Economia

No Brasil, quem tem diploma ganha mais que o dobro do trabalhador com ensino médio

País é o que tem maior taxa de empregabilidade e retorno salarial para quem concluiu faculdade, na comparação com países da OCDE
A professora Jéssica Sant'Ana Britto conseguiu, através do curso superior, ter uma ascenção social Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
A professora Jéssica Sant'Ana Britto conseguiu, através do curso superior, ter uma ascenção social Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

RIO — O Brasil é o país onde cursar o ensino superior aumenta mais as chances de empregabilidade e de ter salário maior. É o que mostra comparação feita pelo IBGE de dados brasileiros com os das nações que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Enquanto uma pessoa com o diploma universitário no Brasil ganha 2,5 vezes mais do que alguém com ensino médio, a média na OCDE, para um conjunto de 46 países (36 membros + 10 afiliados), era de 1,6 vezes mais. Os dados são do relatório Um Olhar sobre a Educação, do organismo internacional, e integram a Síntese de Indicadores Sociais 2018, divulgada nesta quarta-feira pelo IBGE.

— O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e isso se reflete no mercado de trabalho — analisa Betina Fresnada, coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE.

Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que esse abismo pode ser explicado por três fatores. O primeiro deles é estrutural: o emprego, no Brasil, é bastante concentrado nos serviços, setor que exige pouca qualificação e tem um alto nível de informalidade. Logo, emprega muita mão de obra com ensino médio a baixos salários. O segundo é a deficiência da qualidade do ensino médio, pouco voltado para a formação para o mercado de trabalho, o que também desvaloriza os salários de ocupações que exigem essa qualificação. O terceiro trata-se de uma lógica de mercado. Como o grupo de pessoas com ensino superior é relativamente pequeno, são profissionais mais valorizados.

- O grande problema é que dentro do grupo dos que têm ensino superior a desigualdade também é grande porque a qualidade do ensino não é uniforme. Universidades públicas e algumas poucas privadas bem conceituadas concentram a minoria dos alunos. E são eles quem terão os salários mais altos em relação aos que estudaram nas demais - complementa Cara.

Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social e estudioso do tema, essa desigualdade, além de gigantesca, tem se mostrado imutável. O prêmio médio da educação para o Brasil - que é quanto um ano médio a mais de estudo impacta a renda média - caiu nos últimos 20 anos no país. Exceto para quem tem nível superior.

- Subiu bastante nesse período o quanto a mais a pessoa que fez ensino superior vai ganhar em relação a quem tem o ensino médio - diz Neri.

A professora de matemática Jéssica Sant'Ana Britto, de 28 anos, viu a vida mudar para melhor ao concluir faculdade. Filha de uma costureira que a criou sozinha, passou por muitas privações financeiras. Foi a primeira pessoa da família, do lado materno, a ter diploma universitário.

Nunca perdeu o foco: tinha certeza que os estudos a levariam muito mais longe que a mãe, que não passou do 6° ano do atual ensino fundamental. Como grande parte dos estudantes de áreas de conflito, tiroteios a fizeram perder dias de aula no ensino médio, cursado em uma escola da comunidade Cesarão, no Bairro Santa Cruz. Compensou com o curso de pré-vestibular gratuito SerCidadão, que em 13 anos de existência já colocou 400 pessoas nas universidades. No ano posterior à formatura, passou em concurso público para ser professora da rede estadual.

- Eu e minha mãe passamos a ter estabilidade financeira, ela pode largar o emprego para cuidar dos meus avós e isso não me traz sobrecarga financeira. Além disso, consigo viajar duas vezes por ano. É uma realidade muito diferente da maioria das pessoas que estudou comigo, que não foi além do ensino médio - conta Jéssica, moradora de Paciência, Zona Oeste do Rio.

Esse abismo salarial, no entanto, não tem peso elevado sobre a desigualdade total de renda do país, em razão do grupo de universitários ser pequeno, na avaliação do diretor da FGV. De acordo com a pesquisa do IBGE, menos da metade (43%) dos brasileiros com ensino médio ingressou no ensino superior.

