20/07/2017

Na Relação Capitalismo-Educação, Quais as Concepções Educacionais Vigentes

Na Relação Capitalismo-Educação, Quais as Concepções Educacionais Vigentes?

MARTINS, Jander Fernandes[1].

WINGERT, Vitória Duarte[2].

RESUMO

O presente artigo versa sobre a relação Capitalismo-Educação, em suas esferas da  lógica do capital e do Liberalismo. Inicialmente explicitou-se o que se compreende por capitalismo, lógica do capital e liberalismo. Para isso, apresentar-se-á algumas concepções educacionais vigentes no Brasil. A partir dessas reflexões, concluiu-se que, a relação estabelecida entre capitalismo e educação, considerada por diferentes autores como prática social, se dá devido ao fato de ambos serem regidos pela lógica do capital e sua ideologia liberal. Pensa-se ser imprescindível discutir sobre educação, esta enquanto esfera basilar de transformação radical da sociedade (capitalista) e de sua lógica vigente para outro modo de organização que não este.

Palavras-chaves: Capitalismo, Educação, Lógica Do Capital, Liberalismo.

INTRODUÇÃO

A produção do presente ensaio tem por gênese diálogos e árduos estudos desenvolvidos entre os autores durante os seus respectivos períodos acadêmicos, em que se encontravam desta forma, por estarem imersos em um cotidiano o qual havia como base fundamental de toda e qualquer discussão a educação como tema principal. Os autores decidiram transformar em escrita às dúvidas, os entendimentos e principalmente, a vontade em vislumbrar possíveis esclarecimentos para um tema tão abrangente e, ao mesmo tempo, tão complexo como é a educação.

Para tanto, decidiu-se iniciar os estudos e discussões conjuntas a partir de seu principal tema, a saber, a educação, esta tanto em seu sentido lato como em sentido stricto. Deste modo, os autores debruçaram-se, primeiramente, em uma busca paulatina e minuciosa reflexão sobre que tipo de organização social encontra-se estabelecida hoje e como ela rege as diferentes instâncias do quadro social. Posteriormente, buscaram definições/conceitos de educação que os diferentes autores (atuais) postulam e como estas enfrentam ou mantém a conformidade existente entre os homens (em suas relações sociais), a partir das mais variadas formas de antagonismos que se perpetuam em nossa sociedade. Estas, como se verá, caracterizam este modelo de organização social hoje vigente, ou seja, o modo de produção capitalista.     

Desta forma, tais inquietações levaram-nos a elaboração do presente artigo, produção esta que não objetiva estabelecer nenhum ponto final ou solução para tal temática, mas sim, humildemente, estabelecer passos iniciais que permitam discutir-se sobre educação e a organização social a qual ela se encontra imersa.

Para tal, tentar-se-á levantar algumas discussões, ainda que pormenorizadamente, acerca dos seguintes temas, a saber: a sociedade capitalista, a lógica do capital, o liberalismo e (como) a educação, a qual se encontra imersa neste modelo societal se desenvolve e estabelece relações de enfrentamento ou conformidade mediante os revezes antagônicos que caracterizam este sistema, que por hora, trazemos como categoria.

Categorias essas que acabam por vezes, de forma implícita ou de forma explícita, a influenciar o sistema educacional, já que este, como se verá no transcorrer do texto, constitui-se como sendo uma prática social, e, portanto, constituindo-se também em produto das relações sociais humanas (desiguais).

Portanto, após o esclarecimento sobre a gênese que motivou-nos a produzir o presente trabalho, partir-se-á para as problematizações em si.

Inicialmente, pensa-se em esclarecer qual pressuposto, que se fez uso para estabelecer as devidas aproximações entre as categorias basilares deste texto, o qual se acredita ser o viés que permitiu tais justaposições teóricas, ainda que introdutórias, entre capitalismo, lógica do capital e liberalismo, com a educação.

Desta forma, recorreu-se a obra Istvan Mészàros (2005, p. 25), na qual o autor manifesta-se nestas palavras 

[...] Uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança [...].

