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Brasil Educação

'O esquema de segurança do Enem é quase doentio', diz presidente do Inep

Maria Inês Fini garante que modelo da prova não será alterado até 2019 e critica descontinuidade de políticas
Maria Inês Fini, presidente do Inep Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Maria Inês Fini, presidente do Inep Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

RIO-  Em entrevista ao GLOBO, Maria Inês Fini, presidente do Inep - autarquia que aplica o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos próximos dias 5 e 12 de novembro- afirma que prova só vai mudar com a Base Nacional Comum Curricular, que deve ser colocada em prática em 2019. Ela promete briga pela alfabetização no 2º ano do ensino fundamental, mas diagnostica: o maior flagelo da educação brasileira é a descontinuidade.

Qual a maior preocupação de vocês nessa reta final do Enem?

De agora até a hora do exame o combate aos boatos é o nosso maior desafio, garantir tranquilidade aos participantes. Acho que o mais pernicioso de todos é a invenção do tema de redação. Dizem que o tema vazou, e isso se esparrama na rede social. É uma loucura. Fotografam a capa de uma prova antiga ou fazem uma montagem e dizem que vazou. Isso é extremamente desagradável. É muito ruim. É para assustar as pessoas. Falar que mudou o critério de correção da redação e outras coisas são boatos que visam desestabilizar os participantes.

De onde partem esses boatos?

Desde ano passado estreitamos os laços com a Polícia Federal. Há quadrilhas especializadas em fraudar, quebrar a legitimidade do exame. Não posso explicar a maldade do ser humano. Temos uma empresa de monitoramento de risco e um grupo dentro do Ministério da Educação (MEC) que faz isso diuturnamente. No nosso site desmentimos os boatos. Mas é um trabalho enorme.

Este ano haverá intervalo de uma semana entre as provas. Será mais difícil evitar vazamentos?

Eu acho que não. O esquema de segurança do Enem é quase doentio. As pessoas que manipulam a prova são todas cadastradas e investigadas. O exame é envelopado num plástico à prova de roubo, tem um lacre eletrônico que na hora que o fiscal abrir, nós temos o controle. É uma operação de guerra. O maior perigo que eu vejo que posso controlar é o de dentro. Esse perigo eu acho que está controlado. Volto a dizer: o imponderável é o fator humano.

Quando a senhora entrou no Inep, disse que o Enem 2016 não era o da Maria Inês. O de 2017 é?

Não. O ministro gostaria que fosse o de 2018 e eu imaginava que a Base fosse mais rápida, mas não será. Gostaria de deixar pronto o de 2019. Não é justo que eu faça uma adaptação na matriz sem que a escola tenha conhecimento e possibilidade de ajustar seu currículo. Não vamos inventar com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) outra matemática, outra física. Ela vai estar um pouco mais arrumada e mais clara. Hoje, no Enem, não há uma matriz de competências e habilidades, há uma lista de conteúdos por disciplina.

Como conciliar a avaliação do ensino médio com uma seleção para o ensino superior na mesma prova?

Um bom instrumento faz isso. É o desafio. Hoje há técnicas, metodologias, a própria Teoria de Resposta ao Item (TRI). Há condições de calibrar um instrumento para fazer as duas coisas sem desconsiderar o ensino médio. Podemos fazer uma prova que envolva interdisciplinaridade. Infelizmente a Base não andou nesse ritmo.

Na Base do ensino fundamental, que está no Conselho Nacional de Educação (CNE) para avaliação, ainda há pontos de discordância com o MEC?

Nós queremos que a alfabetização venha para o segundo ano e o CNE quer que ela fique no terceiro. Nós vamos brigar por isso, pode ter certeza absoluta. É um absurdo que as crianças brasileiras tenham atraso de um ano na sua escolarização. Isso é impedir que sigam se desenvolvendo. Elas podem e devem aprender até o final do segundo ano. Isso é um ponto de honra.

A questão de gênero esteve na Base e foi retirada pelo MEC. Pode voltar?

Há uma série de citações. Enormes citações sobre o tema, mas sem polêmicas. Sobre o termo em si, eu não sei se o CNE vai incluir novamente. Isso é uma questão aberta. Vocês estão vendo o movimento dos grupos radicais, o que eles estão fazendo? Eu acho que o debate saiu da área educacional. Está uma coisa difícil.

Como lidar na área educacional com as pressões externas?

Pois é, (o debate) está enviesado. Não acho que a política educacional está refém desses grupos. Mas eles fazem barulho, né? Fazem muito barulho.

E a Base do ensino médio?

Continua do mesmo jeito. As dez competências são as mesmas e a estruturação por área de conhecimento é a mesma coisa. Vai continuar. O que nunca nós tivemos. O médio era tratado no fundamental. Acho que a discussão da reforma já está superada. Se o fundamental for aprovado, os conselhos estaduais já vão começar a normatização a partir do Conselho Nacional.

Então, em 2019 a Base já vai ser uma realidade nas escolas?

Tenho certeza. Tem muita escola que já está se preparando para começar já ano que vem.

Como o governo vai orientar os itinerários no novo ensino médio?

A Base vai sinalizar algumas competências gerais.Mas, não vai descer até o nível das habilidades, porque aí mata a flexibilização.

A oferta de itinerários pode aumentar desigualdade entre escolas particulares e públicas?

Não é verdade que a escola pública não tem recurso, ela tem sim. Não é verdade que na escola particular há gente mais preparada que na pública. Igualmente as duas não têm professor preparado. Tem professor de língua portuguesa dando aula de física. O ministério lançou um programa de capacitação para suprir. Se a gente não ajudar o professor, não vamos sair do lugar.

Em cidades com falta de professores, como criar diversos itinerários?

Vai ter um itinerário só, não tenha dúvida. Se só há uma escola na cidade, sim. Ou ele pode fazer um híbrido. Não tem jeito, é a realidade.

Isso não tira o protagonismo do aluno escolher qual caminho quer?

Isso tira a oportunidade dele, não há dúvida, mas a maioria das cidades têm mais de uma escola de ensino médio.

E o papel do governo federal?

A gestão da escola é da secretaria estadual. O MEC pode apoiar por exemplo uma boa política de livro didático, um bom programa de formação continuada dos professores. O resto, ele não pode interferir nos estados, nem nos municípios. Pode apoiar com programas maiores, isso ele pode e deve.

O MEC lançou o novo programa de formação docente, mas qual a diferença para os anteriores?

A diferença da residência pedagógica para o Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) é que a bolsa vai para o aluno que está fazendo estágio, não mais para o professor que orienta. Antes os beneficiários eram o professor universitário, o do colégio e o aluno. Isso era muito caro.

Que motivação o professor tem para continuar no programa?

Onde a gente vai arranjar dinheiro para tudo? Vocês estão no Brasil? Vocês estão vendo a crise econômica? Não tem dinheiro para tudo.

Ano que vem tem eleição. Até que ponto as políticas públicas implementadas por essa gestão estão fortalecidas para continuar?

Não tenho bola de cristal. Qual o maior flagelo da educação brasileira? Descontinuidade. Pode voltar atrás. Quanta coisa boa esse país já fez, chega um novo dirigente e quer pôr o seu DNA? E começa tudo de novo.