Por Isabella Lima, g1 Santos


Edna e Israel relatam trajetória para serem destaque nas empresas — Foto: Arquivo Pessoal

Eles são negros e estão em cargos de liderança em organizações importantes. Além de terem essas características em comum, durante a formação acadêmica, também viram poucas pessoas negras no ambiente universitário, o que já consideram uma das maiores barreiras para terem representatividade em cargos de chefia nos setores em que atuam.

Nascida em Aracaju, capital do Estado de Sergipe, Edna Bonfim dos Santos Domingos, de 55 anos, é a única pessoa da família a ter formação acadêmica, e a primeira mulher negra na diretoria da Proteção Básica Social de São Vicente, no litoral paulista. Ela se formou aos 41 anos e, em entrevista ao g1, relatou que, na sala da faculdade, de 35 alunos, apenas três eram negros. "Desses três, dois eram bolsistas", afirma.

Filha mais velha entre três irmãos e bisneta de escravos, Edna relata que sempre teve muita responsabilidade, já que, desde pequena, ajudava em casa para que a mãe pudesse trabalhar fora. Aos 9 anos, mudou-se com a família para Santos. Ela era dedicada aos estudos, mas tinha dificuldades para fazer amigos, devido à timidez e ao bullying que sofria por ser negra e ter sotaque nordestino. “Minha mãe acreditava que ser negra era ruim, então, cresci achando isso, também. Ela sempre me dizia: 'lembre-se que você é negra, então, se ponha no seu lugar'”, conta.

Na juventude, ela trabalhava de dia e estudava à noite. Do serviço, ia direto para a faculdade. "Normalmente, eu não tinha nem o que comer, porque o que ganhava só dava para pagar o aluguel de casa. Meu Ensino Fundamental fiz no público, e no Ensino Médio, minha mãe conseguiu me inscrever em uma bolsa de estudos, porque eu era boa de matemática, então, fiz curso técnico de eletrônica. Mas, nunca tive a oportunidade de pagar por um curso".

Edna é a primeira mulher negra na diretoria da Proteção Básica Social de São Vicente, SP — Foto: Arquivo Pessoal

No último ano de curso, ela conseguiu um estágio em uma loja de assistência técnica de computadores, sendo a única mulher a trabalhar no estabelecimento. Após dois anos trabalhando, recebeu o convite para assumir a administração, mas, pouco tempo depois, a loja fechou as portas.

Nos anos seguintes, trabalhou como secretária na igreja que frequentava, vendeu lóculos em um cemitério e trabalhou em um estacionamento. Mas, sempre sonhou em poder ajudar pessoas que, como ela, vinham de famílias simples e não tinham tantas oportunidades. Por isso, desejava cursar assistência social, contudo, sem condições financeiras, achava que nunca teria essa conquista.

Quando tinha 34 anos, recebeu o convite de uma amiga para trabalhar em uma rede de supermercados que, como incentivo, dava bolsas de estudo de até 50% para seus funcionários. Edna prestou vestibular, foi aprovada e, em 2003, começou a faculdade.

“Algum tempo depois que comecei a faculdade, troquei de emprego, porque passei em um concurso, e perdi a bolsa. Estava com muitas dívidas e pensei em desistir, mas antes resolvi pedir uma nova bolsa de estudos para a faculdade. Corri atrás e consegui um desconto de 100%”, conta.

Ela se formou em 2006 e, em 2008, a Prefeitura de São Vicente abriu um concurso público para assistente social, e Edna foi aprovada em sétimo lugar, começando a trabalhar no Centro Educacional e Recreativo (CER). A assistente social também coordenou o Programa de Transferência de Renda do Governo do Estado.

Dos 11 anos como servidora pública, oito passou trabalhando no Centro de Referência a Assistência Social (CRAS). Mas, atualmente, ocupa o cargo de diretora da Proteção Básica Social de São Vicente, se tornando a primeira mulher negra a assumir essa função.

“Eu sou a primeira diretora negra da Secretaria de Assistência Social, e sou a única negra em toda a secretaria. Os negros são capazes, e existe todo um contexto de por quê eles não ocupam esses espaços. São 500 anos de Brasil, e 400 anos de escravidão. Então, o que falta é oportunidade. Em muitos espaços, ainda não encontramos negros, e isso precisa mudar. Vejo avanços, sim, mas ainda temos um longo caminho para percorrer para que possamos chegar juntos de quem saiu 400 anos na nossa frente”, conclui.

Representatividade

Israel atua como líder em empresas há 12 anos — Foto: Arquivo Pessoal

O contador Israel Souza, de 43 anos, já teve a oportunidade de liderar grandes equipes, e para ele, isso é uma grande conquista e motivo de satisfação. Formado em 2000 na área acadêmica em que atua, ele também tem MBA em controladoria e finanças, e é pós-graduado em direito tributário.

Relembrando os tempos de faculdade, ele relatou ao g1 que não era o único negro na sala de aula, mas que, proporcionalmente, não havia quase negros em sua classe. "Na verdade, a ausência de negros foi fortemente sentida na sala de MBA e pós-graduação. Em alguns módulos, realmente eu era o único do período", conta.

O contador afirma que sempre foi incentivado pelos pais a estudar com muita dedicação, em escola pública. Ele relata que, desde cedo, sabia que sem estudo seria muito difícil alcançar seus objetivos. "Estudei técnico em contabilidade no Ensino Médio, e isso ajudou a definir minha profissão, que, a meu ver, foi uma grande oportunidade. Eu creio que a questão dos estudos sempre esteve à minha disposição, e a oportunidade foi apenas uma consequência. Claro, não podemos nunca esquecer a dedicação aos estudos, foco no resultado e traçar metas desde cedo", diz.

Atualmente atuando como controller em uma multinacional do ramo de logística, Souza relata que já tem aproximadamente 12 anos de liderança em sua trajetória, boa parte em empresas de logística portuária, sempre em sua área de atuação. "Isso é muito importante e motivo de satisfação para mim".

"Sempre percebi, ao olhar para o lado, principalmente em encontros gerenciais, menos pessoas negras, mas isso nunca me limitou. Em minha trajetória, precisei conquistar o meu espaço pelas minhas competências, comportamentos e atitudes. Não olhar a dificuldade e trabalhar forte pelos objetivos sempre foi um direcionamento em minha vida profissional".

O contador ainda afirma que, em sua empresa, há outros negros em cargos de liderança. "Tive a oportunidade de trabalhar em grandes empresas, que prezam pela competência, e não pela cor da pele". Souza também acredita que houve um aumento das discussões sobre igualdade racial. "Mas, essa discussão precisa passar pela base educacional, preparar melhor nossos jovens negros, de forma que possam, no momento certo, assumir cargos de liderança e destaque, baseado em suas qualificações e competências", finaliza.

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