E mais adiante finaliza argumentando que uma possível mudança radical na educação a ponto de “romper” esta lógica incorrigível, necessitar-se-ia

[...] perseguir de modo planejado e consistente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com todos os meios disponíveis, bem como todos os meios ainda a ser inventados, e que tenham o mesmo espírito [...] (MÉSZÀROS, 2005, p.35)

Além disso, pode-se entender nessas citações de Mészàros duas evidências, a saber, a primeira é que ele não se refere ao modo de produção capitalista e sim à sua lógica do capital, a qual considera como o foco necessário que se deve combater para uma possível reformulação social. E a segunda, é que, uma reformulação da educação só será significativa quando estabelecer “mudanças no quadro social”, e, desta forma, cumprir o seu papel vital e histórico de mudança em determinada realidade social.

A partir desses entendimentos iniciais outras indagações surgiram, quais sejam: De que contexto se trata? O que se entende por capitalismo, lógica do capital e liberalismo? E como se dá a relação destas categorias com a educação?

Capitalismo, lógica do capital e liberalismo: do que se trata mesmo?

Inicialmente pensa-se em esclarecer a que tipo de sociedade está se fazendo referência para então iniciar as discussões a que se propõe este artigo.

Parte-se do pressuposto que todo homem se encontra condicionado a um determinado modo de produção social, desta forma, recorre-se a Marx e Engels em sua obra A Ideologia Alemã (2007). Na referida obra, os autores expõem com muita lucidez, como o modo de produção material de uma determinada sociedade condiciona os sujeitos nela inseridos, que por sua vez, acabam por tornarem-se produtos desta. Em outros termos, “[...] ao reproduzirem os seus meios de existência os homens produzem indiretamente a sua própria vida material” (MARX e ENGELS, 2007, p. 3), neste sentido, “[...] Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção [...]”, ou seja, “[...] a forma dessas relações é por sua vez condicionada pela produção [...]” (IDEM).

Assim sendo, em nosso caso, nos referimos ao Modo de Produção Capitalista, o qual é regido tanto pelo princípio de acumulação de riqueza, como também por sua lógica de capital a qual busca extrair a chamada mais-valia, a partir da exploração da força de trabalho humana, deste modo, interpreta-se como sendo duas coisas distintas.

Embora com certa obviedade, tal distinção, considera-se de grande relevância trazê-la à tona ao se tentar discutir sobre estes dois aspectos existentes hoje em nossa sociedade: o modo de produção e a sua lógica imperativa. Para tanto, pensa-se que capitalismo e capital não são a mesma coisa, e nesse sentido, na tentativa de esclarecer sobre tal distinção, recorre-se a Mészàros (1995, p. 130, grifos nossos) o qual assim se refere ao distingui-los

[...] O capitalismo é um objetivo relativamente fácil nesse empreendimento, pois você pode, num certo sentido, abolir o capitalismo por meio do levante revolucionário e da intervenção no plano da política, pela expropriação do capitalista. Ao fazê-lo, você colocou um fim no capitalismo, mas nem sequer tocou no poder do capital. O capital não depende do poder do capitalismo e isso é importante também no sentido de que o capital precede o capitalismo em milhares de anos. O capital pode sobreviver ao capitalismo [...].

E finaliza definindo o capital como “[...] um sistema de comando cujo modo de funcionamento é orientado para a acumulação [...]” (IDEM).

Ainda que o autor focalize seus esforços na tentativa de esclarecer a cerca das definições existentes entre ambas as categorias, torna-se necessário expor aqui, aquilo que o autor denomina como sendo o “tripé fundamental” deste sistema metabólico, a saber, a “relação capital, trabalho e Estado” (MÉSZÀROS, 2009). Em outros termos, resumidamente, “[...] Não há uma economia política que não traga em seu bojo uma economia da educação e do ensino [...]” (SANTANA, 2007, p. 88)

Para isso, deve-se levar em conta outro aspecto específico, o qual também faz parte do modo de produção capitalista, e que se encontra atualmente em via de expansão, a saber, o (Neo) Liberalismo, este que, como se sabe

[...] constitui a ideologia que justifica e racionaliza os interesses do capital servindo, dessa maneira, de sustentação e organização das sociedades capitalistas. O neocapitalismo, bem como o neoliberalismo, é expressão ideológica de tais sociedades em etapas diferentes da organização da produção material [...] (SANTANA, 2007, p. 89)

Por conseguinte, ao considerarmos o fato de que o liberalismo enquanto “visão de mundo” e “doutrina” que se desenvolveu historicamente através da classe burguesa a partir do século XVIII (ALVES, 2007), foi o fio condutor de mudanças sociais em determinada época, e que nesta, a acepção de educação que defendiam buscava valorizar mais o “ensino privado do que o ensino público” (SANTANA, 2007). Percebe-se que a educação nunca foi “esquecida”, mas sim mantida em uma espécie de “cativeiro ideológico”, por que isto?

