Economia

No Brasil, metade da população adulta não concluiu o ensino médio

Entre os jovens de 15 a 29 anos, 23% não estuda nem trabalha: são 10,9 milhões nesta situação
Atraso escolar e pobreza estão entre as razões para evasão Foto: Pedro Teixeira / Pedro Teixeira/05-09-2018
Atraso escolar e pobreza estão entre as razões para evasão Foto: Pedro Teixeira / Pedro Teixeira/05-09-2018

RIO — O governo do presidente Jair Bolsonaro já sinalizou o seu interesse em ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) , assim como aproximar seus indicadores aos do grupo. No entanto, quando o assunto é educação ainda há um abismo entre os dados brasileiros e os dos países que integram a OCDE.

De acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais , divulgada nesta quarta-feira pelo IBGE , no Brasil,  um em cada quatro jovens  não estuda nem trabalha. Trata-se de um contingente de 10, 9 milhões de brasileiros, entre 15 e 29 anos, o que corresponde 23% das pessoas nessa faixa etária. Esse resultado coloca o país na quinta pior colocação entre 41 países analisados pelo levantamento anual da OCDE, cuja média, para esse indicador, é 13,2%.

No Brasil: Crise empurra 4,5 milhões para extrema pobreza, que bate recorde

Em dois anos houve um incremento de mais 510 mil jovens entre a população de menor renda dentro deste perfil.

— O impacto de um jovem que não estuda e nem trabalha é enorme. O primeiro risco é a exposição às questões de violência. Além disso, há um custo social, uma vez que ele deveria estar contribuindo para o desenvolvimento econômico e social país. Essa ociosidade é o pior dos cenários — afirma Mozart Neves, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna.

O levantamento do IBGE mostra ainda que 49% da população brasileira entre 25 e 64 anos não havia concluído o ensino médio, em 2017, contra 17% entre os países do grupo. Nos Estados Unidos, essa taxa é de 9,4%. Já na vizinha Argentina, de 34,5%.

A taxa ainda é maior se isolada a população preta ou parda: 61,2% não cluíram o ensino médio, contra 45,6% dos brancos. Quanto mais pobre, maiores são as chances de um indivíduo não terminar o ensino básico. O índice entre a base da pirâmide econômica é de 76,8% contra 25,2% entre os mais ricos.

Viu isso? Redução do número de vagas com carteira assinada faz desigualdade crescer e voltar a nível de 2007

A relação entre escolaridade e espaço no mercado de trabalho é direta, quanto menos estudo, menor a chance de conseguir uma colocação profissional, segundo a economista Lena Lavinas, membro da escola de ciência social do Instituto de Estudos Avançados de Princeton:

— Quem só tem o ensino médio já tem muita dificuldade de ser contratado. Com o panorama de desemprego que o Brasil enfrenta hoje, gente mais qualificada acaba ocupando posições que exigem menos capacitação. Sem a educação básica completa, o desafio é ainda maior.

Esse é o efeito percebido na trajetória da carioca Fernanda Dias, de 28 anos. Após repetir o primeiro ano do ensino médio, na época, com 16 anos, começou a trabalhar para ajudar nas contas de casa. A vontade de retomar os estudos, anos depois, foi interrompida pela notícia da gravidez.

— Quando você começa a receber um salário todo mês, voltar para a escola deixa de ser atrativo. Depois não consegue mais conciliar casa, família e estudos. Antes o salário dava pra viver, ainda que de forma simples. Hoje seria difícil contar só com o mínimo, mas não acho que conseguiria algo melhor — diz Fernanda, moradora de Sepetiba, zona oeste do Rio de Janeiro, que parou de trabalhar após o nascimento da filha de três anos.

Os custos da casa ficam por conta do marido que trabalha como vigilante noturno, em uma rede de supermercados. A complementação de renda vem através de serviços como auxiliar de limpeza que Fernanda presta esportadicamente. Sem concluir a educação básica, a jovem conta que é mais difícil encontrar uma vaga de emprego:

— Desde que minha filha completou uma idade melhor para ir pra creche eu tento encontrar um emprego, mas sem o ensino médio, não recebo nem ligação quando deixo currículo. É o mínimo que eles pedem, né? Eu vejo gente que fez faculdade em caixa de supermercado. Sem terminar a escola, que vaga vai sobrar pra mim?

Está nos planos da família matricular a criança em uma creche para que Fernanda volte a estudar.

— No ano que vem, pretendo matricular minha filha numa escola e, quem sabe, volto para terminar no ensino de jovens e adultos. Além de conseguir uma base para dar mais conforto para minha filha, pretendo incentivar ao máximo para seguir com os estudos, para que ela não passe pelas mesmas dificuldades que eu.

Para a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV/EBAPE, Claudia Costin, a baixa escolaridade é, muitas vezes, o fator primordial para criar este cenário.

— Dentro do senso comum acha-se que quem se encontra nesta situação é porque não quer correr atrás, mas muitas vezes o despreparo é muito grande. O indivíduo quando termina o ensino médio, muitas vezes possui atraso escolar. As oportunidades em atividades da economia paralela, como tráficos e milícias, acabam atraindo esses jovens que em sua maioria são de baixa renda — afirma Costin.

Pobreza e atraso escolar levam à evasão

Os dados do IBGE mostram, no entanto, que houve um avanço geracional nos indicadores de educação. O percentual de não conclusão do ensino médio vêm caindo: é de 71%, entre quem tem mais de 65 anos; de 42%, para a faixa etária entre 35 e 44 anos; e de 17,2% entre os brasileiros com idades de 25 a 34 anos.

Segundo a síntese do IBGE, a evasão está diretamente relacionada ao atraso escolar. A incidência de estudantes que não frequentam a série em idade prevista atinge seu maior valor entre jovens de 15 a 17 anos, alcançando percentual de 23%. Já o índice de abandono escolar é mais alto na faixa etária de 18 a 24 anos, quando chega a 63,8%.

Na avaliação de Mozart Neves, a reversão desse quadro depende de políticas públicas que ampliem o atendimento escolar em tempo e qualidade:

— Acredito que uma política consistente de uma escola de tempo integral é algo que pode muito reduzir a questão da desigualdade. Não só do ponto de vista da melhoria do rendimento escolar, como da evasão. Uma escola de boa qualidade em tempo integral é um fator determinante para que o jovem possa sonhar — diz Neves.

Renda: Bolsa Família vira novo seguro-desemprego e cresce em cidades ricas

A pobreza também está diretamente relacionado ao abandono da escola. Os dados mostram que cerca de 11,8% dos adolescentes, entre 15 e 17 anos de idade, que estavam entre os 20% mais pobres da população abandonaram a escola sem concluir, sequer o ensino básico. Esse percentual é oito vezes maior que o desse mesmo grupo etário entre os 20% mais ricos (1,4%).

De acordo com os especialistas, cada ano de escolaridade tem um impacto de 11% a mais na renda de um indivíduo. Apenas 16,5% da população brasileira de 25 anos ou mais de idade tem graduação completa.