Brasil Educação

‘O futuro da educação é a personalização de experiências’, diz criador do Pisa

Andreas Schleicher, diretor de Educação da OCDE, diz que ampliará avaliação de competências cognitivas, sociais e emocionais: ‘alunos precisam disso para ter sucesso’
Laboratórios são um dos recursos para preparar alunos para o Pisa, sistema que testa jovens de 15 anos em matemática, leitura e ciências Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo
Laboratórios são um dos recursos para preparar alunos para o Pisa, sistema que testa jovens de 15 anos em matemática, leitura e ciências Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

RIO- Aplicado pela primeira vez em 2000, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) nasceu sob desconfiança de líderes internacionais, em reunião da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no fim da década de 1990. Poucas pessoas tinham a dimensão do que o projeto se tornaria: a principal avaliação de aprendizagem do mundo, que testa jovens de 15 anos em matemática, leitura e ciências a cada três anos.

Quase duas décadas depois, o principal idealizador do programa, Andreas Schleicher, diretor de Educação e Competências da OCDE, diz que ainda há espaço para aprimorar o Pisa. Prestes a lançar o livro “Primeira classe: como construir uma escola de qualidade para o século XXI”, pela Fundação Santillana, Schleicher fala ao GLOBO sobre a necessidade de preparar os sistemas para acompanhar as mudanças deste século.

O Pisa é justo na avaliação dos sistemas educativos?

Comparações como o Pisa nunca são fáceis, mas as considero importantes. O Pisa ajudou formuladores de políticas públicas a estabelecer metas significativas, com base em objetivos mensuráveis. E, talvez o mais importante, o Pisa dá oportunidade para que os profissionais tenham uma visão muito mais clara de seus próprios sistemas educacionais. Eles devem ser profundamente compreendidos antes que possam ser modificados.

Andreas Schleicher, criador do Pisa Foto: Divulgação
Andreas Schleicher, criador do Pisa Foto: Divulgação

Há algo a corrigir no Pisa?

Sim, como o mundo está mudando, o Pisa também deve evoluir. O Pisa precisa adotar uma gama mais ampla de competências cognitivas, sociais e emocionais. Os alunos precisam disso para ter sucesso no mundo de amanhã. Em 2015, o Pisa começou a incorporar habilidades sociais na prova. Em 2018, incorporou competência intercultural e, em 2021, avaliará as habilidades de pensamento criativo.

Há algo em comum entre os sistemas educacionais que têm bons resultados?

A primeira coisa que aprendi com o Pisa é que líderes de sistemas educacionais de alta performance convenceram seus cidadãos a valorizar o futuro. Pais e avós chineses e vietnamitas investirão seu último dinheiro no futuro, na educação de suas crianças. No Brasil ou na Europa, já gastamos esse dinheiro dos nossos filhos para consumo próprio. Mas valorizar a educação é apenas parte da equação. Outra parte é a crença profunda de que todo estudante pode aprender, e perceber que os alunos comuns podem ter talentos extraordinários. Esses países atraem os diretores mais fortes para as escolas mais difíceis, e os professores mais talentosos para as salas de aula mais desafiadoras.

Quais são as principais características de uma escola do século XXI?

O futuro precisa ser integrado, o que significa enfatizar a integração de disciplinas, de alunos e de contextos de aprendizagem; e precisa estar conectado com contextos do mundo real e ser permeável aos ricos recursos da comunidade. Os objetivos do passado eram padronização e complacência, ou seja, os alunos são educados em lotes de idade, seguindo o mesmo currículo padrão, todos avaliados ao mesmo tempo. O futuro consiste na personalização de experiências educacionais, ou seja, a construção de instruções a partir das paixões e capacidades do aluno.

Que lições o Brasil pode aprender com outros países para superar a desigualdade educacional?

Os 10% mais desfavorecidos entre os estudantes do Vietnã fazem agora o mesmo que os 10% mais ricos dos estudantes do Brasil. Isso porque o Vietnã está atraindo os professores mais talentosos para as salas de aula mais desafiadoras, desenvolve-os bem e garante que todos os alunos se beneficiem de um excelente ensino. A desigualdade é um contexto desafiador, mas a educação bem-sucedida pode moderar seu efeito.

O Brasil melhorou suas notas no Pisa nos últimos dez anos, mas ainda tem um desempenho ruim. Como melhorar esse cenário?

Acho que o copo está meio cheio, em vez de meio vazio. O Brasil conseguiu melhorar o acesso e aumentar a qualidade, mas precisará acelerar o progresso para acompanhar o mundo. Isso não será possível sem um investimento considerável na qualidade do ensino.

Seu livro é dedicado aos professores. Qual é o papel deles na construção de uma escola de qualidade?

Atrair, desenvolver e reter professores capazes e garantir que todos os alunos se beneficiem de um excelente ensino continua sendo um grande desafio para o Brasil. O país poderia levar os programas iniciais de formação de professores para um modelo baseado menos na preparação de acadêmicos e mais na preparação de profissionais para a sala de aula, onde os professores entram nas escolas mais cedo, passam mais tempo lá e obtêm maior apoio no processo. O desenvolvimento de professores no Brasil tende a se concentrar na formação inicial. Mas, dadas as rápidas mudanças na educação e as longas carreiras de muitos docentes, o desenvolvimento deve ser visto ao longo da vida, com a formação inicial sendo a base para o aprendizado contínuo. Em vez de esperar por uma nova geração de professores, o Brasil precisa investir mais nas escolas e nos professores que já existem.