Antônio Gois
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Antônio Gois

Um espaço para debater educação

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Antônio Gois

Jornalista de educação desde 1996. Autor dos livros 'O Ponto a Que Chegamos'; 'Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil' e 'Líderes na Escola'.


Os desafios para o Enem nos próximos anos vão muito além da recomposição do banco de questões ou de sua adequação ao novo ensino médio. O mais grave é que o exame está cada vez mais elitizado, e isto não será resolvido só com ajustes em seu formato. Uma análise feita pelos pesquisadores da UFRJ Tiago Bartholo, Flavio Carvalhaes, Daniel Castro e Melina Klitzke no perfil e nas notas dos concluintes do ensino médio que participaram da prova revela que as já conhecidas desigualdades do sistema educacional se intensificaram nos últimos anos, num processo que teve início antes da pandemia, mas que foi agravado por ela.

Uma das inovações do trabalho – que teve apoio do Instituto Unibanco – foi a classificação do desempenho médio dos alunos a partir de faixas de competitividade para ingresso no ensino superior. A partir do Sisu, o sistema no qual estudantes tentam matrícula em universidades com base em suas notas no Enem, foram identificadas as faixas de pontuação que colocavam os candidatos em melhor ou pior situação na disputa pelos cursos mais concorridos. Em 2021, por exemplo, a média dos concluintes do ensino médio no exame foi de 529 pontos, mas, para estar na faixa de mais alta competitividade, era necessário nota superior a 619. No outro extremo, médias inferiores a 476 foram classificadas como “nada competitivas”.

Uma primeira constatação que, infelizmente, não surpreende é o abismo entre redes. Em 2021, 39% dos oriundos de públicas estavam na faixa de notas “nada competitivas” e apenas 6% entre “muito competitivos”. Na rede privada, os percentuais se invertiam, sendo, respectivamente, de 7% e 41%. A mesma situação de desigualdade é encontrada, com maior ou menor intensidade, na análise por nível socioeconômico ou cor/raça dos alunos.

Mas o dado que corrobora a tese da elitização é o comparativo dos últimos cinco anos. De 2016 a 2021, o percentual de concluintes do ensino médio (de públicas e particulares) na faixa de desempenho “nada competitiva” diminuiu de 40% para 28%, enquanto, no outro extremo, dos mais competitivos, a variação foi de 13% para 18%.

Uma análise apressada poderia levar à conclusão de que houve melhoria na qualidade do ensino médio, o que seria surpreendente considerando os efeitos da pandemia. Mas a explicação vai em outra direção. Por ser uma prova voluntária, o perfil dos participantes pode variar de um ano para outro. E é exatamente isto o que vem ocorrendo desde 2016, com agravamento na pandemia: o percentual de concluintes da rede pública que fazem a prova é cada vez menor. Como afirmam os autores, o Enem “ficou menos pobre”, com maior proporção de oriundos de escolas privadas e de autodeclarados brancos.

Este quadro é ainda mais preocupante se considerarmos que, no ensino superior, o percentual de alunos com financiamento em particulares é o menor desde 2013. Ou seja, não bastasse o funil do Enem, as condições para os mais pobres se manterem na graduação na rede privada (onde estão 77% das matrículas) ficaram piores.

O novo governo precisará urgentemente atuar neste cenário, criando condições mais favoráveis para que os mais pobres voltem a fazer o Enem e consigam ingressar e concluir um curso universitário. Ajustes no Enem, e o aperfeiçoamento das cotas e do financiamento superior são importantes, mas o fundamental é mais trabalhoso: aumentar o número de jovens que concluem o ensino médio com aprendizagem adequada.

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