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Educação

Nossa Apollo 13

A suspensão repentina das aulas para diminuir a curva de contágio do Coronavirus jogou sobre as redes públicas e privadas de educação um desafio semelhante ao dos astronautas da Apollo 13: diante do problema inesperado, é preciso achar soluções para continuar as atividades de aprendizagem recorrendo apenas a ferramentas disponíveis nas atuais condições. Como estamos percebendo, a tarefa não é nada simples.

Numa situação ideal, considerando um período longo de paralisação, teríamos tempo para capacitar professores para darem aulas a distância, testaríamos ferramentas, e daríamos tempo para as famílias e alunos se adaptarem enquanto a rotina normal não fosse restabelecida. Nada disso foi possível, e as soluções começarão a ser testadas na prática, já com o ano letivo em andamento.

Uma análise coordenada pela pesquisadora Carolina Campos e atualizada na última sexta-feira mostra primeiramente que todas as redes estaduais continuam com aulas suspensas, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, e das autoridades estaduais. Ainda que o presidente brasileiro esteja pressionado, de forma irresponsável, para que as escolas já retornem às atividades normais, vale lembrar que esta é uma realidade mundial. A Unesco estima que 87% das crianças e jovens já foram afetadas com suspensão de aula em 165 países devido ao Coronavirus.

Ainda de acordo com o levantamento, das 20 unidades da federação que responderam se já estavam planejando utilizar a educação a distância, metade respondeu que a decisão já estava tomada nesse sentido. As demais que responderam à pesquisa informaram que estavam ainda avaliando a possibilidade, ou em fase de regulamentação e preparação para isso.

Uma das decisões mais difíceis diante da incerteza do momento é o que fazer com os dias letivos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação exige um mínimo de 200 dias letivos, totalizando 800 horas de aula por ano. Em primeiro lugar, há dúvidas sobre se os dias em atividades virtuais poderão legalmente contar para esse cálculo. E, mais importante, há também a preocupação com os prejuízos com a aprendizagem, pois, ao menos na educação básica, o ensino a distância ainda não se mostrou capaz de substituir o presencial sem perdas para os alunos.

Há também a questão, já abordada aqui, do risco de se aprofundar desigualdades, não apenas pelo acesso diferenciado a tecnologias no Brasil, mas, principalmente, pelo fato de as capacidades das famílias de apoiarem os filhos no estudo em casa serem bastante distintas. O desengajamento desses estudantes pode resultar em aumento da evasão, especialmente entre jovens em situação mais vulnerável. É por isso que algumas redes no mundo têm orientado suas escolas a terem especial atenção a esses alunos - prestando inclusive atendimento individual na medida do possível - e a se preocuparem em enviar atividades a distância que não demandem muito de apoio dos pais em casa para serem executadas.

Não há dúvidas de que estamos diante do maior desafio global deste século, com reflexos profundos também na educação. O modo como lidaremos com os mais vulneráveis dirá o quanto realmente evoluímos como sociedade.
 
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Há dois anos, quando morava em Nova York graças a uma bolsa de estudos da Universidade Columbia, minha esposa fez um chiste no dia em que as aulas de nossos dois filhos foram interrompidas devido a uma nevasca na cidade. Disse ela: “você fica aí estudando educação, mas a grande função social da escola é não deixar os pais enlouquecerem com as crianças em casa. É quase uma questão de sobrevivência da espécie”. Quem sabe tudo isso que estamos vivendo nos faça valorizar ainda mais os professores.

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