O Enem da pandemia

Alunos falam da dificuldade em manter o foco nas aulas remotas em 2020; retomada do ensino presencial é visto como oportunidade de tentar recuperar o que não foi aprendido da forma mais eficaz online

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Por Ocimara Balmant e Alex Gomes
5 min de leitura

O ano de 2020 é o primeiro desde a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), há mais de duas décadas, em que não haverá a edição do grande vestibular nacional. As provas do Enem da pandemia serão realizadas apenas em 2021. Pode até parecer que os quase 6 milhões de inscritos ganharam mais tempo para estudar. Mas, em um ano letivo tão atípico, o que se vê são os colégios fazendo maratonas para dar conta de preparar seus estudantes com todo o conteúdo necessário.  

Na rede particular, mesmo com as escolas tendo cumprido a grade curricular com as aulas remotas, a retomada das atividades presenciais tem sido um tempo de estudo intensivo com vistas a recuperar o que pode não ter sido apreendido da forma mais eficaz no período de encontros online. 

Áurea Bazzi, coordenadora do Colégio Albert Sabin, teve de planejar dez aulas extras por semana para alunos recuperarem conteúdo Foto: Felipe Rau/ESTADÃO

É o caso do Colégio Albert Sabin. Lá, os alunos do 3.º ano do ensino médio que voltaram à escola têm aulas de segunda a sexta-feira ao longo do dia todo, das 7h10 às 17h15. Para a retomada, a escola aplicou uma avaliação diagnóstica com o objetivo de constatar os conteúdos em que os alunos mais precisavam aprofundar conhecimentos. 

“A partir disso, programamos um acréscimo de dez aulas presenciais por semana no contraturno, para que os estudantes consigam fortalecer seus repertórios nas diferentes áreas do conhecimento”, explica Áurea Bazzi, coordenadora pedagógica do ensino médio. “Ademais, vamos oferecer aulas na primeira semana de janeiro para encorajá-los ao enfrentamento dos vestibulares e do Enem.” As aulas no Sabin ocorrem em grandes espaços, com distanciamento de um metro e meio entre os alunos, e transmissão ao vivo para quem não pode ou não deseja estar na escola. 

No Colégio Pioneiro, os alunos têm feito simulados periódicos de preparo para o Enem. As provas até utilizam a TRI, sigla para Teoria de Resposta ao Item, modelo usado na correção do exame. Por meio dela, as notas são dadas a partir de uma padrão de respostas do candidato para perguntas consideradas fáceis, médias e difíceis. Além dos simulados, realizados de forma remota, as aulas também estão focadas na revisão. Metade da turma segue acompanhando o conteúdo de forma virtual. A que optou pelo retorno parece mais do que nunca focada em aprender. “Quem voltou está aproveitando até mais do que o normal, porque era tanto tempo longe da escola que a atenção fica mais concentrada. Mas, é importante dizer, quem está em casa tem acesso ao mesmo conteúdo”, afirma Alvaro Vieira Neto, coordenador pedagógico do ensino médio.

Exame pode acentuar disparidade entre alunos

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Se na rede privada voltar ou não a uma sala de aula tem sido uma opção de cada aluno, na pública a maioria dos estudantes continua sem uma data prevista de retorno à escola. Durante os meses de pandemia, também é clara a disparidade de acesso e de qualidade de interação remota. 

“Estamos em um ano extremamente atípico, ninguém imaginava o que viveríamos. Os alunos estiveram privados do ensino, porém isso não atingiu a todos de forma igual. Marcar o Enem para janeiro é botar os candidatos para disputar em condições muito adversas”, argumenta Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).  

Alavarse é um entre tantos educadores que se opuseram à data da prova, considerada prematura demais para alguns ou até sem necessidade para outros. Isso porque as notas do próximo Enem não serão obrigatórias para as inscrições no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que reúne vagas no ensino superior público, e no Programa Universidade para Todos (ProUni), que dá bolsas em faculdades privadas. As inscrições poderão ser feitas com os resultados obtidos em 2019. 

“Que rede pública retomou plenamente suas atividades? O que vemos são três ou quatro alunos em sala. E, mesmo quanto ao ensino remoto, muitos estudantes têm de se virar com os seus celulares, o que todos sabem que não é o melhor dispositivo para estudar”, diz ele. “Se você não deu condições iguais de preparo, e isso não foi dado, essa medida atenta contra a justiça, fere a democracia e gera mais desigualdade.” 

Alunos contam como estudaram na pandemia

Letícia Govea, aluna do Colégio Vital Brazil, em São Paulo: “Vou prestar Ciências Biomédicas nas universidades públicas. Meu preparo para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) segue o planejamento da escola, com aulas e simulados. Esses últimos são muito bons porque me ajudam a ter um feedback sobre o meu desempenho. Porém, com o isolamento social, foi muito difícil encontrar o equilíbrio e manter o foco nos estudos."

"Ficando em casa, parece que os problemas são só comigo", diz a estudante Leticia Gouvea, 17 anos, que cursa o 3º ano do ensino médiono Colegio Vital Brazil, em São Paulo Foto: Valéria Gonçalvez/ESTADÃO

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"Criei uma rotina de horários para me preparar em casa para não perder os prazos de entrega das atividades escolares. Ao mesmo tempo, me organizei para não me desgastar exagerando no estudo, para não desanimar com as dificuldades ou me entristecer por render menos. Ficar em casa é bem mais difícil por conta da falta de convívio com os professores e meus colegas de classe. Mesmo com todo o suporte que tivemos nas aulas online, a interação com a sala ficou bem reduzida. 

Outro ponto era compartilhar os problemas que tínhamos em alguma disciplina, pois quando estamos em casa dá a impressão de que as dificuldades só acontecem comigo. Com o retorno às aulas presenciais, percebi como meus colegas tinham as mesmas dúvidas. Agora, pretendo me organizar e revisar em casa conteúdos que acredito que preciso melhorar para o Enem. De um modo geral, independentemente do formato de estudo, estamos vivendo um ano difícil para quem quer ingressar em uma universidade. Manter o foco e a determinação é o segredo para não desanimar.” 

Kaique Oliveira, estudante do Cursinho da Poli: “Concluí o ensino médio há dois anos, em escola pública. Vivo com os meus avós no Capão Redondo, extremo sul da cidade, e trabalho com um tio em uma empresa de eventos, assim consigo arcar com os custos do cursinho. Infelizmente, com a pandemia, perdi o outro emprego que tinha como auxiliar mecânico de manutenção, o que complicou minha situação. Sou fascinado pela área tecnológica de automação, cheguei a fazer um curso de mecânica de usinagem no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) para me envolver mais com esse universo. Lá conheci melhor as indústrias, tanto em visitas como em feiras. Isso me impressionou e, por isso, quero uma vaga em Engenharia.

Kaique Oliveira, aluno do Cursinho da Poli. quer estudar Engenharia Foto: Divulgação/Cursinho da Poli

Minha rotina é acordar às 7 horas, tomar um café e fazer um pouco de ginástica, para melhorar meu bem-estar e, assim, render mais. Das 8 horas às 16h30, assisto às aulas remotas do cursinho. Das 16h30 às 19h30, faço os exercícios com as apostilas e pela internet. Vejo as provas passadas e faço os simulados. Tento dar o meu melhor. Quanto às provas, meu foco é a Fuvest, que considero mais disciplinar e didática, diferente do Enem. Nas provas de Matemática, por exemplo, a Fuvest tem muitos cálculos, no Enem vejo mais os conceitos, acho mais fácil.”

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