Brasil

No pior período da pandemia, testagem na rede pública cai no país

Quantidade de exames realizados por laboratórios estatais em março é 10% menor que em dezembro; gestores cobram do Ministério da Saúde testes rápidos de antígenos como uma das formas de desafogar sistema à beira do colapso
Teste de Covid-19 no sistema drive-thru no Detran do Largo do Machado, Zona Sul do Rio Foto: Guilherme Pinto/28.11.2020 / Agência O Globo
Teste de Covid-19 no sistema drive-thru no Detran do Largo do Machado, Zona Sul do Rio Foto: Guilherme Pinto/28.11.2020 / Agência O Globo

BRASÍLIA - Enquanto os casos de Covid-19 voltaram a subir no país desde dezembro, numa escalada recorde que vem atingindo picos sucessivos, a quantidade de testes realizados nos laboratórios públicos caiu. Foram processados 1,8 milhão de exames em dezembro do tipo PCR, que faz o diagnóstico do vírus ativo no corpo, ante 1,6 milhão em março, quase 10% a menos do que naquele mês, segundo dados da própria pasta.

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A testagem no país está atravancada desde o início da pandemia. Todos os quatro ministros da Saúde do período da pandemia — incluindo o atual, Marcelo Queiroga — colocaram o tema como uma prioridade no controle da disseminação da doença, mas nenhum conseguiu alavancar de fato a estratégia. Estados e municípios, agora com sistemas de saúde à beira do colapso, cobram do governo federal a distribuição de testes rápidos de antígenos, capazes de identificar a infecção atual no organismo, tal como o PCR, mas com resultados em questão de minutos.

Esse tipo de teste, no entanto, é o menos processado na rede pública. Segundo dados apresentados pelo Ministério da Saúde em reunião transmitida no último dia 30, com secretários estaduais e municipais de Saúde, entre os testes rápidos já realizados no país, foram 14,1 milhões do tipo sorológico, que identifica apenas anticorpos produzidos por infecção anterior, e 8,4 milhões do tipo antígeno, que detecta o vírus — isso nas redes pública e privada.

O Ministério da Saúde tenta agilizar a aquisição de testes de antígenos com o auxílio da Organização Panamericana de Saúde (Opas). A cobrança dos gestores por mais exames desse tipo ocorre desde o ano passado, segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Carlos Lula.

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Ele explica que, com as unidades de saúde cada vez mais abarrotadas, é preciso ter um método de diagnóstico confiável só que mais rápido que o PCR, cujo resultado pode levar dias dependendo do nível de demanda sobre o laboratório.

— O teste de antígeno te dá o resultado em 15 minutos. E, diferentemente do teste rápido de anticorpo, que verifica se o organismo criou reação à doença, o de antígeno identifica a presença do vírus, como se fosse um "PCR rápido", com mais ou menos 90% de eficácia. Então, ele desafoga o sistema — afirma Lula.

O PCR segue sendo o teste padrão no país. Os volumes processados nos laboratórios públicos nos últimos meses, exatamente o período mais dramático da pandemia no Brasil, caíram de 1,8 milhão em dezembro para 1,7 milhão em janeiro, passando a 1,5 milhão em fevereiro, e alcançando 1,6 milhão em março.

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Queiroga admitiu ser necessário "ampliar as testagens" no país e lembrou de falhas recentes na administração dos suprimentos, ao falar em audiência pública na semana passada. Ele defendeu a adoção de exames mais "fáceis" de serem processados, na linha do que pedem os secretários de Saúde:

— Precisamos ampliar as testagens. Sabemos que houve problemas com testes que ficaram próximos do vencimento. Não podemos aceitar vencer testes, porque os recursos são exíguos, e essas políticas públicas precisam chegar na ponta. Novos testes que sejam mais fáceis e eficazes no diagnóstico precisam ser colocados para que a gente possa isolar as pessoas positivas bem como seus contactantes. É uma maneira de frear a velocidade da doença — afirmou o ministro.

A pasta informou ao GLOBO que há 2,6 milhões de testes do tipo PCR em estoque com vencimento em junho de 2021, havendo possibilidade de mais uma extensão do prazo por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que já tomou essa medida anteriormente. Outros 187 mil também vencem em junho, 50 mil em agosto e 72 mil em setembro.

Longe da meta

Há um ano, o então ministro da Saúde Nelson Teich anunciou que faria aquisição de 46,2 milhões de testes para detecção de Covid-19 a serem usados em 2020. Desses, 24,2 milhões seriam do tipo PCR (molecular) e 22 milhões de testes rápidos (sorologia).  A meta de ampliar a testagem continuou em voga quando o general Eduardo Pazuello assumiu a pasta, em maio de 2020, demitido recentemente.

Até o momento, no entanto, a pasta segue abaixo do objetivo estabelecido há um ano. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram adquiridos 22,8 milhões de testes RT-PCR; outros 772 mil foram doados. A quantidade distribuída foi ainda menor: 17,7 milhões para todos os estados. O volume processado, na rede pública, é de 13,2 milhões até o último dia 30 -- o que representa 54,5% da meta definida para 2020.

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Em relação aos testes rápidos, a pasta comprou somente 2 milhões de testes e cerca de 10 milhões foram obtidos por doação. O montante enviado aos estados é de 9,3 milhões de unidades. O ministério não deu dados desagregados entre rede pública e privada para os testes rápidos já processados, afirmando que o total é de 22,6 milhões.

Além do pedido por testes rápidos de antígenos, os gestores querem que haja busca ativa por parte das equipes de Saúde da Família na população, já que uma estratégia ampla de testagem não pode ficar restrita aos pacientes que chegam à rede de saúde com sintomas.

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— Pedimos (ao ministro) testes antígeno que permitem detectar mais cedo se (a pessoa) tem coronavírus e apoio para atenção básica para busca ativa pelas equipes do Programa de Saúde da Família no Brasil inteiro, indo de casa em casa, e com a triagem dos contatos (de casos confirmados) para isolamento. (Isso é) muito importante, mas não substitui medidas de restrição que permitem tirar o máximo possível de pessoas de circulação — disse o governador do Piauí e representante do Fórum de Governadores, Wellington Dias.

Os governadores têm cobrado do ministro orientações nacionais a respeito de medidas de isolamento. Queiroga afirmou, no último sábado, que "evitar lockdown é a ordem". O ministro vem pregando uso de máscaras, higienização das mãos, evitar "aglomerações fúteis", entre outras medidas de distanciamento, mas evita falar em isolamento. A oposição ao isolamento é uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro.