Rio Bairros

Novo ensino médio: escolas e alunos se preparam para mudanças em 2022

Implementação do modelo, bem visto por educadores e estudantes, começará pelas turmas de 1º ano. Além do currículo básico, alunos poderão escolher outras disciplinas, de acordo com seu interesse
Eduardo Bareli, professor de linguagens, explica para turma como será o novo ensino médio no colégio AZ Foto: Divulgação/Gabriel de Carvalho
Eduardo Bareli, professor de linguagens, explica para turma como será o novo ensino médio no colégio AZ Foto: Divulgação/Gabriel de Carvalho

RIO — Agora é para valer. Previsto em uma lei federal aprovada em 2017, o novo ensino médio começa a ser implementado nas escolas públicas e privadas de todo o país a partir do ano que vem. As alterações serão introduzidas gradualmente, começando pela 1ª série do segmento.

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A principal mudança é que as disciplinas serão agrupadas por áreas de conhecimento, de maneira parecida com a que ocorre no Enem: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; e ciências humanas e sociais aplicadas. Todas as disciplinas atuais serão mantidas no currículo, mas somente língua portuguesa e matemática constarão como obrigatórias nos três anos de ensino médio. Na última terça-feira, o Ministério da Educação (MEC) lançou uma formação específica para professores do ensino médio, a fim de prepará-los para a mudança.

Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio, explica que o estudante terá mais tempo para se dedicar ao que gosta e ao que pretende seguir no futuro.

— Uma das principais novidades é em relação aos itinerários formativos, que são conjuntos de aulas e atividades, oferecidos pela escola, referentes às áreas de conhecimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O aluno terá estudado o básico e vai ter a oportunidade de analisar o que quer fazer. Se quiser seguir carreira na área de engenharia, por exemplo, poderá escolher um itinerário com matemática e física. O estudante não vai precisar, obrigatoriamente, já saber a profissão que quer, mas deverá ter uma área de interesse, como humanas ou exatas — diz Andrea.

Ao final dos três anos, os estudantes receberão certificados do ensino médio e do curso técnico ou dos cursos profissionalizantes que escolheu. As áreas do conhecimento ocuparão 60% do tempo de grade do ensino médio, mas não poderão ultrapassar o limite de 1.800 horas totais ao final dos três anos. Já os itinerários formativos devem ocupar os 40% restantes, totalizando 1.200 horas.

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Para Felipe Sundin, diretor da rede AZ, o novo sistema vai enriquecer ainda mais a experiência do aluno:

— A ideia é manter o mesmo padrão, seguindo com o mesmo rigor acadêmico e a profundidade de conteúdo. Como as atividades relacionadas aos itinerários formativos vão acontecer no contraturno, os alunos vão ampliar ainda mais seus conhecimentos e suas vivências, sem comprometer a nossa excelência pedagógica.

Diretora acadêmica do ensino médio das unidades Barra e Jacarepaguá do Bahiense, Luiza Almendra aprova a mudança e diz que ela deve ser feita com cautela:

— Os próximos três anos serão de grandes desafios para todos na construção de um aprendizado ainda melhor. Nessa fase de transição, deve-se alinhar competências cognitivas e socioemocionais, o que conduzirá o aluno à definição dos seus objetivos.

Caroline Lucena, coordenadora do ensino médio e do pré-vestibular do Elite Rede de Ensino, também diz que o novo ensino médio é bem-vindo, mas frisa que a mudança não pode se limitar a este segmento:

— O ensino médio tem um conteúdo e uma abordagem extremamente defasados quando se leva em conta a realidade do aluno. Essa mudança vai trazê-lo de volta para a escola, resgatar o interesse dele e nos dar a oportunidade de respeitar sua vontade. Mas essa mudança precisa se estender ao ensino superior, porque estou criando um aluno diferente no ensino médio, e esse aluno vai chegar diferente ao ensino superior.

Para a educadora Andrea Ramal, a mudança no ensino médio possibilitará a desburocratização do ensino Foto: Verônica Peixoto
Para a educadora Andrea Ramal, a mudança no ensino médio possibilitará a desburocratização do ensino Foto: Verônica Peixoto

Para educadora Andrea Ramal, mudança vai desburocratizar o ensino

A educadora Andrea Ramal acha que a mudança no ensino médio possibilitará a desburocratização do ensino. Para ela, é compreensível que, neste primeiro momento, docentes, responsáveis e alunos fiquem temerosos com as mudanças. E destaca a importância que a família também tem neste caminho.