Por que ““[...] O liberalismo, enquanto visão de mundo impregnou todos os campos de atividade da burguesia e todas as ações burguesas. Como não poderia deixar de ocorrer, também a educação sofreu o influxo dessa visão [...]” (ALVES, 2007, p.79). Por isso, “[...] Enquanto doutrina, o liberalismo deve ser visto como a expressão mais desenvolvida da visão do mundo burguesa [...]” (IDEM).

Portanto, percebe-se e se sabe que, a educação, enquanto processo de escolarização, teve sim um papel importante no processo de transformação social, pois, a valorização de um ensino privado, acarreta em outras palavras, a oportunidade dada apenas àqueles poucos cidadãos (burgueses) com condições econômicas de manter seus filhos freqüentando tais instituições, e em alguns casos ascendendo socialmente, e conseqüentemente mantendo sua hegemonia social.

Neste sentido, a partir dessas argumentações sobre capitalismo, lógica do capital e liberalismo, suas aproximações com a educação, é que se discutirá no próximo capítulo, algumas concepções de educação de diferentes autores, as quais se julgam indispensáveis para tal reflexão, e como elas traduzem-se frente às imposições do modo de produção capitalista e da sua lógica.

Obviamente, se descartam as perspectivas ingênuas e idealistas, as quais conceberiam que a educação de elemento determinado passaria a ser elemento determinante por si própria da estrutura social, advertência essa muito bem explicitada por Saviani (2008) em sua crítica a Pedagogia da Essência e a Pedagogia da Existência.

Desta forma, considera-se também de grande contribuição a ótica de Ponce (2007), pois este assim se pronuncia sobre a relação estabelecida entre educação e estrutura social: “[...] ligada estreitamente à estrutura econômica das classes sociais, a educação, em cada momento histórico, não pode ser outra coisa a não ser o reflexo necessário e fatal dos interesses e aspirações dessas classes [...]” (PONCE, 2007, p. 171).

Neste sentido, se crê estar bastante claro não apenas a perspectiva marxista destes autores, como também, a importância da educação em uma determinada organização social e, em conformidade as suas finalidades e objetivos sendo constituída em e de acordo com suas necessidades.

Deste modo, discutir a possibilidade de viabilizar (ou não) uma mudança significativa nessas esferas, de uma realidade inicial desigual para uma igualdade possível no fim (SAVIANI, 2008), torna-se imprescindível levantar tal discussão sobre a educação, esta enquanto esfera basilar de uma transformação radical de uma sociedade (capitalista) e de sua lógica vigente para outro modo de organização que não este.

Assim sendo, partindo-se das evidências e dos pressupostos argumentados anteriormente, os quais explicitam que uma mudança radical deve ocorrer tanto na esfera social-político-econômico como também, na esfera educacional, faz-se a seguinte pergunta: Há como iniciar este processo de mudança e transformação social a partir dessas diferentes esferas de forma concomitante? Ou, necessário é, iniciar tal processo por uma das esferas apresentadas, e por qual? Seria a pergunta crucial a se fazer e discutir.

Diferentes interpretações educacionais

Primeiramente, a escolha dos autores e de suas respectivas interpretações sobre educação foram escolhidas propositalmente, no entanto, não se levou em consideração suas posições ideológicas, pois esta não era a intenção do ensaio, estabelecer fidelidades ideológicas acerca desta temática e nem acabar produzindo argumentações “clichês”, justamente, por se tratar de uma discussão, as quais inúmeras áreas do conhecimento usufruem e colaboram para enriquecê-la.

Desta forma, na tentativa de procurar subsídios para responder a questão elaborada anteriormente, traz-se diferentes concepções de educação desses autores que, por sua vez, buscaram elucidar uma possível compreensão sobre educação, seja no sentido lato do termo, seja no sentido formal/institucionalizado, no sentido de analisar as contradições que a lógica que rege nossa organização social impõe ao processo educativo atual, principalmente em nosso país.

