Brasil Educação

'O MEC não ofereceu projeto ou perspectiva aos estudantes na pandemia', critica primeira presidente negra eleita da UNE

Bruna Brelaz, de 26 anos, cita a ampliação no número de bolsas ofertadas pelo Prouni e a mobilização pelo impeachment como dois dos principais focos da nova gestão
Bruna Brelaz, 26 anos, foi escolhida para liderar a UNE durante o próximo ano Foto: GUI / Yuri Salvador/ Divulgação
Bruna Brelaz, 26 anos, foi escolhida para liderar a UNE durante o próximo ano Foto: GUI / Yuri Salvador/ Divulgação

BRASÍLIA — Oitenta e três anos após sua fundação, a União Nacional dos Estudantes (UNE) elegeu pela primeira vez uma presidente negra. Bruna Brelaz, 26 anos, foi escolhida no último domingo para liderar a instituição durante o próximo ano. Em meio à crise política e sanitária causada pela epidemia de Covid-19, a líder estudantil classifica como "desastrosa" a condução do Ministério da Educação (MEC) durante a pandemia e diz estar especialmente preocupada com o aumento da evasão de estudantes no ensino superior.

Entre os principais focos da nova gestão, a estudante do curso de Direito cita o combate à redução do orçamento das universidades públicas e a ampliação do número de bolsas ofertadas pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). A líder estudantil diz ainda que a estratégia para viabilizar essas pautas é tirar o presidente Jair Bolsonaro do poder.

Um levantamento feito pela Frente da Educação na Câmara dos Deputados mostrou que houve uma redução de 29,5% no número de bolsas ofertadas pelo ProUni em relação ao ano passado. Em 2021, foram oferecidas 296,3 mil vagas no programa, contra 420,3 mil no ano passado.

No caso das instituições públicas, levantamento feito pelo GLOBO em junho mostrou que quase metade das 69 universidades federais do país afirmaram não conseguirem manter as atividades até o fim do ano com o orçamento previsto após os cortes anunciados pelo governo.

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Primeira mulher negra e nortista eleita para o comando da UNE, a manauara também defende mais voz para os estados do Norte e do Nordeste e considera sua eleição consequência da nova composição social da universidade brasileira.

Você é a primeira mulher negra a ser eleita para a presidência da UNE, uma instituição com mais de 80 anos. O que isso representa?

Esse é ao mesmo tempo um momento histórico, uma construção e (também resultado) da reivindicação dos estudantes. Demorou, mas porque também demoramos a colocar o brasileiro mais pobre, as mulheres, os negros e as negras na universidade. Uma presidenta negra é muito importante para o movimento estudantil, pois vem da reivindicação dessa nova composição social da universidade. O primeiro presidente eleito negro da UNE foi o (hoje deputado-fedral) Orlando Silva, em1995. Depois a Moara (Correa Saboia), negra, eleita vice, assumiu interinamente a presidência em 2016. Faço questão de mencioná-los, pois construíram o caminho para negros e negras assumirem um papel de liderança dentro do movimento estudantil e da UNE.

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Apesar dos avanços, o acesso ao ensino superior no país ainda é desigual. Como a UNE pode ajudar a melhorar o cenário?

O ProUni precisa restabelecer suas bolsas. Houve um corte de um terço das bolsas do ProUni em 2021. O programa possibilitou a entrada dos mais pobres nas universidades e queremos a ampliação das bolsas, não retrocesso. Também lutamos pelo orçamento pleno das universidades públicas. O teto de gastos impõe limites ao investimento em setores estratégicos para o país. O Brasil não pode ter medo de investir nas universidades. E temos que fortalecer ainda mais as vozes do Norte e do Nordeste, regiões sempre esquecidas pelo restante do país.

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O Brasil já está há mais de um ano sem aulas presenciais. Qual sua avaliação a respeito da condução do MEC durante a pandemia?

Desastrosa. O MEC não ofereceu nesse período qualquer projeto ou perspectiva aos estudantes para que eles conseguissem estudar de forma qualitativa remotamente. No caso dos secundaristas, o governo federal entrou com uma ação contra a lei de conectividade, que garante mais internet aos estudantes do ensino fundamental e médio para terem acesso às aulas. Com as universidades não foi diferente. Imagine a dificuldade de acesso à internet no Norte do país, nas cidades mais distantes das capitais? Estamos muito preocupados com a volta às aulas. A gente já percebe uma grave evasão nas universidades, muita gente está desistindo de estudar pois simplesmente não há condições devidas para tanto.

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A pandemia pode ser um ponto de inflexão no acesso à universidade?

A pandemia impacta justamente porque não há um projeto do governo oferecendo a perspectiva mínima para as pessoas conseguirem fazer, por exemplo, o Enem. Ou para os estudantes que já estão dentro da universidade conseguirem permanecer nela. Quando existe uma política de corte no Plano Nacional de Assistência Estudantil, que é o que garante bolsas, a casa (alojamentos), você percebe que há grandes chances de a universidade ficar menor do que desejamos.

E qual a estratégia para tentar reverter esse quadro?

Tirar Bolsonaro do poder (impeachment) é nosso principal objetivo. Neste Congresso da UNE muitos estudantes falavam isso: não é possível construir um projeto de novas perspectivas, de saída da crise na pandemia, com o Bolsonaro. Isso só vai acontecer com muita mobilização de rua. Se hoje nós estamos indo para a rua, é por culpa do governo. Estamos colocando nossa vida em risco novamente, mas como já fazemos no dia-a-dia justamente por conta da irresponsabilidade, da falta de suporte com relação às vacinas, com o auxílio emergencial, com a criação de perspectivas de emprego, principalmente para os jovens. Bolsonaro nos vê como seus inimigos, sempre atacou o movimento estudantil e nunca teve qualquer empatia com a educação. Não há brecha para diálogo com este governo. Estamos na luta pelo impeachment e por um novo projeto de educação e de país.

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Mas como a UNE pretende ajudar a viabilizar mobilizações de rua em um momento de restrição sanitária?

Todos os estudantes indignados com a situação que o Brasil vive — de desemprego, da fome, da alta do preço dos alimentos, do desmonte da educação — e que se sentirem seguros em ir para a rua, devem ir. Nossos movimentos de rua têm incentivado o distanciamento social. A UNE iniciou uma grande campanha de doação de máscaras PFF2 e de álcool em gel.  Há muitos jovens que se indignam de forma brilhante nas redes sociais, falam das pautas do Brasil dentro do TikTok, do Instagram, do Twitter, mas que também têm ido para as ruas, que é a forma tradicional da luta e de engajamento social.

Nos últimos anos, a UNE recebeu críticas no meio estudantil, de que teria se afastado dos estudantes...

O Congresso da UNE teve participação de diversas organizações de pensamento, com vertentes de esquerda, de centro e direita. Os liberais tiveram a oportunidade de apresentar sua opinião sobre a UNE. E todos os estudantes devem participar da UNE. Queremos construir essa linha de proximidade.