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O Enem resiste

Prova com temas hostilizados pelo bolsonarismo mostra que a institucionalidade venceu a ideologia

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Por Notas&Informações
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A educação, como se sabe, está entre as áreas mais prejudicadas pela sucessão de erros e omissões do governo de Jair Bolsonaro. Extremismo ideológico, incompetência e falta de projeto nacional, coroados por graves denúncias de corrupção, deram o tom desde o início do mandato − e contribuíram para que o retrocesso educacional fosse ainda maior durante a pandemia de covid-19. Ao que parece, contudo, felizmente o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a despeito da queda vertiginosa no número de inscritos, sobreviveu à trevosa era bolsonarista. Prova disso foi o primeiro dia de exame, no último domingo, com um rol de questões elogiadas por professores, dadas a sua abrangência, sua relevância e contemporaneidade.

Os 2,4 milhões de participantes responderam a testes de Linguagens e Ciências Humanas, além da prova de Redação. Assuntos negligenciados ou mesmo combatidos na agenda bolsonarista ganharam destaque. Na redação, por exemplo, os candidatos tiveram que escrever sobre Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil. Trata-se de uma ousadia, considerando que ainda está no governo um presidente claramente avesso a reconhecer a importância dos povos tradicionais do País. 

Na parte objetiva da prova, houve perguntas sobre Estado de Direito, desigualdades sociais, meio ambiente e o papel da mulher na sociedade, temas que só frequentam o discurso de Bolsonaro quando lhe servem de pretexto para causar confusão e tumultuar a democracia.

Em larga medida, a resiliência do exame reflete o que pode ser resumido em uma palavra: institucionalidade. O Enem é promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), uma autarquia do Ministério da Educação (MEC) formada por servidores concursados. Trata-se de profissionais que, ao longo de quase quatro anos, resistiram a pressões de todo o tipo, inclusive do próprio presidente da República, que não se cansou de criticar publicamente o teor das questões, cobrando alinhamento ideológico a dogmas bolsonaristas. 

No Inep, a institucionalidade de um órgão de Estado serviu de obstáculo a investidas cujo propósito era interferir indevidamente no conteúdo das questões. Tal resistência, por óbvio, foi carregada de tensões, e envolveu até um pedido coletivo de exoneração às vésperas do Enem de 2021, assim como denúncias de assédio moral ou da inépcia de dirigentes máximos do instituto. 

Não à toa, o comando do Inep experimentou alta rotatividade no atual governo, com um total de cinco presidentes nomeados por Bolsonaro. Em julho, já em meio à campanha pela reeleição e temendo um descalabro administrativo, o governo parece ter jogado a toalha ao indicar, interinamente, Carlos Moreno, um respeitado técnico. Como tivemos a oportunidade de registrar neste espaço, à época, foi uma decisão sensata – um fato raro. Ao resistir aos desmandos bolsonaristas, o Inep deu um bom exemplo à administração pública e firmou um padrão que deve orientar sua atuação hoje e sempre, sob qualquer governo.