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'Não vejo ninguém discutindo um projeto para o País’, diz Andrea Matarazzo

De volta à área privada, o ex-candidato à prefeitura de São Paulo alerta: 'Buraco de rua não é de direita nem de esquerda'

Por Sonia Racy
Atualização:

  

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Presidente da S. A. Matarazzo Holding, diretor da Fiesp e da Associação Comercial, conselheiro da Bienal de SP, o ex-vereador, ex-ministro e ex-secretário da Cultura Andrea Matarazzo construiu, nas últimas quatro décadas, uma rara – e preciosa – experiência: a de trabalhar e conviver, em alto escalão, tanto com a administração pública quanto com a vida empresarial do País. 

De volta ao conglomerado familiar, depois de longas andanças também pelo PSDB e PSD, ele pega pesado, no bom sentido, ao revelar toda essa experiência. “Se uma empresa trocar de diretor como governo troca ministro, um a cada seis meses, ela quebra em dois anos”, alerta nesta conversa com Cenários. A quem está na vida privada e quer entrar na política, ele sugere: “Primeiro vá para o setor público”. E deixa uma advertência neste ano eleitoral: “Não vejo ninguém discutindo um projeto para o País”. A seguir, trechos da entrevista. 

'Governo é uma engrenagem, e política é um processo', diz Matarazzo. Foto: Christina Rufatto/Estadão

Como empresário de uma tradicional família do setor industrial, por que você decidiu fazer política?

Primeiro descobri que na área industrial eu dificilmente deixaria uma marca – pois sempre teria meu tio Ciccillo Matarazzo, ou o Baby Pignatari, ou o Francisco Primeiro no caminho. Assim, trabalhei primeiro em um banco, aí fui para a empresa da família e cheguei a presidente. Aí apareceu o convite do FHC para fazer sua campanha eleitoral. Também fui assessor do então ministro José Goldemberg, na Educação – fiquei fascinado com a possibilidade de fazer a diferença na vida das pessoas, na área pública.

Quanto aos projetos que você tinha, você os realizou?

Em tudo na vida você tem uma expectativa alta, e algumas frustrações também. Naquela época, falo de 1995, o que se falava de governo, de estatais, de pré-privatizações, era sempre muito ruim. Era para eu ter ido para o Ministério da Indústria e Comércio, mas houve um desentendimento e tive um convite do (governador) Mário Covas para presidir a Cesp, que na época era a terceira maior estatal do País e estava quebrada. Lá, eu percebi que a capacidade de realização era concreta. Que a política era bem diferente do que se falava, pois se dependia mais do político do que da política. E a Cesp tinha o mesmo orçamento da cidade de São Paulo. Uma empresa com ações cotadas em bolsa, e ao mesmo tempo um forte relacionamento com a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas estadual. Tudo muito diferente de prestar contas a um conselho de administração da empresa. Quando o Covas chegou ela era loteada por partidos, cada um pegava uma diretoria. E em cada uma o diretor se reportava apenas ao comando do partido. 

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Como contornou isso? 

Eu tinha trabalhado no grupo Matarazzo, na metalúrgica Matarazzo, no Bradesco. Fui buscar o David Zylbersztajn, o José Goldemberg. Pegamos a Cesp quebrada, e quatro anos depois ela foi recordista de lucro no Brasil. Tirei gente de todos os gabinetes de deputados, sem nenhuma trava. E fizemos tudo conversando com os sindicatos. O Covas não me dizia “segura fulano” ou “demita fulano”, ele cobrava resultados. 

Acha que algo assim pode ocorrer com a Eletrobras?

Acho que sim. Não será da mesma forma. Mas é essencial que ela seja privatizada. 

Que conselho daria a alguém da área privada que quer entrar na política?

Que primeiro vá para o setor público, comece pela área administrativa. Quando botei na cabeça que queria ser prefeito de São Paulo achei importante ser subprefeito, depois secretário, aí fui vereador. E chame gente mais experiente que você.

Acha que setor privado e setor público são coisas inteiramente diferentes? 

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Os skills, habilidades, são completamente diferentes. Num ministério, por exemplo, é uma ilusão alguém achar que chega lá e vai mandar sozinho em tudo. Governo é uma engrenagem, e política é um processo. E o funcionalismo tem, sim, muita gente competente. 

Por que privatizar, então?

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Porque o Estado tem de se concentrar naquilo que é essencial. Você não precisa ter hidrelétrica, gastar nela um dinheiro que deveria gastar em educação. Usina é cimento, tijolo, turbina. O que o Estado tem de fazer é regular para não ter monopólios, cuidar das políticas públicas. Até porque num País com a desigualdade que temos você não pode deixar a população à mercê das políticas só de mercado.

Você voltou à sua empresa, mas não deixou o setor público, né?

Voltei para a empresa, mas acho que posso ajudar com a experiência que tenho. Passei a dar aulas (no Ibmec), analisando políticas públicas, para mostrar aos jovens que política e governo são uma coisa muito nobre, onde você faz a diferença. 

Do modo como vão as eleições este ano, como você vê o futuro do País?

Olhando os cenários atuais, tudo seguindo como está, vejo muito mal. Porque não tem ninguém discutindo um projeto para o Brasil. Estamos discutindo pessoas, esquerda ou direita... Ora, pergunta para o cidadão que mora lá em Vargem Grande se ele come ideologia ou se precisa de creche. Buraco de rua não é de direita nem de esquerda, precisa é alguém ir lá tapar. E hospital, escola? Quem está discutindo um projeto para o Brasil? Ninguém, nem essa tal terceira via, que não acontece.  

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