Ensaio da arquitetura dos prédios de escolas públicas na cidade de São Paulo - Fotos: Tuca Vieira/Folhapress

Ensaio da arquitetura dos prédios de escolas públicas na cidade de São Paulo - Fotos: Tuca Vieira/Folhapress

E agora, Brasil? - Educação

Um retrato da educação no Brasil

Capítulo 4
Financiamento

Não basta elevar investimento, é preciso realizar plano concreto

Especialistas defendem escolha de políticas prioritárias que reflitam em progressos de aprendizagem

Ensaio da arquitetura dos prédios de escolas públicas na cidade de São Paulo - Fotos Tuca Vieira/Folhapress

Ensaio da arquitetura dos prédios de escolas públicas na cidade de São Paulo - Fotos Tuca Vieira/Folhapress

Paulo Saldaña
São Paulo

A discussão sobre os gastos públicos em educação tem se dividido entre aqueles que defendem mais recursos para a área e os que afirmam que o dispêndio já é alto para as condições do país.

Neste último caso, não há ilusão de que a educação vai bem, mas a saída para a situação passaria pela melhora da gestão do montante.

Infelizmente, a resposta para a crise da educação brasileira não é como uma prova de múltipla escolha, em que apenas um item é o correto. Trata-se de uma equação complexa, com fatores regionais e históricos.

As divergências entre especialistas envolvem das evidências que apontam ser possível fazer muito mais com as condições dadas ao questionamento do próprio modelo educacional vigente.

O Brasil registra 48,6 milhões de estudantes na educação básica, entre a creche e o ensino médio. Oito em cada dez desses alunos estão em escolas públicas. Ainda há por volta de 2 milhões em universidades públicas. Além dos pesquisadores e cientistas que ali atuam.

Manter o sistema educacional custa ao país atualmente cerca de 5,5% do PIB (Produto Interno Bruto), um montante da ordem de R$ 349 bilhões.

Em percentual, o gasto com educação no Brasil é similar à média dos países ricos que fazem parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Esses países, por sua vez, têm melhores resultados educacionais que o Brasil -o que reforçaria o argumento de que o investimento em educação no Brasil já é suficiente.

Mas há outras formas de analisar a situação. Uma delas é a série histórica. Países como a Finlândia investem 5% do orçamento pelo menos desde 1970.

O percentual de investimento em educação no Brasil até 1985 não chegava a 3% -importante ressaltar que até a década de 1990 o Brasil ainda caminhava para a universalização do ensino fundamental e muitas crianças e jovens estavam fora da escola.

A comparação internacional também revela dificuldades quando se observa o gasto por aluno. A proporção de investimento por estudante da educação básica no Brasil representa cerca de 40% do gasto médio por alunos dos países ricos, segundo dados da OCDE. E a própria comparação com a média de gasto dentro do país esconde fortes diferenças regionais.

O valor investido por aluno no ano varia quase sete vezes no Brasil. Enquanto o município de Pinto Bandeira (RS) tem um gasto anual de R$ 19.560 por aluno, Buriti (MA) tem R$ 2.912 -com valores de referência de 2015. O investimento em Buriti é pouco menos da metade da média nacional por aluno.

A cidade maranhense não é um caso isolado. Das 5.570 cidades do país, 62% destinam menos de R$ 400 por mês por aluno. Esse orçamento inclui despesas que vão de manutenção das escolas, salários de professores a transporte e alimentação escolar.

Para Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, a resposta para o dilema sobre o aumento no investimento em educação no país é "sim e não".

Segundo ele, o Brasil foi um dos países que mais elevaram o gasto com educação nos últimos anos, mas esse esforço não refletiu em progressos, seja nos indicadores de aprendizagem, seja em uma maior inclusão escolar.

Para o especialista, uma decisão de elevar investimentos tem de estar atrelada à existência de um projeto educacional sólido, com estratégias claras sobre como enfrentar cada desafio.

"Mas o Brasil ainda não tem esse projeto. Logo, colocar mais dinheiro na mesma coisa que não tem dado certo não vai resolver o problema."

O economista, contudo, pondera. "O problema da educação do Brasil é bem grave. Se tiver que parar um monte de coisas para aumentar o gasto em educação, eu pararia. Mas é preciso um plano."

