Número de psicólogos nas escolas do país não chega a 0,1% do total de alunos

Necessidade de reforço urgente desses profissionais foi apontada por secretários estaduais e municipais de educação após ataques a escolas

Por Karolini Bandeira — Brasília


Escola estadual em Aracruz alvo de massacre: Espírito Santo tem o menor número de psicólogos por volume de matrículas Kadija Fernandes/AFP/7-12-2022

Apesar de a legislação brasileira obrigar a oferta de profissionais de psicologia e de serviço social nas escolas da rede básica do país desde 2019, a grande maioria, sobretudo unidades públicas, continua sem psicólogos para auxílio dos professores e estudantes. Segundo levantamento feito pelo GLOBO com base nos dados do Censo Escolar de 2022, o número de psicólogos dentro de escolas corresponde a apenas 0,05% do total de estudantes matriculados, ou seja, menos de 0,1%: são 24.434 profissionais para 47,4 milhões de alunos dos ensinos infantil, fundamental e médio.

A contratação desses funcionários passou a ser uma demanda considerada urgente por gestores estaduais e municipais após dois ataques a centros educacionais que aconteceram com nove dias de intervalo entre o final de março e o início de abril. O primeiro, em escola de São Paulo, deixou uma professora morta e três feridos. O segundo, em uma creche de Santa Catarina, causou quatro mortes.

Se distribuídos igualitariamente, com um por unidade, o total de psicólogos preenche apenas 13,7% das 178,3 mil escolas públicas e particulares do Brasil. A realidade, no entanto, é marcada pela desigualdade: enquanto uma escola particular pode ter até 10 profissionais dessa área, as públicas têm entre zero e um.

Saúde mental nas escolas: números por estado — Foto: Editoria de Arte

A média nacional é de um psicólogo para cada 1.910 alunos. A região Norte, no entanto, tem o pior quadro. O estado do Acre tem um psicólogo escolar a cada 3.068 estudantes. Em Roraima, são 4.520 alunos para cada psicólogo.

O estado com menos profissionais por volume de matrículas, contudo, é o Espírito Santo, no Sudeste, sendo um para 6.774 estudantes. Em novembro do ano passado, o ataque de um adolescente a duas escolas em Aracruz, no Litoral Norte do estado, deixou três pessoas mortas e 13 feridas.

A região com menor defasagem é o Sul. Mesmo assim, o número de psicólogos dentro de escolas corresponde a uma parcela de 0,07% dos alunos nos três estados.

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Atividades coletivas

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) diz não ter informações sobre o trabalho desse profissional, como especificar se há oferta de atendimento individual para os estudantes ou se há apenas o auxílio no desenvolvimento de atividades pedagógicas.

Integrante do Conselho Federal de Psicologia e especialista em psicologia escolar, Raquel Guzzo explica que a área trabalha com o coletivo, em atividades com os professores, alunos e responsáveis. Apesar de não realizarem terapias, como os psicólogos clínicos, os profissionais são responsáveis por acompanhar o ambiente escolar e identificar mudanças no comportamento dos alunos que fogem do normal.

— Na escola, o psicólogo trabalha em atividades mais coletivas e no acompanhamento do processo de cada jovem. Dependendo do caso, é feito encaminhamento do jovem para os centros de atendimento. A terapia é feita fora, não com o psicólogo escolar — esclarece.

Em dezembro de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro promulgou a Lei Nº 13.935, que determina a presença de equipes multiprofissionais com serviços de psicologia e serviço social nas redes públicas de educação básica. A norma prevê o desenvolvimento de ações “para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a participação da comunidade escolar, atuando na mediação das relações sociais e institucionais”.

As contratações, via Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), só foram acontecer dois anos após a publicação, em dezembro de 2021. Já a efetiva implementação por estados e municípios começou no início de 2022.

Claudia Costin: sem psicólogos, volta ao presencial foi conturbada nas escolas no pós-pandemia — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Para a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, Claudia Costin, o atraso na adoção da lei e a ausência de psicólogos em escolas implicou em uma volta conturbada dos alunos às aulas presenciais pós-pandemia.

— A lei já poderia ter sido implementada em 2020, mas houve a Covid, e muitos municípios priorizaram a adaptação ao ensino à distância em detrimento da inserção de psicólogos nas escolas. Na volta presencial, eles deveriam estar presentes para ensinar os professores a lidarem com seus problemas de saúde mental e os dos alunos – diz.

Em resposta, o governo federal anunciou o investimento de R$ 3,1 bilhões em recursos para estados e municípios incrementarem a infraestrutura das instituições.

Sobrecarga de trabalho

Segundo a psicóloga escolar Camila Maia, a sobrecarga da profissão é grande e impede, muitas vezes, a realização de um bom trabalho nos centros de ensino. Funcionária da Secretaria de Educação do Distrito Federal, ela atuou em unidades da rede pública de 2012 a 2019:

— No início, atendia quatro escolas simultaneamente. Depois, reduziu para três. A gente fazia um esquema de itinerância para atender mais escolas, ia um dia em cada unidade. Eu trabalhava em escolas muito diferentes, entre zona urbana e zona rural, e era difícil intervir.

A demanda de avaliação de estudantes que não se comportavam como o esperado era grande. Para além de questões individuais, havia momentos com professores e de avaliação de um ou outro caso. Pelos cálculos dela, o trabalho envolvia cerca de 2.400 jovens:

— A sobrecarga atrapalhava muito. Perdia oportunidades de falar com pais que dificilmente apareciam na escola porque eu estava atendendo outra unidade. A sensação de frustração era constante. É um trabalho de assessoramento, mas esse acúmulo causa distanciamento do profissional com a escola, porque precisamos conhecer alunos e professores. Temos que acompanhar as queixas — diz a psicóloga.

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