— É necessário desburocratizar o ensino, flexibilizar a educação para atender aos mais diversos perfis e modalidades de aprendizagem. As famílias também têm papel fundamental nesse novo processo da vida escolar dos jovens. É preciso criar espaços e tempos de diálogo com os filhos, mostrando suas possibilidades de escolha, avaliando seus interesses e, consequentemente, orientando-os nessas escolhas — diz.

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No Colégio Santo Inácio, em Botafogo, foi feita uma pesquisa sobre quais temas os estudantes gostariam de aprender e pôr em prática. Entre as novas disciplinas previstas nos itinerários há empreendedorismo social, direito e cidadania e mecatrônica, além de oficinas de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa), ambiente digital, matrizes energéticas e sustentabilidade, entre outras.

—Nosso ensino médio continuará sendo em grande parte propedêutico, ou seja, formatado para preparar os estudantes para as principais provas de acesso ao ensino superior do país, e não para a educação profissional e tecnológica. Essa é a principal vontade deles e dos pais. Ofereceremos, no entanto, outras formas de abordar o conhecimento posto no mundo, por meio de novas atividades em laboratórios e oficinas, por exemplo —diz Elizabeth Bastos, coordenadora de ensino médio e gerente de tecnologias educacionais do Colégio Santo Inácio.

Diretora do Colégio Marista São José Tijuca, Eveline Morelli Lima aponta os ganhos que os estudantes terão com o novo ensino médio:

— Os alunos vão ter contato com temáticas muito atuais, que fazem parte do cotidiano, o que torna o ensino mais interessante. Em Humanas e Linguagens, por exemplo, terão aulas de redes sociais e mercado de trabalho. Já em Matemática, teremos empreendedorismo. O sistema de avaliação desses itinerários também será diferente, por meio de portfólios, o que permite um aprofundamento no conteúdo.

Alunos poderão trocar de trilhas a cada 6 meses

Julia Quartin, do Notre Dame, já sabe que itinerário formativo seguirá Foto: Divulgação/Zele Comunicação
Julia Quartin, do Notre Dame, já sabe que itinerário formativo seguirá Foto: Divulgação/Zele Comunicação

No colégio Notre Dame, em Ipanema, os alunos terão a possibilidade de escolher entre cinco itinerários: Viva, Fala, Planeja, Calcula e Humaniza. O diferencial é que todas as trilhas terão intercessão de conteúdos. O Planeja, por exemplo, voltado para quem pensa em seguir carreiras como arquitetura ou administração, engloba disciplinas de linguagem, matemática e ciências humanas.

— Quem quer ser administrador ou arquiteto, além de saber fazer conta, precisa escrever bem e entender a sociedade em que vive. Queremos entregar algo que faça sentido para a formação pessoal e para a carreira do aluno — afirma Fillipe Matias, coordenador pedagógico do 9º ano e do ensino médio do Notre Dame.

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Aluna da instituição, Julia Quartin, de 15 anos, que entrará no ensino médio no ano que vem, pretende cursar Medicina e optou pelo itinerário Viva. Ela acredita que o novo ensino médio vai preparar melhor os alunos para a faculdade:

— Será um ensino mais direcionado; chegaremos na universidade com mais bagagem.

Coordenador pedagógico do ensino médio do Instituto Nossa Senhora da Piedade, com unidades no Flamengo e em Jacarepaguá, Leonardo Figueiredo ressalta que escolher um caminho aos 14 anos é muito difícil para os alunos. E, por isso, eles terão a possibilidade de trocar de itinerário a cada seis meses.

— Desta forma, poderão conhecer várias possibilidades e fazer a escolha com mais segurança — diz.

Postura ativa diante do aprendizado

“Resiste”. Alunos da oficina de teatro da Edem juntos no palco Foto: Divulgação/Andrea Testoni
“Resiste”. Alunos da oficina de teatro da Edem juntos no palco Foto: Divulgação/Andrea Testoni

Coordenador pedagógico do ensino médio da escola Edem, em Laranjeiras, Wanderley Quêdo afirma que as novas diretrizes educacionais serão implantadas na instituição “com muito cuidado e muitas considerações”.

— Para nós, aglutinar disciplinas em áreas não nos permite dar o aprofundamento necessário para uma formação científica mais densa para os nossos alunos, algo que lhes permita ir além das questões de mercado de trabalho, que os faça refletir sobre a realidade do mundo e ter uma posição política mais definida enquanto cidadãos conscientes — destaca.

