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Entendendo Bolsonaro

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Novo chefe do MEC preenche todos os maus requisitos dos antecessores

Victor Godoy Veiga, ministro interino da Educação - Luis Fortes/MEC
Victor Godoy Veiga, ministro interino da Educação Imagem: Luis Fortes/MEC

Colunista do UOL

18/04/2022 16h12

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* Igor Tadeu Camilo Rocha

"Cai o pior ministro da Educação da história. Ele sucedeu o pior ministro da Educação da história e deve ser sucedido pelo pior ministro da Educação da história". A frase acima, que viralizou nas redes sociais, resume bem o pesadelo que tem sido a pasta da Educação no governo Bolsonaro, agora chefiada pelo ex-secretário executivo do MEC Victor Godoy Veiga, escolhido para o lugar de Milton Ribeiro, exonerado após a revelação de escândalos de corrupção no Ministério.

Segundo a Folha, enquanto secretário-executivo, Godoy teria ameaçado servidores que tentassem levar à Polícia Federal o caso da Unifil, de Londrina, denunciada por fraude no Enade em 2019. Espera-se que siga na pasta as mesmas políticas adotadas por Ribeiro, uma vez que durante a gestão anterior tinha espaços privilegiados em reuniões e decisões.

Vamos, assim, para o quinto ministro da Educação no governo Bolsonaro. Embora diferentes entre si, é possível dizer que os quatro que já passaram pelo MEC, os piores da história (que serão sucedidos pelo pior da história? O tempo dirá), parecem compartilhar algumas características comuns: incapacidade técnica para exercer o cargo; alinhamento às agendas da guerra cultural bolsonarista; gosto por holofotes, em especial por polêmicas vazias, que desviam a atenção das discussões relevantes da pasta.

Alguns apontariam, como quarto elemento em comum, a ausência de um projeto, mas eu prontamente discordaria dessa afirmação. Há entre todos eles um claro projeto, que consiste no esvaziamento da educação pública pelo lobby do setor privado, juntamente com o desprezo pela pesquisa e pelas universidades, extensivo a qualquer ideia de democratização do ensino.

O desprezo à educação pública, de todos os níveis, se estende na concepção da extrema direita sobre políticas educacionais a qualquer forma de inclusão social ou por melhora qualitativa da educação. Em síntese, foram ministros da Educação anti-educação, que se apoderaram da pasta para desestruturar tudo que havia nela ou que era proposto no curso de suas políticas desde a redemocratização — um trabalho de décadas e que envolveu a participação de diferentes partidos e membros da sociedade civil.

Os ocupantes do MEC sob Bolsonaro, com suas ideias e práticas, têm buscado gerir a pasta segundo a gramática da extrema direita brasileira e seu projeto de sociedade, que passam por um propósito educacional privatista, elitista e excludente que, ao mesmo tempo, é compromissado com elementos ideológicos tão reacionários quanto ecléticos, nos quais o tradicionalismo olavista, o tecnicismo neoliberal e o moralismo neopentecostal se encontram.

Podemos desenvolver melhor esse ponto relembrando, de forma breve, a infeliz passagem dos quatro piores da história do MEC, em alguns de seus momentos mais marcantes, o que até nos ajudará quanto a traçar expectativas para o próximo ministro.

Ricardo Vélez Rodríguez teve uma breve passagem pela pasta, de 96 dias. Inicialmente, fez parte da chamada "ala olavista" do governo, que já não o apoiava no fim de sua gestão. Ainda assim teve alguns momentos que são importantes de serem discutidos. Por exemplo, Vélez tentou interferir nos livros didáticos, para que crianças e jovens tivessem "uma ideia verídica" do golpe militar de 1964. Para tanto, anunciou que haveria "mudanças progressivas" nesse sentido.

Meses antes, Vélez havia anunciado outra mudança nos livros didáticos que, posteriormente, foi revogada. Ela retirava a exigência de referências bibliográficas (!), além das discussões sobre violência contra a mulher e sobre culturas quilombola e do campo, dos materiais para 5º ao 9º ano do ensino fundamental. Além disso, autorizava, sem maiores explicações, haver publicidade nos livros didáticos (!!).