Três movimentos recentes reacenderam o debate em torno desse investimento.

O primeiro foi a aprovação do PNE (Plano Nacional de Educação), em 2014. O programa enumerou 19 metas, como a inclusão na sala de aula de 2,5 milhões de crianças e jovens que ainda estão fora da escola e a melhoria no salários dos professores.

O PNE também estipulou que o Brasil precisaria alcançar até 2024 a marca de 10% do PIB na educação.

O segundo, a crise econômica, que levou a cortes nos orçamentos da educação e acabou por tirar o PNE das prioridade dos governos.

O terceiro ponto foi a PEC do Teto. Em 2016, o governo Michel Temer aprovou emenda constitucional que impõe teto de gastos às contas públicas.

Para muitos especialistas, a PEC coloca a área da educação em atenção permanente, pelo risco de estrangulamento orçamentário diante de necessidades latentes.

A presidente-executiva do Movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, afirma que o debate não pode desconsiderar o fato de que o país teria condições de alcançar resultados mais positivos tendo em vista o nível atual de investimento.

Ela cita Goiás e Pernambuco como exemplos. São redes que tiveram avanços recentes nos indicadores de qualidade, com níveis de investimento similares a de tantas outras.

Para ela, é hora de aprofundar o debate para definir prioridades. "O Brasil tem uma tarefa de séculos de descaso. Precisamos investir mais, mas em sequenciamento. O que vem antes? Se colocar mais recursos nesse sistema, vai criar uma frustração de que não adianta mais investir em educação", afirma Cruz.

A especialista propõe três eixos de gestão: além da escolha de políticas prioritárias para alocação de recursos, a análise da implementação dessas alocações e a busca pela eficiência do gasto.

Segundo Cruz, é fundamental o investimento no professor de modo sistêmico, ou seja, que envolva salário, carreira e condições de trabalho.

Além disso, ela enfatiza a necessidade de criar um sistema nacional de educação, que possa melhorar a colaboração entre os entes federativos na gestão dos recursos ou no compartilhamento de responsabilidades e inovações.

O sistema nacional é previsto no PNE e já deveria ter sido implementado. Organizações como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação defendem o sistema como uma forma de aumentar o protagonismo da União no financiamento da educação. Hoje, quase 80% de todo o gasto na educação básica sai do cofre de estados e municípios.

A organização, que representa entidades da sociedade civil, advoga pela implementação de outro mecanismo também previsto no PNE, chamado CAQ (Custo Aluno-Qualidade). O CAQ calcula o valor por aluno, em cada rede escolar, para atingir condições mínimas que uma escola deve assegurar.

Entram na conta condições como o tamanho das turmas, equipamentos e infraestrutura adequada. O piso do magistério é o principal fator.

"É o único mecanismo que olha para tudo. Ele por si não garante qualidade porque isso é garantido pelos professores nas escolas, mas dá as condições básicas para que essa educação possa se efetivar", diz a coordenadora de políticas educacionais da Campanha, Andressa Pellanda.

Ela defende que o mecanismo pode facilitar o controle dos recursos, uma vez que estipula rubricas e indicadores.

"É barato fazer educação da forma predominante hoje, com alunos enfileirados, copiando matéria para fazer uma prova ou avaliação externa. Mas educação não se limita ao mensurado por resultados, ela vai muito além. A escola é um espaço de socialização, onde se aprende o direito à cidadania", diz.

"Se esse direito à educação é garantido de forma plena, o desenvolvimento é consequência", afirma Pellanda.

Poderes Executivo e Legislativo terão que definir novo Fundeb

O próximo presidente da República e o Congresso Nacional terão que decidir sobre uma das maiores ferramentas de financiamento à educação, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

O fundo reúne impostos de estados e municípios, além de uma complementação da União, e representa R$ 4 de cada R$ 10 gastos com educação.

O modelo atual vence em 2020. Estão em discussão alterações que podem ampliar em até cinco vezes os investimentos da União e a melhoria dos critérios de distribuição -o que privilegiaria os municípios brasileiros mais pobres.

A inclusão de um referencial mínimo de qualidade, como o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), também consta em um dos projetos em trâmite no Congresso.