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Ele afirma que a escola já tem 30% da grade do ensino médio dedicada a projetos de pesquisa, oficinas de artes, audiovisual, teatro, música, dança, robótica e ativismo e à orientação profissional:

— Fazemos uma aproximação dos alunos com o mundo do trabalho levando-os para visitar empresas e universidades.

Aluna do 3º ano, Maria Luísa Selonk, de 18 anos, pretende cursar História e afirma que o preparo da escola a ajudou na tomada de decisão:

— A Edem valoriza o pensamento crítico dos alunos, o diálogo, os questionamentos, uma postura ativa diante do aprendizado. Foi muito importante para me dar certeza sobre o que eu quero fazer no futuro.

`Aulas atrativas e escolha consciente’

Expectativa. Júlia Marques e Luca Carvalho, no espaço maker do pH Foto: Divulgação/Rafaela Prado
Expectativa. Júlia Marques e Luca Carvalho, no espaço maker do pH Foto: Divulgação/Rafaela Prado

Os amigos Júlia Marques e Luca Carvalho, que em 2022 estarão na 1ª série do ensino médio da rede pH, acreditam que a reforma tornará as aulas mais atrativas e permitirá que eles escolham de maneira consciente a profissão que seguirão no futuro. Cada um tem uma lista dos ofícios com que mais se identifica. Júlia ressalta que, com a mudança, vai poder realizar um desejo: experimentar várias áreas.

— Penso em fazer História, tenho muita curiosidade em saber de onde viemos e tudo que forma a sociedade. Mas ao mesmo tempo eu gosto muito de animais e também de teatro; e, por outro lado, sou melhor em exatas. Eu tenho vontade de trabalhar com várias coisas, e queria muito experimentar um pouco de tudo. Agora eu vou poder — diz Júlia, animada, contando que no topo da sua lista está mesmo História, com Veterinária e Teatro em seguida.

Já Luca tem como primeiras opções Cinema e Economia.

— A oportunidade de aprender sobre muitas áreas vai amadurecer o meu olhar para essas e até mesmo para outras profissões. Quando eu penso no novo ensino médio, eu penso naqueles filmes de high school em que as pessoas falam “Ah, tenho que ir para a minha aula’’. Eu sinto que vamos começar a trilhar os nossos caminhos de forma diferente. A expectativa é alta — diz o adolescente.

Eletivas sem abrir mão das disciplinas básicas

Os estados trabalham na construção dos novos currículos de referência, que serão formados pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos. Sem o currículo do Rio definido, o Colégio pH resolveu seguir a BNCC, e lançou dez eletivas, entre elas direito constitucional, como montar uma start-up e como construir campanhas de voluntariado. Das dez, pelo menos duas terão que ser escolhidas pelos alunos já em 2022. Elas servirão como base para que em 2023 os estudantes a partir da 2ª série do ensino médio possam decidir entre os quatro itinerários formativos criados pela instituição.

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Filipe Couto, diretor pedagógico da rede, ressalta que, com a mudança gradativa, mais do que o colégio ter tempo para uma possível adequação ao currículo do Rio, os alunos experimentarão práticas e vivências de todas as quatro áreas durante um ano e terão subsídios para escolher uma delas.

— Nas disciplinas básicas, o que muda é que teremos um foco maior na prática. Em 2022 todos poderão escolher as eletivas e o projeto de vida, que contará com uma equipe multidisciplinar para poder lidar com as questões de autoconhecimento, conhecimento de mundo e formas de atuação ética na sociedade. E a partir disso, terão condições de fazer uma escolha mais assertiva da área de atuação. São três pilares interligados — diz Couto.

Sala de aula. Alunos da rede Pensi antes da pandemia. Enem é desafio Foto: Divulgação
Sala de aula. Alunos da rede Pensi antes da pandemia. Enem é desafio Foto: Divulgação

Com informações escassas sobre o novo modelo do Enem previsto para 2022, a rede Pensi apostou em uma postura conservadora em relação aos currículos das disciplinas dos itinerários formativos. A rede criou sete. Quatro estarão disponíveis em todas as unidades e os outros três em polos específicos. A mudança também será gradativa e atingirá uma nova série a cada ano até 2024.

— Nossos alunos contarão com uma parte do itinerário comum para todos os estudantes e outra parte com flexibilidade, onde terão projetos, cursos eletivos e até uma disciplina exclusiva voltada para a área que escolherem — detalha Rodrigo Retka, coordenador dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio do Pensi.

As Escolas Eleva decidiram adotar o currículo internacional IB (International Baccalaureate), que está de acordo com as diretrizes nacionais do novo ensino médio. O que difere são as nomenclaturas, segundo Marcio Cohen, diretor pedagógico geral da rede. Nas três séries do ensino médio, os alunos terão contato com praticamente todas as disciplinas básicas e terão que escolher ao menos três delas em uma versão avançada. Isso inclui as aulas eletivas, que podem ser matérias de aprofundamento, como escrita criativa e matemática olímpica; profissionais, a exemplo direito ou finanças; de habilidades específicas, como oratória e robótica; ou ainda o que a instituição chama de academic options, que são quatro disciplinas que os alunos escolhem dentro de um leque de possibilidades.

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— Teremos sugestões de escolha associadas a cada um dos quatro itinerários formativos que ofereceremos, mas também será possível sair dessas sugestões e fazer combinações de itinerários mais específicos — pontua Cohen.

No Colégio Adventista, a mudança também será gradual atingindo uma nova série a cada ano. O aluno escolhe duas eletivas por semestre, entre elas, inovação tecnológica, finanças e empreendedorismo e oficina de linguagem criativa, em dois grandes itinerários formativos. A instituição criou um site com informações sobre o novo modelo, onde há ainda um teste para ajudar o aluno na escolha do itinerário formativo que mais lhe agrada.

— A trajetória da Rede Adventista no Brasil possui quase 130 anos, tendo seu foco na formação  do indivíduo de maneira integral. Entendemos que a construção cidadã precisa transcender os saberes científicos. Por isso,  as atenções devem estar sempre voltadas para o desenvolvimento físico, mental, socioemocional e espiritual — diz Débora de Amorim Barreto coordenadora pedagógica da Rede de Ensino Adventista no Rio de Janeiro.

Preservação da identidade da escola no currículo

Coordenadora-geral do Colégio Miraflores Niterói, Branca Portes destaca que a principal preocupação ao elaborar o modelo a ser adotado foi pensar em uma proposta que tivesse o perfil da escola.

— Demos um mergulho na legislação e contratamos palestras com especialistas da área. Discutimos todas as possibilidades, porque o novo formato dá bastante autonomia para as escolas. Fazemos muita questão de manter nosso perfil. Trabalhamos o conhecimento, de forma que o aluno seja protagonista dessa aprendizagem. Dentro do conteúdo, trabalhamos muito o pensamento crítico, a possibilidade de dialogar e fazer comparações, a criatividade, a solidariedade e a responsabilidade — explica.

Alunos do Colégio Miraflores Niterói fazem prova: escola se preocupou em manter seu perfil na escolha dos itinerários Foto: Divulgação
Alunos do Colégio Miraflores Niterói fazem prova: escola se preocupou em manter seu perfil na escolha dos itinerários Foto: Divulgação

Dois itinerários serão adotados pelo Miraflores: linguagens e matemática, cada um dividido em quatro aprofundamentos, que focarão mais na pesquisa e na prática do que na teoria. Os alunos também poderão escolher duas matérias eletivas, entre quatro opções, e terão um projeto de vida, comum a todos. A partir desta semana, a escola fará um trabalho com os jovens para que tenham mais segurança com relação à escolha.

— O itinerário de linguagens conta com opções como laboratório para produção de texto, oficina de audiovisual, histórias afro-brasileiras e língua espanhola. Esta última deixa de ser obrigatória, mas quem optar pelo aprofundamento no idioma e na cultura hispânica fará uma imersão na cultura latino-americana. No itinerário de matemática teremos muitas aulas em laboratório: experimentos em física e matemática; experimentos em química e matemática; arte e tecnologia; e produção científica, unindo biologia e matemática, com produção de textos científicos — detalha Branca, frisando que a tecnologia estará sempre presente.

Modelo antecipado

O colégio Pio XII, em Niteroi, se antecipou e implementou o novo modelo este ano:

— Começamos com o 1º ano do ensino médio, e a recepção dos alunos e professores foi muito positiva. O modelo dá protagonismo ao aluno, que não deixa de ter as disciplinas básicas. Optamos por dois itinerários, humanas e exatas, e demos a opção de mudar de itinerário a cada seis meses — conta Carlos Eduardo Boechat, diretor administrativo do colégio.

Supervisor educacional e coordenador interino do ensino médio do La Salle Abel de Niterói, Antônio Pina diz que o colégio segue o cronograma estipulado pela rede La Salle, e as implementações começarão de forma gradual. Ele destaca pontos positivos para a formação da carreira dos alunos:

— Os estudantes vão poder focar mais na sua carreira, conhecer mais o ambiente universitário e expandir o universo de conhecimentos para a formação que escolherão.

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