Educação

Por Patrícia Teixeira, g1 Campinas e Região


Briga em escola em Campinas em 2022 — Foto: Reprodução/ EPTV

"A violência que vem pelas palavras, em geral, é o motor da violência que vem pelas ações."

A reflexão é da psicóloga especialista em educação e docente da Unicamp Angela Soligo. Em entrevista ao g1, ela apontou falhas na educação que culminaram com um ano de 2022 marcado por episódios de intolerância, violência, racismo, crimes e até mortes em escolas do país. A região de Campinas (SP) foi destaque neste cenário. Mas como chegamos a esse ponto? O que está por trás disso? Qual a saída para superar esses problemas?

O tema "educação" foi um dos cinco assuntos mais presentes na nuvem de palavras formada pelos termos que mais apareceram nas mensagens de reclamações enviadas por telespectadores à EPTV, afiliada da TV Globo, em 2022. "Escola" aparece em segundo lugar no ranking feito pelo núcleo de dados da emissora:

  1. Posto de Saúde
  2. Escola e Professor
  3. Assalto e Drogas
  4. Acidente de Trânsito
  5. Moradores de rua

Ao longo dessa semana, então, o g1 publica a série de reportagens "Nuvem de problemas", com um panorama de cada uma dessas áreas que tem gerado preocupação da população.

Nuvem de palavras aponta queixas mais frequentes de telespectadores da EPTV em 2022 — Foto: Núcleo de Dados EPTV

Para Angela, as sequelas que vemos hoje nas salas de aula e também em ambientes comuns a estudantes, como as redes sociais, são fruto de mudanças graduais no ensino ao longo de anos, perdas causadas pela ideologia da "escola sem partido", que interrompeu discussões essenciais para a formação da sociedade.

"Não foi um projeto aprovado como um projeto político, porque é inconstitucional, mas, como ideologia, adentrou a escola. Muita coisa que se discutia passou a ser interditada. Discussões que visavam problematizar a violência e a discriminação de gênero, projetos contra homofobia, por exemplo, passam a ser silenciados."

Prints mostram mensagens preconceituosas compartilhadas em grupo de estudantes de colégio particular de Valinhos — Foto: Reprodução/EPTV

Posturas e atitudes também acabaram ficando inflamadas após a retomada das aulas pós-pandemia da Covid-19 e pela polarização política que ganhou força enquanto a sociedade decidia votos nas eleições presidenciais. Segundo a psicóloga, as instituições de ensino deixaram de produzir relações mais respeitosas.

"O que provocou a violência é exatamente esse contexto da violência que já tinha se instalado. E nesse retorno com as pessoas ansiosas, com uma escola que deixou que produzir relações mais respeitosas, a violência aumentou. As pessoas já não estavam bem e não sabiam lidar com esse 'não estar bem', e a escola muito cobrada para recuperar tudo que perdemos... Isso tudo cria um caldo de tensão que é muito difícil de lidar".

"A cobrança, os alunos com o sentimento de não ter aprendido, cria esse caldeirão de tensão. Isso se relaciona com o aumento da violência. Junta isso com uma desigualdade que não foi discutida, um preconceito que não foi discutido. Tudo o que a sociedade já vem fazendo com as pessoas vai acontecendo dentro da escola. Não é um problema só da escola", alertou.

Mensagem xenofóbica foi enviada em grupo de estudantes de colégio particular de Valinhos — Foto: Reprodução/EPTV

Repúdio em SP e Brasil afora

Discursos de ódio, casos de racismo e outras violências causaram repúdio em Valinhos (SP), quando oito alunos de uma escola de elite foram expulsos após ataques racistas a apologia a nazismo; em Mogi Mirim (SP), quando uma professora foi afastada suspeita de injúria racial contra um aluno de 12 anos; em Campinas, quando uma briga generalizada por suspeita de importunação sexual terminou com aluno desacordado, e outra escola precisou de intervenção da Polícia Militar.

"Vimos a violência ampliando, e é claro que a escola não está separada da sociedade, ela reflete a sociedade. Então a intolerância, os discursos de ódio, os atos violentos entram na escola. Vão se manifestar não só entre alunos mas também entre professores e na relação professor-aluno, de mão dupla", disse Angela.

Também em SP, uma aluna denunciou racismo após ouvir da professora que suas tranças eram sujas. Em Louveira (SP) houve briga entre alunos e as guardas municipais.

Brasil afora, um aluno que alegou ser vítima de bullying no Ceará conseguiu ter acesso a uma arma e atirou contra três colegas, um deles morreu.

Aluno sendo socorrido após ser baleado por colega em escola de Sobral, no interior do Ceará — Foto: Reprodução

Casos graves de brigas em escolas de Brasília (DF) também chamaram a atenção das autoridades este ano, como estudantes esfaqueados e ameaçados com armas de fogo. No Paraná, mães registraram boletim de ocorrência após negras serem representadas em cartaz com cabelo de palha de aço.

