Existem diversos estudos que avaliam as pessoas antes e depois de situações de grandes mudanças e, em geral, após o período de euforia, os níveis de comportamentos voltam a ser similares aos anteriores ao evento. Possivelmente haverá um pico de sociabilidade, mas depois a curva retorna à normalidade. O reflexo que essa crise vai deixar no ensino, no entanto, mudará o amanhã de uma maneira significativa. Desde a Segunda Guerra Mundial não se tinha notícias sobre instituições educacionais fechadas ao mesmo tempo e pelo mesmo motivo. Até o momento, contabilizamos 138 países com escolas fechadas, sendo que três em cada quatro crianças e jovens de todo o mundo estão sem aulas (cerca de 1,37 bilhões de estudantes). Os números são impactantes e levantam mais um alerta: as consequências da desigualdade social na aprendizagem.
Segundo a Unicef, a interrupção das aulas presenciais traz consequências mais graves para os alunos de famílias mais carentes. Ficar longe da escola os expõe a riscos maiores relacionados a violência física, psicológica, exploração sexual e abandono escolar. Infelizmente, pelo andar da carruagem, o Brasil vai demorar a controlar o novo coronavírus, o que aponta mais demora no retorno às aulas.
O EAD, entretanto, foi aplicado em larga escala pelas escolas particulares, mas por aqui grande parte de domicílios não possui computador e acesso à internet. Para quem tem possibilidade de acesso de qualidade e computador disponível para os estudos, entre as principais queixas está a percepção das aulas serem muito metódicas e com pouco espaço para interação. O contraponto de realidades é notado sobretudo em estudantes de escolas particulares e públicas, uma vez que o ensino no sistema público (que já é defasado) ficou ainda mais prejudicado. Portanto, em pouco tempo os reflexos desse quadro serão vistos, por exemplo, em avaliações como o ENEM, um dos métodos para o ingresso em instituições de educação superior, principalmente as públicas. Uma grande possibilidade é a evasão escolar, fomentada pela falta de estímulo ao estudo durante o período de isolamento, um problema socioeducativo ainda maior.
Essa nova dinâmica instaurada desfavorece não só o aprendizado das crianças e adolescentes que estão no ensino fundamental, mas também dos pequenos que estão passando pela primeira infância (até 5 anos), que precisam saber a lidar com o ócio e estão privados da experiência de socialização. As crianças de 7 a 11 anos irão conseguir absorver os conceitos mais facilmente, mas a questão da socialização e do uso ininterrupto de telas pode ser um desafio. Para os adolescentes, a ânsia de obter rendimento e testar limites pode causar quadros de ansiedade e depressão, principalmente pelo uso intenso de redes sociais. A atenção dos pais é fundamental, assim como a busca por acompanhamento psicológico quando necessário. Alguns programas do governo oferecem tal suporte para as famílias.
Se até hoje conhecíamos o processo de conhecimento de uma forma, precisamos nos acostumar com uma nova realidade que vai depender do uso contínuo da tecnologia, mas que deve ser inclusiva a todas as classes sociais (empresas e governos podem se unir para que isso seja garantido). Podemos encarar tal questão como um fator motivador, uma oportunidade para mudar o conceito ultrapassado de educação e preparar nossas crianças para o futuro. Então, que tal arregaçar as mangas e trabalhar para enriquecer o futuro das crianças?
*Nathalia Pontes é especialista em Pesquisa & Desenvolvimento Educacional na PlayKids, uma das líderes globais em conteúdos para famílias. Mestranda em Psicologia da Educação pela PUC-SP, especialista em Gestão de Negócios e Inteligência de Mercado pela FIA/USP, psicopedagoga e escritora, acredita que aprender é uma combinação entre autoconhecimento, troca e curiosidade pelo novo.