Nº de nem-nem deve cair mais por demografia e tendência do mercado: ‘Vai faltar jovem’

Taxa dos que não estudam nem trabalham chega a 19,8%, o menor valor desde 2019; especialistas apontam necessidade de preparar jovens para novas demandas do trabalho

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Por Roberta Jansen
Atualização:

O pico do número de jovens que não trabalham nem estudam foi no segundo trimestre de 2020, auge da pandemia, na avaliação do economista Marcelo Neri. Embora o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não tenha ido a campo naquele ano, pelas projeções de Neri a taxa chegou a 29,9%.

“Essa inserção dos jovens no mercado tinha piorado muito até antes da grande recessão. Houve recuperação, mas tudo piorou novamente na pandemia”, diz Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Agora a tendência é de inserção cada vez maior.”

Cursos técnicos são vistos como uma das saídas para conectar jovens às demandas do mercado de trabalho Foto: Alex Silva/Estadão

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Pelos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua do IBGE divulgada nesta sexta-feira, 22, de fato, o porcentual de jovens que não estuda nem trabalha, os nem-nem, chegou ao seu menor valor em cinco anos: 19,8%.

Pelas contas do IBGE, o número de jovens dos 15 aos 29 anos no Brasil se mantem mais ou menos estável desde 2003, num patamar de 50 milhões de indivíduos. “A tendência até o fim deste século, no entanto, é que esse número caia pela metade”, afirma Neri.

“Ou seja: pelas nossas projeções, vai faltar jovem. Isso é uma péssima notícia para o País, mas uma boa notícia para os mais jovens, que serão disputados pelos empregadores. Essa tendência já se reflete nessa porcentual de nem-nem que chegou ao menor nível da série”, acrescenta Neri

Presidente do Instituto Singularidades, Claudia Costin também vê avanços de acesso à educação. “Para além da questão demográfica, a inserção no ensino médio está aumentando. Tirando o período da pandemia, vem aumentando ainda que lentamente”, afirma.

“Isso impacta na redução do número de jovens fora da escola”, acrescenta ela, ex-diretora de Educação do Banco Mundial.

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O número razoavelmente estável de jovens pelas últimas duas décadas se explica pela redução do número de filhos por mulher e também pelo aumento da expectativa de vida. No entanto, diz Neri, até o fim deste século, o número de jovens não deve ultrapassar os 25 milhões.

“O problema é que essa mudança demográfica no Brasil é muito rápida; só perde para a China”, afirma o economista. “Hoje, o número de jovens está mais ou menos dentro da média internacional, mas até o fim do século o País terá muito poucos jovens.”

Outra forma de manter um porcentual mais alto de jovens na população é a imigração, como lembra Neri. Em geral, o imigrante é um indivíduo mais jovem.

No entanto, o porcentual de entrada de imigrantes no País é muito baixa, de apenas 0,3% ao ano, muito inferior às taxas da Austrália (20%) ou dos EUA (15%), por exemplo.

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Especialistas também apontam a necessidade de adaptar cursos técnicos e graduações para as novas demandas do mercado, que vê transformações impulsionadas pelos avanços tecnológicos e pelas mudanças climáticas.

“Segundo estudo recente da Universidade de Oxford, com a automação acelerada, vamos perder três bilhões de postos de trabalho em todo o mundo até 2030″, diz Cláudia. “Logicamente, outros postos serão criados, mas vão demandar muito mais competências complexas. Ou seja, teremos menos jovens sim, mas também menos postos de trabalho. O desafio será prepará-los melhor”, destaca.

Reforma do ensino médio e avanço do técnico são desafios

Jovens de 18 a 24 anos são aqueles que idealmente estariam frequentando o ensino superior, caso completassem a educação escolar básica na idade adequada. Contudo, o atraso e a evasão estão presentes no ensino médio e, em menor proporção, no fundamental. Consequentemente, muitos jovens já não frequentam mais a escola e alguns ainda frequentam as etapas da educação básica obrigatória.

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O abandono escolar é um dos principais gargalos da educação no País. Na tentativa de frear esse problema, o governo federal lançou este ano o programa Pé-de-Meia, que prevê auxílios para que os jovens continuem nas salas de aula durante o ensino médio.

Especialistas, porém, alertam que essa não pode ser a única ou principal política antievasão. Prova disso é que aproximadamente 43% dos que abandonaram a escola o fizeram ainda no fundamental.

O ensino médio é a UTI”, em termos de estratégia de reter os jovens na escola, disse em entrevista recente a superintendente do Itaú Educação e Trabalho, Ana Inoue, após apresentar pesquisa sobre o tema. Segundo ela, é preciso considerar toda a trajetória escolar, olhando para a aprendizagem e para o desejo e necessidade dos jovens em ter profissão.

Após um impasse entre o governo e o Congresso, nesta semana Câmara aprovou a revisão da reforma do ensino médio, apontada pelos especialistas como crucial para melhorar a aprendizagem e aumentar a conexão da escola com a realidade dos jovens. Um dos objetivo da mudança é flexibilizar o currículo da etapa e permitir maior integração com a educação profissional e técnica.

Nações desenvolvidas, no topo das avaliações internacionais de educação, investem fortemente no ensino profissional junto do médio. No Brasil, só 10% dos alunos cursam o técnico, ante 68% na Finlândia e 49% na Alemanha.

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