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‘O jovem precisa ver sentido no que vive na escola’, diz jornalista

Caio Dib rodou o Brasil em busca de boas iniciativas na educação
Caio Dib, que vai participar do evento Educação 360 Tecnologia Foto: Divulgação/ihateflash.net / Divulgação/ihateflash.net
Caio Dib, que vai participar do evento Educação 360 Tecnologia Foto: Divulgação/ihateflash.net / Divulgação/ihateflash.net

RIO- Depois de viajar pelo país para encontrar gente que faz diferença na educação, Caio Dib reuniu as boas histórias que encontrou no livro “Caindo no Brasil”. O jornalista é um dos palestrantes do painel jovem do evento “Educação 360 Tecnologia” e contou ao GLOBO sobre sua experiência.

Como você selecionou as cidades que visitou para conhecer boas práticas e projetos educacionais?

Peguei um atlas e circulei lugares que considerava interessantes. Capitais, cidades importantes que sempre quis conhecer, como Caruaru e Olinda. Cheguei a contar meus planos de viagem para a minha mãe, que na hora não deu muita atenção, acho que não gostou muito da ideia. Eu tinha 22 anos, foi em 2013. Procurei ver o que tinha em cada um desses lugares e encontrei uma diversidade enorme de escolas, projetos e pessoas que percebi que faziam uma enorme diferença na educação. Eu trabalhava na época criando produtos educacionais, mas não tinha ideia de como eram os alunos e professores que utilizavam esses produtos. E essa foi a minha motivação para sair do trabalho e ir atrás dessas pessoas. Foi uma viagem de baixo custo que eu mesmo financiei com o que havia juntado até aquele momento. Meu único “luxo” era dormir em hostel . Em alguns dias, jantava só cenoura.

O que você descobriu com essa experiência?

Ao final, foram 58 cidades visitadas e 30 histórias que juntei entre escolas públicas, privadas, ONGs, educadores e projetos feitos por uma pessoa só. Não é possível pensar que a educação acontece somente na escola. Ela está em todos os lugares, por isso não foquei apenas nas instituições de ensino.

Você entrou em várias escolas, mas era um completo desconhecido para a maior parte delas. Foi difícil conseguir isso?

Sim. Até hoje encontro dificuldades nesse sentido. No início, não compreendia os motivos, mas depois de um tempo ficou claro para mim que é perigoso deixar um desconhecido entrar em uma instituição cheia de crianças e jovens, cuja segurança precisa ser preservada. Levei muitos “nãos” ao longo da viagem, pelos motivos mais diversos. Lembro de uma escola na Ilha de Marajó, no Pará, que estava completamente vazia, já que não havia aulas no dia em que fui. A diretora disse que estava muito ocupada para me atender, mas nada acontecia naquele dia. Ela só me retornou três meses depois, quando me viu no jornal. Também fiquei “preso” em uma periferia porque o diretor não quis abrir o portão do colégio para mim e nem me dizer que ônibus eu pegava para sair dali. Só que estar dentro da escola é fundamental, é assim a gente pode ver de perto os bons exemplos. Minha grande bandeira é essa: os ótimos trabalhos precisam ser vistos e reconhecidos. Para quem quer tentar algo nesse caminho, é importante deixar claro para a instituição visitada qual é o seu objetivo, por que está ali, o que pretende fazer a partir da visita. É assim que eu fiz e faço sempre.

O que aconteceu depois da viagem?

O pós-viagem conseguiu ser ainda melhor que a viagem em si. Quando voltei para São Paulo, tinha histórias incríveis para contar. Escrevi o livro “Caindo no Brasil”, reunindo algumas delas, dei muitas palestras e, nos últimos anos, me envolvi com projetos relacionados a comunicação, educação e inovação. Hoje atuo em várias frentes: presto consultoria, faço curadoria de eventos de educação, produzo conteúdos para professores. Estou neste momento, por exemplo, ajudando a criar uma parte do currículo de uma escola de baixo custo e a sistematizar boas práticas para uma faculdade de formação de professores. E dou aulas, claro, porque quem trabalha com educação precisa estar também em sala de aula.

Como são as aulas de alguém que passou por tantas cidades investigando boas práticas educacionais?

Dou aulas de produção de projetos para uma garotada que tem entre 10 e 14 anos. Eles criam projetos para melhorar o bairro em que moram e estudam. Neste semestre, fomos à subprefeitura e montamos um mutirão para reformar uma praça. Um dos meus maiores desejos é que no futuro, quando esses estudantes estiverem juntos em uma reunião de ex-alunos, minhas aulas sejam lembradas, que elas tenham feito diferença na vida deles.

Você costuma falar em suas palestras sobre “educação com significado”. Por que é importante pensar nesse conceito?

O mais importante, independentemente do modelo educacional, é a criança e o jovem verem sentido naquilo que estão vivendo na escola. Não importa se estão em uma instituição mais tradicional como o Pedro II ou em um colégio que adote outro modelo de ensino. Um exemplo: estive em uma escola em Palmas, considerada referência pelo MEC, e vi que o material que eles utilizavam vinha do Rio de Janeiro. Para aprender metros cúbicos, usavam a Baía de Guanabara como exemplo, em vez de levarem os meninos para o lago que ficava logo ao lado do colégio. Como é possível imaginar que aquele estudante vai estabelecer conexão com o que está sendo ensinado? A Baía de Guanabara é algo que, provavelmente, ele nunca viu. Mas, claro, há professores e escolas que se dispõem até mesmo a montar uma caixa d’água em sala para que o metro cúbico faça sentido para os alunos. E são esses casos que me interessam.

Você também diz que, em sua viagem, percebeu que a educação no Brasil não está perdida, como muita gente acredita...

O brasileiro é um empreendedor. E aqui temos também, especialmente na área de educação, um empreendedorismo de necessidade. Não tem livro didático porque o governo não entregou? Já vi muitos professores dando a volta por cima em situações como essa de maneira espetacular. Partem de um problema grave e acabam criando até mesmo uma nova metodologia.