz o ministro, mas se olharmos apenas as instituições públicas federais temos notas parecidas com as da China e da Coreia. Há um problema focado no ensino básico da rede municipal, estadual e privada. O diálogo é importante para identificar quais instituições estão funcionando bem e usá-las como exemplo. A grande diferença é a qualificação e valorização dos professores. O sistema federal de ensino básico mostra que nós professores, quando valorizados e qualificados, somos capazes de transformar. O ministro está no início de sua gestão, mas ele precisa dar as mãos para a Educação.

O ministro fala em investir mais na educação básica em detrimento do ensino superior...

Quando olhamos a quantidade do PIB usado para educação superior ela usa pouco mais de 1% do PIB. A educação como um todo é cerca de 6%, o que ainda está aquém do previsto pelo Plano Nacional de Educação. Mas quando olhamos o valor por aluno, ele é muito pequeno. É menor do que o que vários países investem em Educação. É muito aquém do necessário. A minha visão é que deve aumentar o investimento tanto no nível superior quanto no básico. Não dá para descobrir um santo para cobrir o outro, porque vai piorar o que está funcionando. O nível superior está funcionando, mas precisa de mais investimento, no nivel básico a mesma coisa. Queremos levar o básico para o patamar das federais e temos que levar as demais universidades que não estão no patamar da UFRJ, para o nível dela. Precisamos estar entre as 100 melhores universidades do mundo, é isso que o governo tem que querer. Já há qualificação no Brasil para isso. Estamos em 13º lugar em produção científica. O que precisamos para avançar no sentido de Harvard? Mais investimento, porque lá tem. As cabeças já estão aqui.

Na sua opinião, qual será seu principal desafio e qual sua primeira medida à frente da universidade?

Acho que o maior desafio nesse momento é ter uma universidade unida em torno de um projeto que é o fortalecimento da instituição. Eu senti que minha nomeação criou clima de união dentro da universidade e a comunidade quer avançar no sentido de fortalecimento das atividades acadêmicas da UFRJ. Para isso precisamos focar no aumento no número de concluintes nos cursos de graduação. A permanência estudantil é muito importante. E para isso precisamos melhorar a informatização da universidade, para que se torne mais ágil nos diferentes projetos acadêmicos. Vamos criar núcleos de atendimentos psicopedagógicos em cada centro da universidade, para que os estudantes tenham acolhimento necessário para que consigam avançar em seus cursos. Espero que a gente consiga construir um projeto que sirva de exemplo para outras instituições. A gente precisa avançar para enfrentar desafios do seculo XXI e quero que essa seja minha marca. Que isso seja feito nas áreas de ciência e tecnologia, cultura, artes e inovação. Espero que a UFRJ seja exemplo de interação saudável com empresas de forma a alavancar a inovação nessas áreas, porque isso vai fazer a sociedade brasileira melhorar. Espero conversar com você no futuro e dizer que conseguimos avançar nisso. Defendemos que sejam feitas políticas de longo prazo.

Pode dar exemplos?

Precisamos aumentar a internacionalização da universidade, avançar no uso de aplicativos para melhorar o dia a dia do estudante, precisamos implantar programas de interação entre o ensino à distancia e presencial. Temos no Brasil cursos de ensino à distância públicos de excelência que não conversam com o ensino presencial. Podemos criar mecanismos entre os dois tipos de ensino que melhorem a conclusão dos cursos. Estamos na fase de elaboração de ações para os próximos anos, mas os seis primeiros meses serão de ajustes e criação de novas estruturas organizacionais. A partir de 2020, a gente espera que programas possam ser apresentados como programa para os próximos 100 anos da UFRJ. É uma honra estar à frente da universidade nesse momento.