Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Nota zero: Weintraub bate o pé e não adia o Enem

As escolas fecharam, a vida dos alunos virou do avesso, mas o ministro não muda a data do exame, para desespero de quem está às vésperas do grande desafio

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 10 abr 2020, 10h47 - Publicado em 10 abr 2020, 06h00

Em vídeo postado no Twitter, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, deu um recado que chacoalhou milhões de lares com jovens que se preparam para enfrentar o mais tenso de todos os desafios da vida estudantil, o Enem. O ministro avisou que o cronograma do exame, que serve de passaporte para o ingresso na maioria das universidades do país, seguiria inabalado, nos dias 1º e 8 de novembro. “Eu sei que o coronavírus atrapalha um pouco, mas atrapalha todo mundo. Como é uma competição, tá justo”, argumentou Weintraub. A afirmação foi logo demolida por especialistas que trouxeram à luz a dura realidade destes tempos de confinamento: a turma está penando para aprender a estudar longe da escola.

É verdade que muita gente segue acompanhando as aulas no laptop ou no smartphone, sempre na reclusão de casa, como reza a cartilha do combate ao vírus — mas isso se dá em condições distantes das ideais, especialmente para quem frequenta um colégio público. Muitas secretarias estaduais ainda se organizam para oferecer as matérias on-line e, mesmo as que já estão dando conta da virada, esbarram em obstáculos elementares: mais de um terço dos domicílios brasileiros não tem sequer acesso à internet. Como essa multidão off-line poderá acessar a lição virtual e estar apta a enfrentar o Enem logo mais? “A decisão de manter intocada a data da prova contém uma alienação em relação ao que está acontecendo e é claramente excludente com os mais pobres”, avalia João Marcelo Borges, diretor de estratégia política da ONG Todos pela Educação.

Assessores próximos a Weintraub afirmam que a decisão do ministro é um endosso à posição do presidente Jair Bolsonaro de mexer o mínimo possível no que já estava programado antes que a epidemia pusesse o Brasil do avesso. Manter o Enem como está seria uma forma, inclusive, de pressionar os governadores a abrandar suas quarentenas e apressar a retomada das aulas nos colégios, fechados desde o fim de março. Weintraub chegou a examinar um estudo que lhe foi apresentado por Alexandre Lopes, presidente do Inep, órgão do MEC responsável pela prova. Havia ali a opção de postergar em um mês o exame, sem custos adicionais, mas o ministro a declinou, incen­diando o meio educacional. “As instituições de ensino superior são perfeitamente capazes de se adaptar a um novo calendário. A pior situação é ver menos alunos entrando na universidade, um retrocesso grave”, enfatiza Waldemiro Gremski, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub).

FUNIL - Dia de Enem: se a data for mantida, menos gente terá chance de passar (Rovena Rosa/Agência Brasil/.)

Na China, onde o novo coronavírus mostrou sua face pela primeira vez, o governo decidiu adiar o vestibular local, o Gaokao. Varrida pela Covid-19, a França também vai alterar seu sistema de ingresso na universidade — o tradicionalíssimo Baccalauréat, que não foi suspenso nem mesmo depois da devastação da I Guerra Mundial, será provisoriamente substituído pela análise do desempenho escolar do aluno. Mas Weintraub (que tem usado o tempo para disparates como o tuíte em que sustenta de forma debochada a teoria de que os chineses criaram o vírus para dominar o planeta) só deve voltar atrás se for obrigado. Os especialistas advertem que os danos de deixar tudo como está podem ser gigantescos: ganhar um mês de estu­dos faria, sim, diferença. “Não temos controle sobre o que os alunos estão aprendendo neste momento. Para muitos, o primeiro semestre está perdido do ponto de vista pedagógico”, diz Maria Inês Fini, ex­-presidente do Inep. Secretários admitem que, em certos casos, não dará nem tempo de ensinar a matéria inteira. “É como se estivéssemos diante de uma Olimpíada e uma parte dos atletas tivesse de treinar no parquinho da esquina”, compara Fred Amancio, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

Embora o ministro demonstre nenhuma flexibilidade, a forte pressão das várias entidades de educação para adiar o Enem pode acabar surtindo efeito. Técnicos do Inep contam que o número de pedidos de isenção e de inscritos vai ser monitorado com atenção. Se estiver baixo demais, ainda que Weintraub teime, a alteração no cronograma será inescapável. A falta da orientação que escolas Brasil afora costumam prestar a alunos mais pobres e carentes de informação deve espantar candidatos: como elas estão com os portões trancados, uma turma provavelmente ficará à deriva. “São jovens que não têm ideia de como e quando se inscrever. Eles dependem do monitoramento minucioso de suas escolas”, explica Marileide Callou, diretora de um colégio no município de Terra Nova, a mais de 500 quilômetros do Recife. O imbróglio já foi parar na Justiça, por iniciativa do deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), que agora analisa o pedido para a postergação da prova. Que o bom senso prevaleça em nome daquilo que o Enem tem feito de forma tão eficiente: dar a um monte de brasileiros a chance de cursar uma universidade de alto padrão.

Publicado em VEJA de 15 de abril de 2020, edição nº 2682

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.