Educação
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Por Bruno Alfano — Rio

Rayssa Cabral e Rafael Souza, ambos de 17 anos, conversavam sobre o Novo Ensino Médio durante o almoço numa escola estadual de São Paulo quando perceberam que tinham sido “trocados”. Rafael, que adora matemática e física, foi inscrito para se especializar em um itinerário do universo de Humanas, e Rayssa, aficionada em história e geografia, ganhou tempo de estudo de Ciências da Natureza, aquela conhecida por ser mais indicada para quem gosta de física e química. Rafael abandonou o colégio.

— Me inscrevi num curso de educação de jovens e adultos que me dá mais tempo para estudar por conta própria para o vestibular — conta o jovem, que decidiu correr atrás de conteúdo importante, que, na opinião dele, foi espremido na grade da antiga escola.

Aluna do Colégio Nossa Senhora do Rosário, na Zona Oeste do Rio, Sofia Santos, de 16 anos, conta que escolheu um itinerário de Ciências da Natureza para o 1º ano do ensino médio. Não gostou, mudou no 2º ano e se encontrou na área de Humanas.

— Antes de entrar no ensino médio, eu achava que era totalmente de exatas, mas as disciplinas do itinerário me fizeram perceber que não é muito disso que eu gosto. Agora estou feliz. O itinerário me ajuda para o Enem e para a prova da Uerj, que é discursiva na segunda fase — diz a jovem.

As mudanças incorporam as dificuldades de se implementar a ideia original do Novo Ensino Médio. A proposta era fazer com que essa etapa da vida escolar, alvo de muitas críticas no país, ganhasse qualidade e, ao mesmo tempo, permitisse aos estudantes aprenderem mais em itinerários sobre temas relacionados às suas futuras carreiras profissionais. Mas há problemas, na prática. Mesmo com a necessidade de ajustes, no entanto, especialistas defendem que a essência da alteração tem de ser mantida para dar eficácia a uma etapa de aprendizado que precisa de adaptação.

As alterações impactaram a formação geral básica, que todos os estudantes são obrigados a cumprir, independentemente do caminho que pretendem seguir nos estudos acadêmicos ou vida profissional. Levantamento inédito do GLOBO, feito com base nas matrizes curriculares de todas as redes estaduais do país, revelou que as Ciências da Natureza e Humanas foram as que mais encolheram na formação geral básica. Ficaram, respectivamente, com 34% e 30% menos aulas do que no formato antigo. Juntos, português e matemática tiveram um corte de 25%.

Com os ajustes, esse núcleo comum com 1,8 mil horas de aulas em três anos. A parte flexível — que traz a novidade dos itinerários da preferência de cada aluno — deve somar 1,2 mil horas em três anos. Na fórmula pensada originalmente, o Novo Ensino Médio totalizaria 3 mil horas, superando as 2,4 mil do modelo que vigorava antes.

— Esse limite precisa ser revisto — afirma Gabriel Corrêa, diretor de Políticas Públicas do Todos Pela Educação. — Enxergamos diversos pontos de ajustes estruturais que precisam ser feitos, mas o Todos Pela Educação defende que há elementos na essência do modelo que são importantes de serem mantidos. Principalmente três deles: a expansão do tempo que os estudantes passam na escola, a ideia de flexibilização curricular, onde se oferecem aos alunos opções de aprofundamento em determinadas áreas, e a maior integração da formação técnica e profissional do ensino médio.

— O máximo de horas da formação geral básica tira das redes de ensino o quanto elas querem dar esse conteúdo e isso precisa ser revisto — reforça Fernando Cássio, pesquisador da UFABC.

O Novo Ensino Médio foi decretado por medida provisória no governo Temer em 2016 e aprovado pelo Congresso no ano seguinte. Em 2021, no governo Bolsonaro, o ministro Milton Ribeiro definiu um calendário de implementação gradual que previa a mudança do 1º ano em 2022, do 2º ano em 2023 até chegar ao 3º em 2024, com ajustes no Enem. Alguns estados, como São Paulo, se anteciparam e completam todo o calendário ainda este ano.

Após pressão de diferentes grupos políticos, especialistas em educação, professores, famílias e alunos, o atual ministro, Camilo Santana, decidiu pela suspensão do calendário do Novo Ensino Médio até o fim da análise da reforma por um grupo de trabalho. Com isso, alunos do 2º ano, que pelo calendário já estavam estudando em novas bases, podem encontrar em 2024 um velho Enem, já que as alterações do exame foram adiadas.

— Os itinerários formativos estão amplos demais — alerta Christian Lindberg, pesquisador da UFS e autor do artigo “A presença da filosofia no Novo Ensino Médio: algumas considerações iniciais”, cuja metodologia foi a base para o levantamento da reportagem.

Em muitas escolas públicas, os alunos não tiveram direito de escolha. Há colégios em que os itinerários são definidos por sorteio.

— Até tenho disciplinas novas que gosto — conta Mael Santos, de 16 anos, que estuda em um colégio estadual de Santo André (SP). — Mas não a ponto de abrir mão de educação física e português.

Estudantes contemplados com os itinerários escolhidos se queixam da falta de aprofundamento. Aluna do 2º ano do ensino médio da rede estadual de Pernambuco, Maria Eduarda Queiroz quer fazer Psicologia e critica a perda de horas de estudo de história, português e matemática.

— A ideia de escolher sua própria área de estudos é interessante. Mas as escolas, pelo menos as estaduais, não estão preparadas — diz a jovem de 16 anos. — Na sexta, tenho uma aula chamada Imagens, em que não fazemos nada além de desenhos. Em seguida, tenho Conhecendo a Comunidade. Não quero ser ignorante, mas essas aulas não me interessam.

Com o encolhimento das disciplinas obrigatórias, professores têm de ensinar itinerários que nem sempre dominam. A professora de história Isabel Tinoco leciona, desde o ano passado, no Rio de Janeiro, linguagens artísticas. Neste ano, dá aulas de cinema e de fotografia:

— Não tive nenhum tipo de preparo para trabalhar com essas matérias. A gente recebeu material de direcionamento, mas superficial.

Veja alguns achados:

  • O componente curricular mais cortado foi Educação Física, que perdeu, em média, 40% dos tempos de aula obrigatórios. A redução dessa carga horária ocorreu em 24 estados. Somente o Maranhão aumentou o tempo desta aula em relação ao modelo antigo.
  • Física, história e química tiveram cortes de 36% dos tempos de aulas obrigatórios. Em geral, essas disciplinas tinham dois tempos de aulas por semana nos três anos de ensino médio e caíram para duas aulas num ano e uma nos outros dois. Cada tempo de aula tem 50 minutos.
  • Por conta do teto de 1.800 horas da formação geral básica, mesmo o aumento da carga horária não significa mais aulas de disciplinas tradicionais. A matriz curricular do Amapá, por exemplo, tinha, ao longo dos três anos de ensino médio, 15 tempos semanais de português e seis de história antes da reforma, em escolas com cinco horas de aula por dia. Depois, caiu para sete e quatro tempos semanais, respectivamente, mesmo nos colégios de tempo integral, com sete horas de aulas diárias.
  • Por já terem poucos tempos de aulas, artes, sociologia e filosofia foram os que, proporcionalmente, menos perderam tempo. O corte foi de um quinto das aulas.
  • Uma série de estados decidiu concentrar a maior parte da carga horária obrigatória nos primeiros anos do ensino médio. Isso fez com que alunos cheguem no ano do Enem sem aulas de disciplinas como história, geografia, química, física e biologia. Esses são os casos de SP, RJ e AC. Já AP, ES, PR, RS e SE não possuem pelo menos uma dessas disciplinas no 3º ano do ensino médio.
  • Apesar do nome, a parte flexível do novo ensino médio também tem matérias obrigatórias, como projeto de vida, que aparece em todas os estados. Em quatro deles, são oferecidas disciplinas como educação financeira ou empreendedorismo nesta parte do currículo.
  • Alguns estados, como o Mato Grosso do Sul, incluíram nesta parte flexível obrigatória componente curriculares que trabalham disciplinas tradicionais de outras formas, como matemática criativas e linguagens e interartes.

Entre especialistas, reconhece-se os problemas. Uma corrente, no entanto, defende que o modelo pode ser ajustado, mantendo expansão do tempo dos alunos em sala, flexibilização curricular e maior integração da formação técnica e profissional à grade.

— As mudanças não foram feitas com qualidade por problemas no desenho e na implementação. A parte flexível não tem orientação nacional sobre o que deve ser trabalhado com os estudantes, abrindo espaço para itinerários que passam longe do aprofundamento de conhecimentos e habilidades que os jovens realmente precisam ter — diz Corrêa, do Todos Pela Educação.

Na rede estadual do Rio, as aulas de História, Geografia, Sociologia e Filosofia tinham 24 tempos semanais na somados três anos antes da reforma e, depois, caíram para 12. Já em São Paulo, Química, Física e Biologia caíram de 18 para 12 tempos semanais.

Em nota, a secretaria estadual de Educação do Rio afirmou que aguarda a decisão da consulta pública aberta pelo MEC para tomar qualquer decisão. Já a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo informou que estuda ajustes na distribuição da carga horária a partir de 2024 e que investirá no apoio ao docente. Segundo a pasta, todas as escolas da rede estadual paulista oferecem ao menos dois itinerários formativos, dentre 11 opções, contemplando as quatro áreas de conhecimento do currículo. "A definição dos itinerários que serão ofertados pela unidade escolar atende ao desejo dos alunos, a partir do projeto de vida e da manifestação de interesse maior", afirma a secretaria .

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