Certamente, tem-se a clareza de que não se trata de uma pergunta de fácil resposta, entretanto, considera-se imprescindível fazê-la se se deseja discutir mudanças qualitativas em termos de educação em nosso, tão contestado, cenário educacional brasileiro. Assim, sugere-se tal discussão no sentido de promover diálogos acerca de uma possibilidade real de se construir e cristalizar propostas educacionais que façam frente ao modo de produção capitalista e sua lógica imperativa do capital. Possibilidade de mudança esta, a partir da construção de uma compreensão plausível, esclarecedora, e sólida de educação, contudo, sem nenhuma intenção de torná-la dogmática ou prescritiva.

Deste modo, inicia-se tal reflexão a partir da perspectiva sociológica de Brandão (2006, p. 10), o qual se refere à educação da seguinte forma “A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade [...]”.

Concorda-se com o autor quando diz que a educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais, desde que, entendida como uma esfera interligada com as demais dimensões que compõem a estrutura organizativa de determinado grupo social. Para tanto, elimina-se a visão fragmentada, a qual, em sentido semântico, pode-se interpretar acerca do termo “fração” utilizada pelo autor.

Pois, como se sabe, ao longo da historia da educação, inúmeros movimentos diretos ou indiretos de outras esferas sociais, acabaram por vezes, influenciando o processo educativo, criando-a e recriando-a.

Ainda nesta perspectiva, o autor segue manifestando-se nestes termos,

[...] como outras práticas sociais constitutivas, a educação atua sobre a vida e o crescimento da sociedade em dois sentidos: 1) no desenvolvimento de suas forças produtivas; 2) no desenvolvimento de seus valores culturais [...] (BRANDÃO, 2006, p. 75)

Neste sentido, percebe-se claramente que muito mais que uma fração dentro de uma sociedade da lógica do capital, a educação é também fator imprescindível para uma possível transformação desta lógica, ou em outras palavras, detém a possibilidade de viabilizar tal mudança, pois do mesmo modo que sofre influências, a educação dentro desta perspectiva, opera ativamente na constituição e desenvolvimento desta mesma sociedade. Portanto, a partir desta concepção de educação em Brandão se conclui que, cultura e desenvolvimento dos meios de produção estão intimamente ligados à educação.

Ainda dentro desta ótica, traz-se o entendimento de Émile Durkheim e sua obra intitulada “Educação e Sociologia”, o qual define educação com sendo

A ação exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não estão maduras para a vida social tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança determinados números de estados físicos, intelectuais e morais que dele reclamam, por um lado, a sociedade política em seu conjunto, e por outro, o meio especifico ao qual está destinado [...] (DURKHEIM, 1973, p. 44)

De acordo com Durkheim a educação muda de conceito, objetivos, finalidades e definições conforme a época e o tipo de sociedade a qual se encontre. Desta forma, ao se buscar interpretar a educação a partir deste viés, teremos a seguinte acepção, a saber, se nesta atual sociedade impera a lógica do acúmulo privado de capital a partir da apropriação e exploração da força de trabalho humana, as quais definem o modo de produção social, a sua lógica e ideologia que as regem, a educação então também será capitalista, voltada para a lógica da acumulação de mais-valia e ideologicamente fundamentada no neoliberalismo. Embora haja inúmeros esforços na tentativa de se construir soluções para desconstruir tais sedimentos que alicerçam esta educação hoje vigente.  

Posto estas duas primeiras concepções de educação segue-se outra importante perspectiva, qual seja, a perspectiva de Libâneo (1998, p.64), que assim se manifesta “[...] a educação é uma prática social que busca realizar nos sujeitos humanos as características de humanização plena. Todavia, toda educação se dá em meio a relações sociais [...]”.

Tais afirmações poderiam nos levar a inúmeras indagações, tais como: que tipo de relação social? Qual é a característica marcante destas relações? Em que tipo de sociedade esta relação acontece? Enfim, inúmeras são as perguntas que poderiam ser incitadas, porém, não nos deteremos a elas por não ser o objetivo principal deste ensaio. Mesmo assim, em nosso entendimento, José C. Libâneo, com muita propriedade, estabelece um indicativo ao afirmar que

[...]numa sociedade em que essas relações se dão entre grupos sociais antagônicos, com diferentes interesses, em relação de exploração de uns sobre outros, a educação só pode ser crítica, pois a humanização plena implica a transformação dessas relações [...] (LIBÂNEO, 2008, p.66)

Percebe-se que o autor evidencia sua concepção sobre educação nestas duas citações como sendo uma “prática social” em meio a relações antagônicas, ou seja, numa sociedade da lógica do capital, e devido a essa característica de relação, o autor estabelece a necessidade de a educação ser crítica e assim, humanizar[3] o sujeito homem como forma de enfrentamento às desigualdades estabelecidas por tal modelo de organização social vigente.

