Numa folha qualquer, Alessandra Santos, professora do Espaço de Desenvolvimento Infantil Maria Braz, no Lins de Vasconcelos, desenhou insetos e, com cinco ou seis retas, criou o universo onde ambientou uma história sobre um planeta onde todos os bichinhos eram iguais. Não havia diferenças neste lugar até que nasceu um serzinho colorido em meio a habitantes que tinham apenas um tom de cor na pele. Houve estranhamento, rejeição, mas, com o perdão do spoiler, o amor venceu no final.
O que seria apenas um trabalho escolar ganhou vida e se transformou no livro infantil “Aconteceu na terra dos buguinhos”, o primeiro assinado pela moradora do Engenho de Dentro que sonhava ser desenhista nos tempos de criança. Quis o destino, no entanto, que ela se encantasse pelo magistério e, após mais de uma década em sala de aula, unisse os traços com a escrita em uma narrativa educativa. A obra carrega a mensagem do não preconceito que, aliás, a docente transmite diariamente ao longo da sua trajetória na educação pré-escolar. Sim, como se girasse um simples compasso, a mestre fez um livro, um círculo e um mundo (melhor!).
— Eu sei que não vou mudar o mundo. Mas posso mudar quem está ao meu lado. Educação é abrir os horizontes. O meu trabalho é pautado no desenvolvimento das capacidades e da autoestima das crianças. Quem conhece sua ancestralidade, seu passado, se empodera, não exclui e nem se permite ser excluído. Quando peguei uma folha de papel-ofício e criei ali a história dos buguinhos só tinha a intenção de oferecer aos alunos uma atividade de volta às aulas, após as férias de meio do ano, em 2019. Mas a garotada gostou, e as outras professoras me incentivaram a transformar em livro. Como sei desenhar, assino tanto o texto quanto a ilustração. Tempos depois, fiz uma produção independente. Vendo de pouquinho em pouquinho, mas já tenho planos de escrever o “Aconteceu na terra dos buguinhos 2”. Quero espalhar ainda mais essa história do buguinho diferente, que é aceito pelos amiguinhos do seu planeta e, junto com eles, passa a enxergar a beleza das diferenças. Para escrever este livro, eu me inspirei na observação da vida, nos noticiários e nesta sociedade que, infelizmente, é racista e trata os menos favorecidos com desprezo — diz a professora, que disponibiliza o perfil @alessandrasantos.prof, no Instagram, para os interessados em adquirir o livro.
A vida real da mãe, Elisa Evangelista da Silva, seguramente é a maior inspiração para Alessandra jamais duvidar do poder da educação.
— Sou filha de uma mulher que, aos 7 anos, já trabalhava na roça, pegava em enxada. Na adolescência, ela foi trabalhar como empregada doméstica. Até os 14 anos não sabia ler nem escrever. Foi aí que se tornou autoditada e se alfabetizou sozinha. Muitos anos depois, formou-se em Direito, passou na OAB, montou seu próprio escritório. Depois desistiu de seguir a advocacia, mas já havia realizado o seu sonho de ser advogada. Ela criou as suas próprias oportunidades com garra, determinação e coragem. Em casa, sempre incentivou que eu estudasse. Meu pai também apoiava. Ele era militar e já faleceu. Como professora, proporciono às crianças o que a minha mãe não teve. Muitas famílias, infelizmente, não têm noção do potencial dos seus filhos e, por conta disso, não os incentivam a explorar o conhecimento — lamenta.
No Espaço de Desenvolvimento Infantil Maria Braz, no Lins de Vasconcelos, uma das funções da professora ultrapassa as paredes da sala de aula.
— Eu acolho as famílias, não só as crianças. Antes de o ano letivo começar, apresento aos pais e responsáveis os objetivos educacionais daquela série e explico o que as crianças são capazes de aprender naquele momento. Convido as famílias para estarem presentes no auxílio das tarefas de casa, assim como peço que compareçam às atividades do colégio que têm como objetivo receber pais e responsáveis. A educação deve ser exercida em conjunto — ressalta.
O brilho nos olhos que Alessandra ostenta quando fala sobre o seu ofício naõ deixa dúvida de que entende o seu trabalho como uma vocação.
— O salário de professor não é adequado à sua função, à sua responsabilidade, mas me dedico integralmente à profissão que escolhi. É claro que preciso da minha remuneração, mas trabalho com e por amor. Na infância, eu brincava de ser professora, tinha um quadro em casa, mas pensava que seria desenhista e ilustradora. Fiz o curso normal, correspondente ao ensino médio, e não demorei a entender que o meu destino seria a educação. Mas, antes de me dedicar à educação infantil, de me especializar em neurociência pedagógica e psicomotricidade, ainda cursei Educação Física. Mas trabalhar com crianças é a minha grande paixão. É neste período da vida que a nossa capacidade de aprendizagem está mais ampliada. É dos 3 aos 5 anos que funções neurológicas acontecem em sua plenitude. Por isso, as crianças aprendem tudo muito rápido. São como esponjinhas, absorvem tudo o que é ensinado — frisa.
Ainda que os pequenos aprendam com facilidade, as suas conquistas devem ser aplaudidas.
— É fundamental que professores, pais e responsáveis reconheçam, parabenizem, cada avanço de uma criança. Quando se desenvolvem a autoestima e a autoconfiança, o desenvolvimento é ainda mais significativo — conclui a orgulhosa mãe de Gabriela, de 22 anos.