Vélez foi sucedido por Abraham Weintraub, ministro marcado mais pelas provocações vazias feitas em rede social do que por ações concretas em sua passagem pelo MEC. É difícil apontar qualquer política que tenha saído de sua gestão, exceto o mal recebido Future-se — espécie de fundo de financiamento para as universidades, bastante criticado à época por reitores — além dos grandes cortes na educação e em pesquisa, que motivaram as primeiras ondas de protestos contra o governo Bolsonaro, já em 2019.

Talvez seu momento mais marcante tenha sido na fatídica reunião ministerial, na qual Weintraub clamou pela prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal. Nesse meio tempo, o então ministro se engajava em acusações falsas às universidades, como a de que haveria nelas plantações extensivas de maconha, dentre outras tantas. Recentemente, inclusive, em entrevista à CNN, Weintraub acusou Jair Bolsonaro de ordená-lo, enquanto ministro, de entregar o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) ao Centrão, o que tem ganhado menos repercussão do que merecia.

Weintraub foi sucedido pelo mais breve dos piores: Carlos Decotelli resistiu cinco dias no cargo, depois da grande repercussão gerada por ter colocado informações falsas no seu currículo acadêmico. Efetivamente, não foi o primeiro do governo Bolsonaro a fazer isso, mas foi o único até o momento a cair diante da repercussão pública do procedimento.

Depois de Decotelli, passamos para Milton Ribeiro. Esse pastor presbiteriano, em termos curriculares, pelo menos, indicava ter mais predicados que os anteriores para ser um gestor de educação. Afinal, fora vice-reitor da renomada Universidade Presbiteriana Mackenzie (2000-2003), além de ser membro do conselho deliberativo da entidade mantenedora da instituição.

Mas qualquer boa expectativa caiu por terra rapidamente. Poderiam ter caído antes, como na sua declaração feita em 2018, na qual Ribeiro dizia sem qualquer constrangimento que universidades ensinariam "sexo sem limites", mas foi necessário que o quadro piorasse.

A crise no Inep diante de uma suposta tentativa de interferência de Ribeiro no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a crise na Capes diante de acusações de coordenadores de pressão do MEC para avaliarem positivamente instituições privadas e a já tão famosa quanto repulsiva declaração do ministro sobre crianças deficientes nas escolas são alguns exemplos de crises de sua gestão.

Mas o acontecimento determinante para a sua saída foi decorrente do "Bolsolão do MEC", escândalo que veio à luz após denúncia apresentada por reportagens da Folha e do Estadão. Segundo as matérias, haveria no interior do MEC sob gestão de Ribeiro uma série de favorecimentos na liberação de recursos do FNDE. Esses favorecimentos seriam feitos a municípios ligados a dois pastores e, segundo um áudio divulgado pela mesma Folha, teriam ocorrido a pedido do próprio presidente da República.

É bem documentada a participação de ambos os pastores mencionados nas matérias em diversas reuniões com autoridades públicas, dentre as quais do MEC, nos últimos anos. Relembrados alguns pontos marcantes da passagem desses ministros pelo MEC, "os piores da história", podemos fazer algumas considerações.

O patrimonialismo, ou seja, um estado gerido sem distinções entre público e privado e que, no Brasil, aparece no aparelhamento e na ocupação sistemáticos, por parte de determinados grupos, das instituições públicas, conduzindo-as de acordo com seus interesses particulares, não é exclusividade do governo Bolsonaro. Mas, sob a gestão do atual presidente, vimos uma escalada sem precedentes, e o MEC de 2019 até hoje parece sintetizar perfeitamente esse processo. O bolsonarismo levou ao paroxismo boa parte dos vícios históricos do nosso modelo democrático.

Nesse sentido, o MEC se converteu num terreno de disputa por pedaços do FNDE e outras fontes federais de recursos, de lobbies diversos do setor privado, além de uma máquina de propaganda ideológica segundo valores da extrema direita — fazendo, nesse caso, aquilo que historicamente as novas direitas acusam setores progressistas de fazer. Não existe qualquer expectativa de que o novo ministro rompa com isso, talvez tornando-se o quinto dos piores ministros da Educação de todos os tempos.

* Igor Tadeu Camilo Rocha é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais