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O que a Folha pensa violência

O bullying e a lei

Norma tem méritos e excessos; avanços dependem de transformação cultural

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Alunos participam de projeto contra o cyberbullying em escola de Manaus (AM) - Alberto Csar Ara - 10.ago.11/Folhapress

Diz-se, proverbialmente, que, se a única ferramenta de que se dispõe é um martelo, todos os problemas se parecerão com um prego. Esse viés cognitivo faz com que superestimemos os poderes das ferramentas que nos são familiares.

Legisladores são particularmente suscetíveis a esse viés. São poucos os problemas sociais que os parlamentares não tentam resolver a golpes de leis, não raro penais.

Eles não estão inteiramente errados. Problemas sociais são fenômenos complexos com múltiplas causas e, em muitos casos, devem ser abordados pela via penal. O risco é que, aprovada a norma, as autoridades considerem a missão cumprida e abandonem o problema, que só passa tangencialmente por essa área do direito.

O novo diploma sobre o bullying é um exemplo. Intimidações contra crianças e adolescentes sempre foram uma adversidade no ambiente escolar. Tornaram-se piores com a internet, já que na modalidade presencial ficavam limitadas a algumas horas por dia. Na virtual, afetam a vítima diuturnamente.

Não é de todo mau tipificar a prática como delito. Tal medida fornece a diretores, professores, pais e alunos mais um argumento contra o bullying e um recurso efetivo para agir em casos mais graves.

Foi sensato que, na modalidade presencial, os legisladores tenham sido módicos na sanção prevista, que ficou limitada a multa —embora não tenham deixado claro quem a pagaria, já que menores não podem ser incriminados.

A moderação é necessária. Os autores das intimidações no mais das vezes são outras crianças, que também podem ser vítimas.

Contudo o que distingue o bullying de interações sociais traumáticas, mas não criminosas, é principalmente a repetição sistemática, característica muito difícil de fixar em regra. Quantas vezes por semana é necessário agredir um jovem para caracterizar o delito?

Ademais, a moderação foi abandonada no cyberbullying. A pena prevista deixou de ser apenas multa para converter-se em dois a quatro anos de prisão. A discrepância é excessiva, mesmo considerando que as repercussões da prática virtual tendem a ser piores.

Deve-se registrar que os parlamentares tiveram o cuidado de propor a criação de uma política nacional de prevenção e combate ao bullying. Porém tirá-la do papel exige mais do que uma lei. Passa por uma transformação cultural.

A boa notícia é que há indícios de que ela esteja em curso. O problema é que jamais dará conta de todos os casos e ocorre lentamente. Para muitas crianças, já será tarde.

editoriais@grupofolha.com.br

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