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OPINIÃO

Novo Ensino Médio precisa avançar e fazer parte de estratégia maior

Professora em sala de aula - FG Trade/Getty Images
Professora em sala de aula Imagem: FG Trade/Getty Images

Katia Smole*

15/03/2023 04h00

Uma escola sem possibilidades de escolha, onde todos os jovens passam, o tempo todo, pelo mesmo currículo, independentemente de suas preferências, aptidões e projetos de vida, uma trajetória focada em uma prova na vida, quando a vida tem tantas outras provas que também merecem atenção e preparação. Inadequado em relação a seu próprio tempo, este é o que poderíamos chamar de antigo ensino médio. Ele deixa para trás muitos estudantes e quem chega até o final aprende pouco - considerando especialmente a escola pública. De acordo com os resultados do Saeb 2021, 31% aprendem o suficiente em Língua Portuguesa e apenas 5% em Matemática ao final da terceira série. É um Ensino Médio muito desatualizado em relação aos jovens do século 21 e seus interesses e, como se isso já não bastasse para questioná-lo, ele não garante a aprendizagem dos estudantes, sendo os jovens pretos e pobres os mais prejudicados pela sua ineficiência.

Dados do Censo Escolar de 2022 comprovam que o antigo Ensino Médio não deu certo para muitas turmas, gerou desigualdades e fez muita gente desistir da escola. Evidência disso é que a modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem, atualmente, mais jovens que adultos provenientes do ensino regular. De 2019 para 2020, aproximadamente 160 mil alunos do ensino médio migraram para a EJA. São estudantes que foram continuadamente reprovados ou simplesmente não conseguiram aprender e buscam meios para conclusão da educação básica.

O desengajamento do antigo ensino médio também se reflete fortemente no acesso ao ensino superior. O número de inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2022 foi de 3.396.597, conforme o Ministério da Educação (MEC). Essa é a segunda menor quantidade de inscritos para o exame desde 2009, quando se tornou um processo seletivo para as principais universidades públicas do Brasil. Os poucos jovens que chegam ao fim do ensino médio não almejam o ensino superior porque não se enxergam preparados para tal e não o veem como solução para o seu futuro. Um dos tristes resultados é que a parcela de brasileiros que nem estudam nem trabalham cresce, principalmente entre mulheres. A proporção feminina de jovens entre 15 e 29 anos que não trabalha e nem estuda é de 27,4%, quase duas vezes maior que a taxa registrada entre homens jovens. Essa é a escola brasileira de ensino médio que a reforma do ensino médio tem a missão de substituir. Não é uma escola idealizada, mas a escola que fracassa, dia a dia, na garantia do direito dos jovens à aprendizagem e à construção de seus futuros.

Embora longe de ser a solução perfeita, total e definitiva para reverter dados como esses, a implementação do Novo Ensino Médio precisa ser encarada como parte significativa de uma estratégia maior para melhorar o cenário da última etapa da Educação Básica. Com o novo modelo, passamos a conviver com a escola da escolha, que pode ofertar diferentes itinerários formativos nas quatro áreas do conhecimento e na educação profissional, bem como disciplinas eletivas. Os estudantes passam a ter uma parte da trajetória escolar orientada ao aprofundamento de suas habilidades, a seus desejos de aprofundar temas que lhes interessem. Passam a ter voz ativa sobre o que querem e pensam a respeito do próprio futuro, de forma planejada em prol do desenvolvimento de suas aprendizagens. A nova arquitetura proposta amplia oportunidades porque expande o universo escolar sem deixar de garantir uma formação comum a todos, referenciada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). É falacioso afirmar que barateia o conhecimento. Pelo contrário, ela possibilita uma estrutura que garante acesso equitativo a uma aprendizagem mais engajante e de maior qualidade.

Hoje, estamos em um processo que não pode nem deve ser ignorado: desde 2017, com a mudança na lei, muita coisa aconteceu. Foram aprovadas as diretrizes curriculares; todos os conselhos de educação, com suas respectivas redes de ensino, fizeram as adequações de legislação para que a implementação pudesse ocorrer; foram contratados muitos professores para dar conta dos itinerários formativos e feitos investimentos para mudanças na legislação, produção de materiais didáticos, formação docente e preparação das escolas. Ainda que existam muitos ajustes a serem feitos em todos esses pontos, o processo andou. A maioria absoluta dos estados já está no segundo ano de implementação. Hoje, em quase todo o país, restam do antigo ensino médio as turmas que vão concluir a 3a. série de 2023. A quem defende a revogação da reforma, às vezes até como questão de honra, sugiro uma reflexão mais cuidadosa no que diz respeito à instabilidade jurídica, demissão de professores recém-contratados e uso de recursos públicos, entre outras perdas significativas de um investimento importante.

Em vez da revogação, precisamos exigir, juntos, um plano nacional de implementação para o Novo Ensino Médio dar certo e colocar em debate o que é possível fazer para aprimorar a proposta em vigor, avançar. Sugestões de ocasião, tais como voltar ao modelo de uma década atrás, não vão resolver os graves problemas existentes há muitos anos, pelo contrário. Equidade com qualidade se alcança com foco, planejamento e monitoramento de implementação. É papel do MEC apoiar as redes de ensino e estas apoiarem suas escolas. Ajustes com responsabilidade é do que precisamos.

*Katia Smole é diretora executiva do Instituto Reúna. É também diretora do Mathema e membro do Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo. Foi secretária de Educação Básica no Governo Federal, em 2018, e conselheira nacional de Educação. Atuou como assessora pedagógica, pesquisadora na Universidade de São Paulo (USP) e professora de matemática no ensino público.