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'O currículo deve atender à sociedade', diz presidente do Conselho de Educação

Luiz Roberto Liza Curi é um dos participantes do Educação 360, que acontece nesta quarta-feira, em São Paulo, sobre a implementação da nova Base Curricular
Educação 360 discute a Base Nacional Comum Curricular em evento em São Paulo, nesta quarta Foto: Domingos Peixoto/05.04.2018 / Agência O Globo
Educação 360 discute a Base Nacional Comum Curricular em evento em São Paulo, nesta quarta Foto: Domingos Peixoto/05.04.2018 / Agência O Globo

RIO - Por em prática a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) exigirá foco e coordenação de uma série de atores — dos três níveis de governo até diretores de escolas, professores e alunos. Ela impactará não apenas a formação das novas gerações, mas a dos docentes, as avaliações e até a produção de material didático.

Para discutir esse cenário o Educação 360 reúne nesta quarta-feira, dia 12, em São Paulo, grandes nomes da educação no Brasil, divididos em quatro mesas temáticas.

A abertura do encontro será feita por Andreas Schleicher, coordenador do Programa Internacional de Avaliação de Alunos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), via videoconferência, onde irá refletir sobre os fatores de sucesso de uma reforma curricular com base na experiência internacional.

VEJA COMO PARTICIPAR DO EVENTO

Entre os participantes está Luiz Roberto Liza Curi, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). Ele participará de uma mesa que discutirá o impacto da BNCC na formação de professores.

— A sala de aula é hoje basicamente um lugar de escuta, não de participação. O ensino deve ser dinâmico, ninguém aprende só ouvindo. O professor tem de ser adequado a um processo mais flexível de formação, que mire as habilidades e possa ser mais interdisciplinar. Ele precisa ser formado para ser um formador — diz Curi.

A primeira edição paulistana do evento acontece no Rooftop 5, do prédio do Tomie Ohtake, das 10h às 19h. A programação também contará com workshops voltados ao desenvolvimento da cultura digital integrada ao currículo. Confira a programação completa no site oficial do evento , no qual também é possível se inscrever para participar.

O Educação 360 é promovido pelos jornais O GLOBO e Extra, com patrocínio do Instituto Unibanco e da Fundação Telefônica, e apoio da TV Globo, Canal Futura, Unesco e Unicef.

O presidente do Conselho Nacional de Educação, Luiz Roberto Curi Foto: EBC
O presidente do Conselho Nacional de Educação, Luiz Roberto Curi Foto: EBC

Que impacto a BNCC terá na formação de professores?

Há desafios independentes da BNCC, como adequar a formação por área. Por exemplo, quase 40% dos docentes de física têm outra formação. Há o desafio de ordenar as competências mais básicas, de adequar o processo de formação frente à nova concepção curricular trazida pela BNCC, com a organização por competência e habilidade. O que está definido são os conteúdos das competências e habilidades, não as disciplinas. Isso para permitir a adequada flexibilização e atualização frequente desses conteúdos, para que eles possam percorrer competências e habilidades que se espera das áreas no ensino médo.

E como encarar esses desafios?

A base garante uma educação nacional com qualidade, mas esse ordenamento curricular não pode prescindir de um ator estratégico como o professor. Seu processo formativo tem de prepará-lo para atender a um adequamento curricular mais amplo e mais efetivo. Estamos falando de um universo de implantação em 2021, de expansão do currículo em 2022, então está na hora de termos novas diretrizes para adequar a formação. Mas, além delas, tem de haver políticas associadas para corrigir distorções. Por exemplo, para ampliar a formação de docentes em áreas onde eles faltam. A formação de professores não é só inicial, é continuada, para conseguir integrar também os já formados.

Em quanto tempo começaremos a ver resultados dessa mudança?

O professor tem de ser adequado a um processo mais flexível de formação, que mire as habilidades e possa ser mais interdisciplinar. Ele precisa ser formado para ser um formador. É o mesmo processo, feito de forma diferente. Ampliar atividades práticas, as interações entre os estudantes de nível superior, os futuro professores, como forma de aprendizado. Relativizar a sala de aula para os próprios professores, ampliar o protagonismo dos estudantes de licenciatura para que possam produzir conhecimento e não só receber horas-aula. Tudo isso vai impactar o processo de formação. Algumas instituições de ensino superior acham que a ampliação de horas-aula no processo de formação implicaria em novas contratações. Essa discussão está ocorrendo.

O senhor antevê resistências a essas mudanças?

Estamos na fase de implementação da BNCC do ensino fundamental, decidida no ano passado. A do ensino médio foi votada na semana passada e deve ser homologada na sexta-feira agora. Houve muito diálogo no processo de confecção. No que tange à formação de professores, não consigo identificar reação à flexibilidade, à interdisciplinaridade, à ampliação das horas-prática, às formas associativas de aprendizado, com grupos de estudo.

Os professores não devem temer a perda de um protagonismo em sala?

Até pouco tempo eu presidi a Câmara de Educação Superior, e nós fizemos diversas alterações em currículos de cursos superiores, em discussão com a sociedade. A flexibilidade, a ampliação das práticas reais e do protagonismo dos estudantes, nada disso tira o papel do professor, ao contrário. Esse processo vai ampliar e qualificar as questões dos estudantes, elas vão ficar mais complexas e o papel de liderança intelectual do professor também. O ensino deve ser dinâmico, ninguém aprende só ouvindo. E a sala de aula é hoje basicamente um lugar de escuta, não de participação. A formação depende também de práticas reais, de contato com os desafios do mercado de trabalho contemporâneo. O currículo deve atender a sociedade, e o professor deve atender ao currículo. Agora, o professor é uma liderança importantíssima. Sem ele, não há currículo possível. E com esse currículo flexível o professor vai ter muito mais proeminência, vai ter de diversificar suas formas de apresentação, entender as dúvidas dos alunos que serão construídas a partir de práticas. O professor é o condutor desse processo.

Que efeitos a BNCC terá na alfabetização e nos modelos de avaliação?

Espera-se que ela estimule a formação de alfabetizadores com essa perspectiva de flexibilidade. A alfabetização é um processo dinâmico e muito rico na interação entre a criança e o professor. A BNCC, por ter esse parâmetro flexível, induz a currículos que atendam a essa interação. Em relação à avaliação, ela não pode ser conservadora e inflexível num ambiente transformador e flexível. Ela deve reforçar o aprendizado, medir sua eficácia e também promover um procedimento mais amplo dentro da escola, onde todo o sistema possa ser avaliado, não só o desempenho do estudante.

O senhor dividirá a mesa com Mozart Ramos Neves, que foi cotado para o Ministério da Educação. Como viu a escolha do novo ministro, Ricardo Vélez Rodríguez?

Foi uma escolha do presidente eleito. O escolhido tem qualidades e desejo a ele uma belíssima gestão. O país precisa, sobretudo, aprofundar as políticas educacionais. A parte mais importante numa política pública é a implantação. Temos de estar bem integrados para que a sociedade ganhe tanto quanto se espera com essas políticas.