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Andréa Werner

O faz de conta na inclusão escolar para autistas

Ausência de acompanhante em sala de aula descumpre a legislação

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Andréa Werner

Deputada estadual (PSB-SP), é autista e mãe de um adolescente autista

Vitória, da cidade de São Paulo, é mãe do Arthur, autista de grau 3 de suporte e deficiência intelectual que conseguiu 30 minutos de escola pública por dia. Ela pediu ao colégio uma carta que atestasse a necessidade de um acompanhante ao filho, mas ouviu que "isso seria com ela". Arthur não foi incluído.

Andréia, de Guarulhos (SP), é mãe da Giulia. A adolescente de 14 anos está no 7º ano e ainda não foi alfabetizada, já que o poder público se recusou a fornecer um acompanhante que ajudasse na parte pedagógica. "Estou cansada da falta de preparo com minha filha", me escreveu.

Wanessa, também da capital paulista, é mãe do Kenzo, autista não verbal que passou o ano em uma sala com outros 32 alunos de cinco anos e um único professor. Ela pediu um acompanhante ao município, mas recebeu que isso seria "uma muleta" ao pequeno. "Além de um desgaste e um absurdo, isso é a completa perda de oportunidade de aprendizado do meu filho", lamentou.

A deputada estadual Andréa Werner (PSB-SP), mãe de um adolescente com autismo, durante seminário para debater diversidade na Folha - Lucas Seixas - 8.nov.23/Folhapress

Os relatos integram um rol muito maior de ocorrências que recebemos nos últimos 12 meses do meu mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo, quando ao menos 560 denúncias de mães e pais de todo o estado revelam que a inclusão escolar, embora um direito assegurado por leis e tratados, não acontece na prática. A maioria das denúncias é sobre o ensino público.

Em todas elas, no entanto, são crianças e adolescentes com deficiências, principalmente autistas, alijados do direito de aprender por meio de ferramentas de acessibilidade, já que tanto secretarias municipais, salvo raríssimos casos, e mesmo a secretaria estadual estabelecem políticas que descumprem a legislação federal mais recente e estreitam o entendimento de "acessibilidade" àquilo que é necessário à inclusão de alunos com deficiência física.

Rampas, intérpretes de libras, tecnologia assistiva, material didático em braile, piso tátil e portas adequadas para o trânsito de cadeirantes são fundamentais para um ambiente inclusivo a alunos com deficiência física. Mas de nada adiantam para autistas como os filhos de Vitória, Andréia ou Wanessa —nem para as centenas ou milhares de crianças que não estão sendo incluídas enquanto você lê este artigo, nesta terça-feira (2), Dia Mundial de Conscientização do Autismo.

A maioria delas não vai conseguir ficar nesse ambiente se simplesmente forem removidas as barreiras físicas dele. Porque o autismo não se trata de uma deficiência física, mas de uma deficiência que afeta comportamento, interesses, comunicação e percepção sensorial.

Municípios e estado têm negado a possibilidade de inclusão a pessoas autistas no ambiente escolar sob o argumento de que a presença de um acompanhante em sala fere a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva —uma legislação de 2008 que, a despeito do nome, desconsidera o acompanhamento pedagógico em sala como instrumento de inclusão para autistas.

Embora um marco, essa política encontra-se defasada, já que a própria Lei Berenice Piana (2012) e a Lei Brasileira de Inclusão (2015), ambas federais, estabelecem o acompanhante como um direito de acessibilidade de alunos autistas.

Quando os agentes públicos municipais e/ou estaduais restringem seu entendimento a uma política de 2008, padecem os alunos não incluídos e todo um ecossistema familiar onde as mais afetadas, temos observado dia após dia, são suas mães.

Em fevereiro, processei o governo de São Paulo por ter tido negado o direito de inclusão do meu filho, Theo, um autista não oralizado de 15 anos. Eu, uma deputada estadual, com mais de uma década de ativismo, recebi um "não" a um direito que sei que é nosso e de qualquer outro cidadão. Meu filho hoje frequenta a rede estadual graças a uma liminar, mas penso em quantas famílias não têm a possibilidade de acessar a Justiça para uma conquista semelhante.

Enquanto a inclusão escolar for somente vista à luz de barreiras físicas e atitudinais e de uma política que padece de atualizações urgentes, outras centenas ou milhares de denúncias, infelizmente, seguirão chegando a mim, a outros parlamentares ou mesmo à imprensa. Abril é o mês da conscientização do autismo, data que há de ser um reforço desse tema, não uma contingência. Não queremos privilégios. Queremos o que a lei nos garante, sem nenhum passo atrás.

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