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Wilson Levy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O mapa da desigualdade e o planejamento urbano baseado em evidências

Colunista do UOL

04/11/2021 20h06

A Rede Nossa São Paulo divulgou, em outubro, a edição de 2021 do Mapa da Desigualdade, documento que, desde 2012, é divulgado pelo órgão ligado ao Instituto Cidades Sustentáveis (ICS). O relatório atual confirma que houve um aprofundamento das desigualdades na capital paulista, confirmando a hipótese que os mais vulneráveis sofreram mais durante a pandemia da covid-19.

Na apresentação do documento, o instituto reconheceu os avanços na distribuição de investimento público, mais direcionada à periferia nos últimos anos, a despeito da dificuldade de romper a desigualdade sócio-territorial, fruto de décadas de crescimento desordenado.

O estudo analisou diversos aspectos, tais como população, emprego e renda, educação, saúde, infraestrutura digital, meio ambiente, esporte e cultura. No âmbito dos direitos humanos, observou-se aumentos médios em relação a casos de violência racial de 42%, e de violência contra a mulher de 63%. Nos casos de feminicídio que o estudo aponta uma alta de 54%.

A desigualdade se manifesta, segundo o relatório, na indicação que o CEP de residência dos cidadãos é um fator importante para determinar uma série de situações concretas, como as narradas acima. E isso traz para o centro do debate um planejamento urbano baseado em evidências.

Pode parecer óbvio, mas fazer este debate é necessário para superar uma visão, ainda dominante, de política pública amparada em intuições e vieses, que fundamentam, em geral, decisões equivocadas.

Há dois elementos importantes nessa gramática. O primeiro é o respeito ao dinheiro do contribuinte. O segundo, um sentido de urgência na resposta aos desafios da cidade - imperativo que se tornou ainda maior no contexto da pandemia da covid-19. Não há mais espaço para experimentação ou achismo em políticas públicas.

Falar em planejamento urbano baseado em evidências não é uma maneira diferente de defender uma posição tecnocrática. É demonstrar que posições políticas só devem ser reconhecidas se forem capazes de responder positivamente a desafios práticos.

É, portanto, uma forma de validar e legitimar decisões públicas, ligando-as a um imperativo de efetividade. O cidadão e o contribuinte têm direito a uma política pública que funcione e cumpra o que prometeu.

Políticas relacionadas à agenda de Direitos Humanos nas cidades são um terreno fértil para comprovar a importância das evidências, porque envolvem componentes da dignidade da pessoa humana e, quase sempre, a necessidade de respostas rápidas.

No caso do feminicídio, o avanço das notificações pode ser atribuído à aprovação da lei que tipificou este crime. Em relação aos casos de violência não letal contra a mulher o aumento apontado no estudo é coerente com a elevação da procura por ajuda nos serviços na rede municipal de apoio à mulher da capital paulista, que registrou um salto de 52% em 2021 comparando a 2020. Saber onde estão essas mulheres vítimas de violência permite levar até elas programas como o Guardiã Maria da Penha, da Secretaria Municipal de Segurança Urbana, além de outras medidas de acolhimento e proteção.

É dever do gestor público utilizar estes dados para a formulação de políticas públicas, moldadas para responder eficazmente a esse grande desafio social.

A mesma lógica vale para os casos de injúria racial ou racismo, que o relatório classifica como violência racial. É de se ponderar que as notificações aumentaram em virtude da comoção provocada pelo assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Silveira Freitas, espancado até a morte em Porto Alegre-RS.

São Paulo começou a reverter o processo secular de apagamento da memória da população negra com o batismo de doze Centros de Educação Unificados (CEUs) em homenagem a personalidades negras, a inauguração do monumento a Tebas, que celebra João Pinto de Oliveira, primeiro arquiteto negro do Brasil, e o projeto do Memorial dos Aflitos, na Liberdade.

Neste conjunto de ações a cidade ainda baniu a técnica de imobilização conhecida como mata leão do protocolo da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Abriu sete novos Centros de Referência e Igualdade Racial e incluiu denúncias de racismo entre as opções de serviços do portal 156. E ainda há muito a ser feito.

Estudos como o Mapa da Desigualdade são importantes para definir prioridades e atacar na raiz os desafios cidade. E para renovar o compromisso democrático de todos os gestores públicos com cidades mais inclusivas, democráticas e sustentáveis - e que, para além do discurso, funcionem verdadeiramente.

Claudia Carletto é jornalista e mestra em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). É secretária de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo.

Cintia Elisa de Castro Marino é arquiteta e urbanista, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É professora permanente do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE. E-mail: cintiacmarino@gmail.com

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Mackenzie. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE. E-mail: wilsonlevy@gmail.com