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Antônio Gois
Antônio Gois, colunista Foto:  

No Brasil, só 2% dos alunos mais pobres têm bom desempenho acadêmico

Dados da OCDE mostram que a proporção dos chamados 'resilientes' fica abaixo de países com realidades socioeconômicas similares, como Chile e México

No Brasil, apenas dois em cada cem alunos que se encontram entre os 25% mais pobres da população conseguem obter no Pisa (exame que compara o desempenho de jovens de 15 anos em mais de 70 nações) níveis de aprendizado em matemática, ciências e leitura adequados. O dado consta de um relatório divulgado há duas semanas pela OCDE, entidade que organiza o exame. O estudo, que teve pouca divulgação no Brasil, comparou em cada país a proporção de alunos “resilientes”, chamados assim porque, apesar da origem socioeconômica desfavorável, conseguem ter bom desempenho acadêmico.

O foco do estudo não estava em entender o que fazem individualmente esses estudantes, mas sim fatores que poderiam explicar, no âmbito da escola ou do sistema educativo de cada país, o que contribui para elevar a chance de um aluno desses ser bem-sucedido.

O percentual do Brasil, como era de se esperar, é baixo em comparação com os países de melhor desempenho. Na média da OCDE, a proporção de “resilientes” é de 25%, chegando a 40% ou mais em nações como Canadá, Japão ou Singapura. O dado não surpreende, primeiro porque sabemos que o nível socioeconômico das famílias tem forte impacto no aprendizado, e segundo porque, aqui, o percentual de alunos com alto desempenho é pequeno até mesmo entre estudantes de elite.

No entanto, olhando apenas para países com realidades mais próximas (tanto culturalmente quanto em termos de gasto por aluno), o relatório indica que nações como o Chile (7% de alunos “resilientes”) e o México (4%) apresentam desempenho melhor que os 2% verificados no Brasil.

Mais importante do que simplesmente comparar percentuais é atentar para os fatores identificados no estudo associados a uma maior taxa de sucesso entre esses estudantes. O principal deles é o clima escolar. Estudar em escolas onde a indisciplina é menor foi um fator de muito maior impacto positivo do que, por exemplo, o número de computadores por estudante, o tamanho médio da sala de aula ou a existência de atividades extracurriculares.

A indisciplina, como sabemos, é um problema grave no Brasil. Na semana passada, citei na coluna um estudo dos pesquisadores Luciano Campos da Silva e Daniel Abud Matos, publicado na revista de Estudos e Avaliações Educacionais da Fundação Carlos Chagas, que investigava, também a partir de dados do Pisa, fatores associados a maiores níveis de indisciplina nas escolas brasileiras. O argumento dos autores é que tendemos a olhar apenas para as características dos alunos ou das famílias na hora de explicar os motivos do problema. No entanto, variáveis que têm a ver mais com o que se passa dentro da escola, como taxas de reprovação, também contribuem para agravar o problema. O estudo não nega que a origem familiar é um fator a ser considerado, mas sugere que precisamos debater sobre o que acontece na escola antes de jogar toda a culpa do problema nos estudantes e suas famílias.

O relatório da OCDE, ao analisar os dados do conjunto de países analisados, também identifica algumas características da escola altamente relacionadas a um melhor clima disciplinar. Em colégios onde há menor rotatividade de professores, por exemplo, esses indicadores são mais negativos. Uma das hipóteses citadas para explicar isso é o fato de trocas constantes de docentes dificultarem o estabelecimento de relações de confiança entre eles e os alunos. Mas, neste caso, podemos estar diante de um típico caso em que às vezes os níveis altos de indisciplina num ambiente acabam impactando na decisão de profissionais de saírem da escola, criando assim um ciclo vicioso.

O estudo da OCDE não sugere que é simples combater a indisciplina, nem que bastaria resolver esse problema para que os alunos mais pobres realizassem todo o seu potencial acadêmico. Temos ainda um longo caminho a percorrer para garantir, principalmente aos estudantes que mais precisam, o direito de estudar num ambiente seguro e propício ao aprendizado.

antonio.gois@jeduca.com.br

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