Gabriel Medina

Psicólogo, mestrando de Ciências Humanas e Sociais na UFABC, foi Secretário Nacional de Juventude e Presidente do Conselho Nacional de Juventude

Fernanda Arantes e Silva

Pedagoga, mestre e doutora em educação pela Universidade de São Paulo. Desde 2003 o tema das juventudes compõe sua agenda de pesquisa. Consultora com experiência nas áreas de juventude, educação e gestão de políticas públicas

Opinião

O fortalecimento da cidadania e da democracia começa na escola

As mudanças contemporâneas exigem cada vez mais dos jovens a capacidade de analisar situações complexas

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O Brasil atravessou um período difícil e, ainda que as urnas tenham apontado a defesa de um projeto democrático e de reconstrução das políticas públicas, a sociedade brasileira segue extremamente dividida, com parte da população bastante radicalizada, questionando as urnas e com iniciativas antidemocráticas. Não parece que essa fissura se resolva a curto prazo.

Neste contexto, a educação voltada à formação cidadã e ao estímulo à participação dos jovens na escola, ganham maior relevância e são ferramentas fundamentais para contribuir com a formação de uma nação que respeita o diferente, pautada no diálogo e no fortalecimento das instituições.

Contudo, a escola tem apresentado entraves significativos para garantir o direito à participação dos jovens e prepará-los para uma vida em sociedade. As experiências existentes ainda são tímidas, pontuais, organizadas de forma tutelada e com pouco impacto na construção de uma escola conectada aos desejos e demandas dos jovens.

Ainda persiste na educação uma visão de que os jovens são problemáticos e não reúnem conhecimentos capazes de colaborar com mudanças na escola. Existe uma dificuldade de reconhecimento da diversidade dos jovens, seus jeitos de ser, sua cultura e a falta de acolhimento tem sido uma barreira para que mulheres, negros e LGBTQIA+ possam se expressar.

Certamente, para que o Brasil possa reconstruir a democracia, será necessário compreender o que as novas gerações têm a dizer e o que querem fazer, pois ainda há muito o que avançar, em um país que sequer consegue garantir uma educação de qualidade para todos e muito menos poder político distribuído, com instituições representando a pluralidade do seu povo.

A constituição da educação pública brasileira passou, e ainda passa, por inúmeros desafios. Desde o desinteresse das elites pela educação das classes populares até a falta de investimentos na estrutura de ensino. Na história da construção de um projeto de escola de qualidade, o tema da educação para a cidadania e a participação de jovens é de extrema relevância. E diante da grave crise democrática no Brasil e no mundo sua importância aumenta ainda mais.

Quando falamos em participação das juventudes na escola estamos falando de um direito assegurado em diversas legislações. As estratégias de participação democrática dos estudantes na escola foram regulamentadas em 1985, por meio da Lei nº 7.398, de 4 de novembro de 1985, ainda no Governo Sarney, que dispõe sobre a organização de entidades representativas dos estudantes de 1º e 2º graus, dentre outras providências.

Uma escola que não incentiva e cria mecanismos para que os e as estudantes participem ativamente restringe as vivências e experimentações que ocorrem no ambiente escolar. Dessa forma, podemos entender a participação como um componente para o desenvolvimento das juventudes, tão importante quanto as aulas de História, por exemplo.

Ao tratarmos da participação, dois princípios complementares precisam estar presentes: participar envolve a formação teórica para a vida cidadã, os jovens aprendem valores, regras institucionais, histórica da democracia, etc; e são criados espaços e tempos para que experimentem cotidianamente o exercício da participação democrática no espaço escolar e em demais espaços públicos (Dayrell e Carrano, 2014)

Ao participarem ativamente nos diversos espaços de tomada de decisão da escola, os estudantes terão a oportunidade de, cada vez mais, se tornarem indivíduos autônomos, desenvolverem o senso crítico e as habilidades necessárias para que possam se expressar, dar opiniões e tomar decisões que afetam a si e aos outros. Se no passado a obediência e o silêncio eram premissas valorizadas nos contextos familiar, escolar e profissional, as mudanças contemporâneas exigem cada vez mais dos jovens a capacidade de analisar situações  complexas,  exercer a colaboração e criticidade.

Em 2015 o movimento de ocupações de escolas, protagonizado pelos estudantes secundaristas, em praticamente todo o Brasil, é um exemplo concreto de reivindicação dos jovens para que seus interesses e opiniões sobre a educação e escola que desejam sejam levados em consideração.

Contudo, até hoje, ainda que com algumas experiências e tentativas de promoção de participação dos estudantes na educação do país, os jovens ainda não experimentam uma participação plena, na qual usufruem de situação de liberdade e autonomia para colaborar na construção dos projetos políticos e pedagógicos das escolas e políticas educacionais. Isso porque ainda persiste um domínio das opiniões de gestores (diretor e coordenador pedagógico) e de professores no dia a dia da escola. Os jovens são os atores menos ouvidos na escola e em geral, as iniciativas de participação são bastante tuteladas, respondendo a demandas dos adultos da escola e não dos estudantes.

É bastante comum que aqueles que participam sejam os estudantes escolhidos pela direção e professores e não estudantes escolhidos pelos colegas, a partir de métodos supostamente democráticos de escolha, que acabam por ser invalidados pelo conjunto dos estudantes. Assim, em geral, quando a participação se realiza, envolve um número pequeno de estudantes, escolhidos pelos gestores da escola e dedicados a demandas prioritárias vindas de cima para baixo. É muito comum surgir projetos de pintura de muro da escola, grupos ajudando a dar informes da gestão, organizando lista de participação em atividades extra escola.

A manipulação da participação pelos gestores e professores deixa sequelas bastante nocivas, pois cria uma sensação de que a participação política é uma mentira, não representa os interesses dos jovens, não produz mudanças e pode se constituir como a primeira experiência negativa com a política, que se reproduz em outros espaços da vida social e reforçam a linha discursiva de que a política algo naturalmente negativo, de que todos os políticos são iguais ou que a política não muda nada nas nossas vidas.

Outro aspecto a ser considerado na dimensão da representação e participação juvenil, tem relação com o reconhecimento e acolhimento das diversidades, muitas vezes vista como um problema, pois formam novos desafios e conflitos a serem encarados pela gestão escolar e professores. Aliás, uma das qualidades da escola pública é o convívio com as diferenças.  Escolas muito homogêneas, têm menos potencial de promover a melhoria da aprendizagem e a ampliação do repertório cultural dos jovens, em especial, aquelas localizadas em territórios em situação de grande vulnerabilidade e pobreza.

Um elemento importante a ser considerado nas mudanças do mundo contemporâneo é compreender que as identidades de gênero, raça, orientação sexual ganharam força e foram mais apropriadas pelos jovens, portanto, essas novas identificações e ampliação dos segmentos sociais que ingressaram na escola, constituíram um campo mais plural e complexo na discussão do espaço político.

É um equívoco supor que essas apropriações identitárias não adentram os muros da escola. Pelo contrário, elas estão presentes no dia a dia e é fundamental que a gestão escolar, professores e demais profissionais da escola compreendam e dialoguem com elas. Para isso, é preciso rever os espaços de participação tradicionais e tutelados e considerar que existem outras formas de assegurar a participação na escola, como, abrir espaço para que os coletivos formados pelos próprios jovens auxiliem na construção de currículos que dialoguem com as diversidades, por exemplo.

A mudança do quadro atual exige uma mudança estrutural na forma que a educação opera hoje. Inicia-se com o processo de formação universitária dos futuros professores, passa por uma política de formação permanente de professores, gestores e se encerra como uma política educacional estruturada pelas Secretarias Estaduais, Municipais e com impacto sobre todas as instâncias da rede.

A participação demanda a introdução de práticas pedagógicas ativas na sala de aula, de uma aprendizagem não apenas conteudista, mas conectada com os desafios práticos cotidianos, entre eles o exercício da cidadania.

A escola precisa combinar mecanismos de participação direta e indireta, estimulando a ideia de representatividade, garantindo a formação de espaços plurais e a formação de líderes democráticos.

Para isso, professores e gestores precisam estar dispostos a estabelecer relações mais horizontais, reconhecer os saberes dos jovens e propor espaços de cocriação de soluções para os desafios das escolas e das políticas educacionais.

Os jovens querem ser vistos, reconhecidos em suas formas de ser no mundo, ouvidos e convidados para colocar a mão na massa na promoção de mudanças.

Uma educação que promove a crítica, estimula o exercício de uma cidadania ativa, é chave para reconstruir a democracia no Brasil, que precisa se renovar, garantindo diálogos respeitosos, mas abrindo espaços para novos sujeitos políticos e alterando a atual hegemonia dos homens, brancos e ricos. O Brasil só poderá ser justo e democrático, se suas juventudes forem convocadas para construir o presente e o futuro!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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