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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

O impacto da LGPD nas escolas

 

Por Beatriz Catta Preta
Atualização:

Beatriz Catta Preta. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Desde que nos lembramos, crianças e adolescentes vão, presencialmente, à escola todos os dias, de segunda a sexta-feira.

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A pandemia da COVID-19 ressignificou esse cenário do "ir à escola", pois trouxe a possibilidade dos alunos participarem das aulas de forma remota, utilizando seus celulares, tablets ou computadores para acessar as ferramentas digitais disponibilizadas por cada instituição de ensino.

A evolução da tecnologia possibilitou um novo e enorme mundo de possibilidades para a área da educação. Mas, também, trouxe inúmeros problemas jurídicos em torno do uso da imagem de alunos e professores que tem sido expostos, sem autorização, tanto na internet como em grupos de WhatsApp e em redes sociais, com o compartilhamento de aulas em plataformas.

Hoje, crianças e adolescentes assistem às aulas por meio de plataformas digitais, que tem acesso à suas imagens, voz, troca de mensagens, arquivos com trabalhos ou lições de casa postados, além, é claro, de seus nomes completos e e-mails.

Da mesma forma, os professores passaram também a ter sua rotina, sua imagem, sua voz e suas aulas expostas.

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Com os smartphones, fotos e filmes são feitos a todo momento no dia a dia das aulas presenciais. Mensagens de WhatsApp enviam as imagens e produções de nossos filhos e de professores a vários lugares instantaneamente. Grupos de conversa são criados entre professores, funcionários das escolas, alunos e pais.

As redes sociais são outro oceano de possibilidades! As escolas publicam a rotina de nossos filhos, sempre uniformizados, participando das mais diversas atividades.

Todos ficamos cheios de orgulho de seus progressos.

Expor a rotina escolar nas redes sociais virou algo corriqueiro, beirando certa concorrência até, de quem publica mais atividades e conteúdos interessantes (sempre expondo a imagem de seus alunos em ação).

Parece algo inofensivo.

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Mas, o que não temos refletido, ultimamente, é sobre o que está por trás de toda essa tecnologia. A exposição de crianças e adolescentes em redes sociais não é apenas algo divertido de se ver.

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Essa exposição frenética de alunos nas redes sociais, sem qualquer controle, está envolta em questões relacionadas à privacidade dessas crianças e adolescentes, possibilitando que qualquer um saiba onde estuda, ou tenha acesso a suas imagens sem consentimento.

Seus dados nas plataformas contratadas pelas escolas (imagem, voz, nome completo, endereço de e-mail) estão expostos sem qualquer informação a respeito de como são tratados esses dados, ou seja, pais e responsáveis sabem qual a segurança aplicada aos arquivos onde constam tantas informações a respeito de seus filhos.

O resultado disso pode ser assustador.

É que toda a tecnologia por trás desses recursos está sujeita a vazamento de informações, ataques com o uso de ransonware, ou mesmo a um "clique" ingênuo de alguém em um link enviado a seu celular ou e-mail,  contendo um malware disfarçado...

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A Constituição Federal prevê a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas.

O direito de imagem, que não deixa de estar vinculado ao direito de personalidade, está protegido pelo artigo 20, do Código Civil. Assim, todo e qualquer uso da imagem, da voz e dos dados de professores e alunos, durante as aulas remotas e presenciais deve ser autorizado expressamente pelos mesmos (no caso dos alunos menores de idade por um de seus  pais ou responsáveis).

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) trouxe o dever ainda maior de proteção aos dados pessoais de toda pessoa natural, identificada ou identificável, com o objetivo de proteger seus direitos fundamentais de liberdade e privacidade, além do livre desenvolvimento da personalidade.

A Câmara dos Deputados acabou de aprovar a inclusão da proteção de dados como garantia fundamental, na Constituição Federal.

As escolas realizam o tratamento de dados pessoais ao coletar um grande número de informações pessoais de alunos, pais, responsáveis, funcionários e visitantes.

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Assim, com o advento da LGPD, para resguardar os direitos de personalidade dos alunos, estes devem autorizar prévia e expressamente o uso de sua imagem, voz e dados pessoais (seja para aulas remotas, seja para participarem de grupos de WhatsApp, publicações em redes sociais ou qualquer uso que se pretenda fazer com seus dados). No caso de menores de idade, seus pais ou responsáveis deverão fazê-lo.