Para Neri, diminuir essa distância passa por aumentar a qualidade do ensino médio, tornando-o mais voltado à preparação para o mercado de trabalho:

- O problema é que toda a estratégia para o ensino médio é voltada para chegar à universidade, desprezando o ensino técnico, que dá bom retorno.O estudante é visto somente como um futuro universitário. Como se não tivesse outra opção. Mas só uma pequena parte vai para o ensino superior.

Para Jéssica, a possibilidade de cursar a universidade trouxe ganhos que vão muito além do financeiro:

- Muitas pessoas que moram em bairros periféricos, como eu, se sentem inferiores, não querem frequentar a Zona Sul (do Rio) porque entendem não pertencer àquele lugar. O fato de eu ter estudado na UERJ (Bairro Maracanã, mais de 50 quilômetros distante de onde mora) me fez ganhar confiança e conhecimento de mundo. Você adquire cultura, informação e cidadania.

Ensino médio em escola privada dá vantagem

Com relação às chances de acesso à universidade, leva vantagem quem se forma em escola privada. De acordo com a pesquisa, de cada dez adolescentes que concluem o ensino médio em escola particular, 8 entram no ensino superior. Entre os estudantes que se formaram na rede pública, essa relação cai para menos de 4 (3,6).

- Pessoas de nível socioeconômico mais alto tendem a ter um maior grau de escolarização e, quase metade do desempenho educacional de uma pessoa pode ser explicado pelo dos pais. São essas pessoas que, majoritariamente, frequentam escolas privadas. Além disso, os pobres geralmente estão inseridos num contexto de violência, perdem dias de aula por conta de tiroteios nas comunidades onde moram, e em escolas com problemas de infraestrutura e qualidade dos professores.

Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que, com a política de cotas (socioeconômicas e raciais) a tendência, com o passar dos anos, é essa diferença diminuir.

Os números divulgados pelo IBGE, por meio da Síntese, mostram que, de 2009 a 2016 a proporção de matrículas por cotas no ensino superior público mais do que triplicou. Em 2009 representavam 1,5% do total de inscritos. Esse percentual subiu para 5,2% sete anos depois.

Afazeres domésticos impedem mulheres de estudar

O mercado de trabalho é o principal motivo para jovens não estudarem. Na população com ensino médio completo e incompleto, os homens não estudavam principalmente por precisarem trabalhar, procurar trabalho ou aguardar início do trabalho (52,5% no primeiro grupo e 48,9% no segundo).

Esse motivo também se mostrou relevante para as mulheres (23,2% e 33,6% respectivamente), mas há um percentual consideravelmente maior delas que não estudavam devido à dedicação aos afazeres domésticos e cuidados. Esse motivo concentrou 39,5% das jovens sem ensino médio e 14,7% das jovens com ensino médio que não haviam concluído o ensino superior.

Aumento da escolaridade é lento

A pesquisa do IBGE também mostra que o ritmo de incremento do acesso ao ensino superior foi lento e insuficiente para garantir o aumento da escolaridade da população brasileira. Ela ainda está abaixo do que já foi alcançado pela maioria dos países analisados no relatório da OCDE.

No Brasil, a proporção de pessoas de 25 a 64 anos com pelo menos o ensino superior, em 2017, era de 17%, enquanto esse mesmo indicador para países membros da OCDE era de 30,3%, em média.

Mesmo para um grupo etário mais jovem, a distância entre o Brasil e a média dos países da OCDE permanece elevada. O percentual de pessoas de 25 a 34 anos com ensino superior completo em 2017 era de 19,7% no Brasil, praticamente a metade do percentual médio da OCDE (36,7%).

Com relação ao acesso à pré-escola, o Brasil está perto da média dos países da OCDE. A proporção de crianças com 4 anos de idade frequentando escola ou creche no Brasil era de 87,1% em 2017. Na comparação com países da organização, fica imediatamente abaixo da média (88%), ocupando o 27º lugar entre 35 países, à frente de Chile, Finlândia e Estados Unidos, por exemplo.