"Você vai ver a violência racista praticada por alunos e também por professores. E qual é a grande questão? Tudo isso que entra na escola, os preconceitos, a violência, não foi sendo problematizado, discutido na escola.", avaliou Angela.

Mães fazem B.O. por racismo contra atividade sobre mulheres negras em Cmei do Paraná — Foto: Foto Cedida/Noemi da Silva Modesto

Disciplina e relacionamentos em baixa

Presidente do Conselho das Escolas Municipais de Campinas, Renato Nucci disse ao g1 que a falta de disciplina entre os alunos, a falta de atenção e as brigas foram relatos comuns dos professores neste ano de 2022 nas unidades de ensino.

"A capacidade de atenção nas aulas diminuiu bastante, uma certa dificuldade de eles se relacionarem entre si, vários conflitos. Não que não existissem antes, mas os professores relataram muito aos pais do tempo que eles passaram a ter dentro da escola para chamar a atenção das crianças para prestar atenção nas aulas".

Muitos desaprenderam a estudar com a mudança de metodologia para cumprir o ano letivo, que dependeu de aulas online e recursos limitados. Nucci também é pai de uma aluna de 12 anos da rede pública, e contou que a filha e outras crianças enfrentaram dificuldades de relacionamento.

"No caso dela, ela não terminou o ciclo em uma escola e já foi transferida para outra, que ela nem conseguiu retomar os estudos [por causa da pandemia]."

Das brigas constantes entre estudantes, restaram visitas frequentes da Guarda Municipal e da Polícia Militar. Violência tão perto, e pais assustados.

"Guarda municipal foi na porta da escola algumas vezes no fim da tarde, horário de saída, quando tinha alguma suspeita de haver confusões fora da escola. Você vê polícia na porta da escola, você fica meio... A gente não está habituado a isso, você fica preocupado, gera uma tensão."

Imagem mostra confusão entre estudantes e guardas em escola de Louveira — Foto: Reprodução/EPTV

Mais história crítica e mais ação das autoridades

A especialista em psicologia educacional Angela Soligo defende que a história mais crítica seja recuperada pelos educadores, que seja explicado o significado da intolerância no Brasil, que os direitos sociais devem ser iguais entre todos. É uma mudança nas salas de aula que pode motivar uma transformação social.

"Mesmo a discussão de assuntos que fazem parte da nossa história passam a ser cancelados. Na escola, não se discute como foi a ditadura, e vai ter gente que vai dizer que a ditadura não aconteceu. Não se discute o papel do colonizador, só se fala das pessoas negras como escravas, o que é perverso."

Mas também é obrigação e precisa ser o foco do poder público, ressalta a educadora.

"Não tem um grupo de atores só para retomar esses temas. O fortalecimento das discussões sobre questões raciais, LGBT+, preconceitos de classe, de origem. A retomada depende, sim, das escolas, de professores e gestores, mas também da pressão de alunos e do poder público."

O presidente do Conselho das Escolas também destacou que se faz necessário um posicionamento claro das autoridades contra discriminação e violências. Segundo ele, a entidade chegou a discutir medidas para trabalhar os conflitos nas unidades de ensino de maneira ampla, já que, atualmente, tem ficado nas mãos de professores pontuais o aprofundamento dos temas em sala.

Nucci cobra do poder público de Campinas que falta uma política da educação em um território livre de preconceito e intolerância. Deixar claro que o município não vai admitir de forma alguma a discriminação, e que vai contar com um prática estruturada de combate ao racismo, fascismo, à xenofobia, por exemplo.

"Você tem iniciativas individuais de professores que buscam trabalhar um pouco essa temática do combate ao racismo contra negro e indígena, você vê nas aulas professores buscando desenvolver essa política. Na rede pública, sinto falta de uma política clara: 'Não vamos tolerar de maneira nenhuma o racismo'".

Escola Estadual Milton de Tolosa, em Campinas — Foto: Giuliano Tamura/EPTV

O g1 cobrou a Prefeitura de Campinas sobre a adoção de medidas práticas de combate à violência e a intolerância nas escolas. Em nota, a Secretaria de Educação respondeu que promove projetos de respeito entre as pessoas e suas diferenças nos ambientes escolares.

"Os temas mencionados pela reportagem são tratados em sala de aula de maneira interdisciplinar. Além do conteúdo pedagógico, os alunos têm a oportunidade de participar de debates e discussões que os levam a refletir sobre essas questões.", diz o texto.

A rede também possui um programa de combate ao bullying. "São abordados os diferentes tipos de violência e suas motivações, assim como as consequências jurídicas sobre esses atos.". Com foco na atuação dos professores, uma formação se volta à implantação de políticas pedagógicas e publicação de conteúdos sobre o assunto.

No projeto Justiça Restaurativa, estudantes que vivem em situação de conflito têm espaço na escola para expressar sentimentos e refletir, junto aos envolvidos de uma ocorrência, sobre os danos emocionais causados. "A proposta também visa restabelecer as relações sociais rompidas por conta de conflitos.", completou a Pasta.

Imagens mostram briga entre alunos de escola estadual em Campinas — Foto: Reprodução/EPTV

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