Este consentimento deverá, segundo dispõe o artigo 7º da Lei, ser específico (informando-se a finalidade, o prazo, como se dará o tratamento, se haverá compartilhamento dessa informação, com quem, como e onde se dará o armazenamento dos dados pessoais coletados, etc.) e granularizado (para cada finalidade de tratamento dos dados, deverá haver um consentimento, individualmente). No caso de crianças (até os 12 anos incompletos), o consentimento ainda deverá ser feito em destaque (art. 14, da LGPD).

Além disso, no caso das aulas remotas, os alunos devem ser informados de que a aula será gravada e autorizar referida gravação (previamente, de forma específica, como já explicitado), e não podem ser forçados a ligar a câmera e o seu microfone.

Com relação aos professores, igual proteção legal lhes é conferida, de forma que as instituições de ensino precisam do consentimento específico dos mesmos, com o maior detalhamento possível, delimitando o prazo em que vigorará o uso da voz e da imagem, em quais plataformas seus dados serão expostos e, se haverá remuneração adicional.

Cláusulas genéricas de consentimento, que não informem a exata finalidade do tratamento dos dados caso a caso, seu prazo de duração, a forma de tratamento, a possibilidade de compartilhamento das informações e com quem isso será feito, dentre todas as outras informações que podem permear tratamentos específicos, são NULAS.

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Essas regras não valem apenas para o ambiente digital, ou pelo tempo que durarem as aulas remotas.

Com o advento da LGPD, é necessário não só voltar os olhos à proteção de dados digitais, mas mapear todos os documentos físicos arquivados (como contratos de matrícula, boletins, provas, históricos escolares e de transferência, currículos) e elaborar Política de Privacidade, de Segurança da Informação, rever contratos de matrícula, contratos de trabalho, contratos com terceiros, dentre outros muitos documentos. Procedimentos de coleta, armazenamento e utilização de documentos físicos deverão ser revisados.

A LGPD impõe adequação de segurança da informação compulsoriamente, de forma definitiva, a todas as pessoas físicas ou jurídicas que façam tratamento de dados pessoais, seja por meio físico, seja por meio digital, para fins econômicos (art. 3º, da LGPD). Aplica-se, portanto, às instituições de ensino.

Entenda-se, aqui, que o termo tratamento de dados, na Lei, veio descrito  "como toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração" (art. 5º, X, da LGPD).

Relevante ressaltar que, caso a instituição de ensino deseje fazer o uso comercial dos dados coletados (imagens, voz, dados pessoais em geral), deverá buscar a autorização expressa, seja dos professores ou dos alunos (e seus pais ou responsáveis em caso de menores de idade).

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É importantíssimo que as escolas se adequem e cumpram as disposições da LGPD o quanto antes. Seja porque a violação dos ditames da Lei ou o acesso não autorizado aos dados são passíveis de sanções administrativas e multas, seja  porque poderá haver responsabilização civil e criminal por eventual incidente ou mau uso dos dados. Além, é claro, da preservação da reputação da instituição em si.

Adequar as instituições de ensino significa cumprir os direitos dos titulares de dados, prezando pela proteção de sua liberdade e privacidade.

O impacto da LGPD nas escolas está relacionado ao grande número de dados pessoais objeto de tratamento, seja de funcionários, professores ou de alunos (crianças e adolescentes), armazenados e compartilhados no dia a dia.

A preocupação com o destino desses dados é legítima, uma vez que podem ser acessados com certa facilidade por qualquer pessoa e, muitas vezes, podem vir a ser utilizados de má-fé, em prejuízo ao titular.

A prevenção, com a evolução constante da tecnologia e das formas de usá-la para fins ilícitos, não é um caso isolado do Brasil. A segurança da informação se tornou fundamental e obrigatória no mundo todo.

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Mudar a cultura e implementar meios de proteger a segurança das informações que coleta, mostrará a seus funcionários, professores, aos alunos e seus  pais e responsáveis, que a escola tem a proteção de dados como um valor, que ela se importa com cada um que faz parte do seu ecossistema.

Proteção de dados, mais do que um dever legal, é demonstração de cuidado, de empatia.

*Beatriz Catta Preta, advogada criminalista

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