A pandemia teve um efeito devastador sobre a educação e a empregabilidade dos jovens brasileiros. E o impacto no Brasil foi maior do que na média global. Os chamados 'nem-nem' – que não estudam nem trabalham – chegaram a 34,1% da população entre 18 e 24 anos em 2020, no auge da Covid.
O patamar recuou no ano passado, para 31,1%, ainda assim acima do registrado pré-pandemia e no maior nível desde 2016. Os números fazem parte da Síntese dos Indicadores Sociais, pesquisa divulgada pelo IBGE nesta sexta-feira. Também entre os jovens de 25 a 29 anos, a parcela dos que não estudam nem trabalham é alta: 29,4%.
O IBGE considera os jovens fora da escola que estão desempregados (ou seja, em busca de uma ocupação) e também os que estão fora da força de trabalho (ou seja, nem estão à procura de uma vaga).
E destaca que o indicador de nem-nem é um retrato melhor da vulnerabilidade juvenil do que simplesmente a taxa de desemprego entre jovens, “pois abrange aqueles que não estavam ganhando nem experiência laboral nem qualificação, possivelmente comprometendo suas possibilidades ocupacionais futuras”.
- Reforma da Previdência: Governo Lula quer mudar pensão por morte e aposentadoria por invalidez
Efeito pandemia
Os números do IBGE mostram também que o impacto da Covid sobre a educação e a ocupação dos jovens foi maior no Brasil do que na média dos países da OCDE, grupo que reúne economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Entre os brasileiros, a parcela dos nem-nem de 18 a 24 anos subiu de 29,3% para 34,1% de 2019 para 2020. Na média da OCDE, a alta foi bem menor, de 14,4% para 16,1.
“Nesses casos, os jovens conseguiram aproveitar o primeiro ano da pandemia para estudar”, destaca o IBGE. Além disso, em relação aos demais 19 países membros ou parceiros da OCDE, apenas África do Sul e Colômbia tinham em 2020 parcela de jovens nem-nem superior à brasileira, respectivamente de 45% e 34,5%.
Na avaliação de João Hallak Neto, pesquisador do IBGE, a recuperação lenta do mercado de trabalho ao longo de 2021 dificultou a absorção de jovens:
— O mercado de trabalho deixou muito a desejar em 2021, com taxas ainda muito elevadas de desocupação e subutilização. Tudo isso afeta as ocupações de forma geral e, naturalmente, essa parcela da população jovem.
Betina Fresneda, pesquisadora do IBGE, lembra que o tema dos jovens que não estudam e que estão fora do mercado de trabalho ganhou uma relevância internacional nos últimos anos, sendo parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
— É uma preocupação para todos os países os jovens que ficam sendo um estoque de pessoas que perderam o bonde da qualificação e não entraram no mercado de trabalho.
No caso do Brasil, que possui um histórico de exclusão principalmente de jovens mais vulneráveis do sistema educacional, há um desafio maior que ajuda a explicar o patamar elevado de jovens nessa condição nos últimos anos, diz a analista:
— A nossa universalização do ensino fundamental foi tardia e a do ensino médio não foi atingida, inclusive, é uma meta do Plano Nacional de Educação. Existe um desestímulo do jovem brasileiro de não seguir estudando. E são jovens que tem a ver com um perfil estrutural que é de desigualdade de gênero. Isso faz com que as meninas representem um percentual maior de jovens nessa situação [sem trabalho e sem estudo]. Elas também estão numa situação em que estão fora da força de trabalho — completa Betina.
As jovens negras são a imensa maioria entre os nem-nem do Brasil. Considerando um universo mais amplo, que vai de 15 a 29 anos, 25,8% dos brasileiros não estudam nem trabalham. São 12,7 milhões nessa situação. Desses, 5,3 milhões eram jovens negras e 2,6 milhões eram mulheres brancas. Os homens pretos e pardos eram 4,7 milhões e os brancos, 1,6 milhão.
Em termos de política pública, avalia Para Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral, é preciso focar naqueles que poderão se tornar em breve os novos nem-nem:
— É preciso oferecer bolsas de apoio para a fixação dos mais vulneráveis na escola. Com um Cadastro Único funcionando, já se poderia filtrar esses estudantes, essas famílias. E dar não apenas essa bolsa periódica, mas também um prêmio pela conclusão do ciclo de formação para garantir uma melhor transição para o mercado de trabalho.
Janaína Feijó, economista do FGV Ibre, afirma que há uma série de desdobramentos quando esses jovens têm seu conhecimento desperdiçado. Além de fazer com que a produtividade por trabalhador continue baixa no país, a tendência é que essa condição de não-estudo e não-ocupação acentue desigualdades sociais, levando o jovem a depender mais do aparato do estado para garantir direitos sociais:
— Tem ainda um caráter intergeracional, porque esse jovem vai transmitir essa condição socioeconômica para as próximas gerações. É importante que a política pública mitigue esse fenômeno, com programas de qualificação que estejam alinhados com o mercado de trabalho.
Dados da Pnad Contínua do IBGE, compilados por Janaína Feijó e Paulo Peruchetti, pesquisadores do FGV Ibre, apontam que 26% dos jovens de 18 a 24 anos não estudavam nem trabalhavam no terceiro trimestre deste ano. Quando observada a faixa de 25 a 29 anos, este percentual é de 23,1%. Apesar de aparente melhora, Janaína ressalta que trata-se de cerca de um quarto da população brasileira nesta faixa etária:
— É bastante preocupante porque isso vai ter uma repercussão lá na frente. Provavelmente esses indivíduos vão para o segmento informal, com ocupações de baixo valor agregado e baixa remuneração. Isso repercute na qualidade de vida desse indivíduo e vira uma bola de neve.