Ricardo Henriques
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Por Ricardo Henriques


A miséria que assola o mundo já era preocupante antes da pandemia, quando 249 milhões de crianças com menos de 5 anos em países de baixa e média renda estavam em situação de pobreza, correndo o risco de não atingirem seu pleno desenvolvimento. Essa estimativa é de artigo publicado em 2022 na revista científica The Lancet.

No Brasil, entre 2020 e 2022, a fome dobrou entre as famílias com crianças de até 10 anos de idade, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, produzido pela Rede PENSSAN. Hoje, a fome alcança 33 milhões de brasileiros e retornamos ao Mapa da Fome da ONU.

Essa situação é alarmante por se tratar da violação de direitos básicos com risco de morte e tem implicações duradouras, uma vez que a fragilização da infância repercute pelo resto da vida das crianças, de seus familiares e da sociedade. Sabemos que este é um problema estrutural no Brasil, e não serão apenas ações pontuais que nos colocarão em trajetória sustentável da sua redução.

James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, indica que cada dólar investido pelo governo em uma criança na primeira infância trará um retorno de cerca de US$ 7 até ela completar 50 anos. Isso significa um aumento expressivo na escolaridade ao longo da vida, na renda durante a fase adulta, além da redução dos custos com educação, saúde e segurança. Segundo o pesquisador, é o melhor investimento no desenvolvimento humano, pois garante, concomitantemente, equidade e eficiência.

Intervenções nos primeiros seis anos de vida têm efeito de longo prazo sobre os indivíduos, pois esta é uma etapa fundamental para o desenvolvimento motor, cognitivo e socioemocional das pessoas. É neste período, de transformações neurológicas cruciais, que se formam as bases dos comportamentos sociais e afetivos.

No entanto, investimentos na primeira infância exigem uma abordagem multissetorial, que supere a visão fragmentada típica das políticas desintegradas. É a partir dessa perspectiva integral da criança – da pessoa –, que a política de desenvolvimento infantil se operacionaliza por meio de um conjunto articulado de ações das políticas setoriais tradicionais, como educação, saúde e assistência social.

A falta desta integralidade – que inclui acesso a saúde, nutrição adequada, estímulos, amor e proteção contra o estresse e a violência – pode impedir o desenvolvimento pleno da criança.

Desde a redemocratização fomos capazes de produzir avanços significativos nesta área. Entre os mais recentes está a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância em 2016. Trata-se de instrumento fundamental, baseado em evidências científicas, que estabelece princípios e diretrizes norteadores das políticas públicas para esta faixa etária.

Há também experiências exitosas no atendimento às crianças, como o Programa Família Que Acolhe, realizado em Boa Vista, Roraima. Não obstante, a formulação e a implementação de políticas multissetoriais de primeira infância ainda são raras no país.

Políticas de primeira infância não podem se restringir ao atendimento na escola, mas este é um equipamento público fundamental. Em recente pesquisa apoiada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, os pesquisadores Tiago Bartholo e Mariane Koslinski compararam grupos de crianças de Sobral, Ceará, que vivenciaram o atendimento presencial pré-pandemia com grupos que tiveram só atividades remotas durante a pandemia.

O estudo mostrou que a interrupção das atividades presenciais nas escolas e o isolamento social impactaram brutalmente o desenvolvimento motor, a linguagem, as noções de matemática e a qualidade das interações sociais, sobretudo entre as crianças mais pobres.

A pandemia agravou todas as mazelas do quadro socioeconômico brasileiro. No quadro de crescimento acelerado da fome e da inflação, o Governo Federal reforça este cenário punindo ainda mais as crianças ao manter

congelados os repasses a estados e municípios do Programa Nacional de Alimentação Escolar e, pior, reduzindo ano a ano seu orçamento.

Políticas de primeira infância, bem desenhadas e implementadas com a competência técnica e a capacidade de articulação federativa requeridas, não resolverão sozinhas o problema, mas têm importante contribuição a dar nesse esforço que precisa ser de todos. Mas a omissão ou a continuidade do desmonte vão cobrar um custo altíssimo de todos nós no futuro próximo.

*Ricardo Henriques, economista, é superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral

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