Neste sentido, se entende que, tais relações sociais, devido ao constante embate existente entre essas classes antagônicas, por certo propiciam um contínuo movimento de criação e recriação de sentidos e condições, que em nosso entender, não são humanizadoras, pois se essas relações constituem-se em uma sociedade na qual impera a lógica do capital, portanto, relações antagônicas onde existe dominantes e dominados, esta educação em nenhum sentido será humanizadora.  Por isso do autor conceber a educação como prática social e com fins de humanização do homem (LIBÂNEO, 2008, p.66).

Pois bem, não perdendo nosso foco de problematização e argumentação, apresentar-se-á a quarta perspectiva, a saber, a definição de FRIGOTTO (2000), que ao estabelecer indicativos das relações existentes entre educação e a crise do capitalismo, concebe a educação como sendo “[...] uma prática social, uma atividade humana e histórica que se reflete no conjunto das relações sociais, no embate dos grupos ou classes sociais [...] (FRIGOTTO, 2000, p. 31)

Deste modo, percebe-se a relação existente entre educação e as demais relações sociais, que compõem uma determinada sociedade, e em especial, a capitalista e a sua lógica do capital, assim sendo, o autor continua suas argumentações sobre essas articulações manifestando-se nesses termos

[...] A educação, quando apreendida no plano das determinações e relações sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações, apresenta-se historicamente como um campo da disputa hegemônica. Esta disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola, e mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe [...] (FRIGOTTO, 2000, p. 25)  

Evidentemente, são muito claras as argumentações que o autor expõe sobre como a educação e seus processos institucionalizados ou não, dissolvem-se no emaranhado das relações materiais de uma sociedade. Nesta ótica, percebe-se a dificuldade que se encontra ao buscar estabelecer de forma concreta, possíveis limites, finalidades e até mesmo a potencialidade de transformação da realidade, a qual a educação detém, já que esta, como se destacou no texto, é constituída e constituinte dessas relações materiais que historicamente estabelecem-se pelos homens

Além disso, percebe-se a necessidade de expor outra definição bastante similar a perspectiva anteriormente citada, a saber, a de PIMENTA (2008), a qual expõe seus entendimentos sobre esta temática nestes termos

[...] a educação é um fenômeno complexo, porque histórico. Ou seja, é produto do trabalho de seres humanos e, como tal, responde aos desafios que diferentes contextos políticos e sociais lhe colocam. A educação retrata e reproduz a sociedade; mas também projeta a sociedade que se quer [...] (PIMENTA, 2008, p. 38)

Ora, nos parece bastante nítida em suas argumentações, aquilo que Frigotto em outros termos anteriormente manifestou, a saber, que a educação é ao mesmo tempo, constituída e constituinte, ou seja, é constituída de e em acordo com determinadas necessidades em dada organização social, e ao que parece também se projeta nesta (a educação) a sociedade que se quer, ou seja, torna-se a educação fator constituinte. Desta forma, se ao retratar a sociedade que se quer dentro deste contexto, interroga-se: o que se espera e se propõe de educação hoje?

Este é um questionamento de grande relevância o qual cremos ser a pedra de toque para um enfrentamento ideal e uma ruptura real das lógicas imperativas do capital, pois, é dentro da própria instituição incumbida de promover o processo educativo, que se dá o reforço necessário para perpetuar esta mesma lógica.

Enguita (1993, P. 220) muito bem denuncia nestes termos, tal processo

[...] a verdadeira aprendizagem das relações sociais de produção não acontece por meio destas mensagens recebidas com maior ou menor credulidade, mas através de uma série de práticas, rituais, formas de interação entre alunos e com os professores, formas de se relacionar com os objetos, etc., enfim, através de certas relações sociais imperantes na escola que prefiguram as relações sociais do mundo da produção [...].

Portanto, como se vê, é a educação e no seu local instituído onde ocorre em grande parte, a manutenção ideológica do capital e do seu modo de produção capitalista.

Por fim, trago a concepção de Saviani (2009), o qual define a educação “[...] como uma atividade mediadora no seio da prática social global [...]” (SAVIANI, 2009, p. 66) e mais adiante complementa:

Se a educação é mediação, isso significa que ela não se justifica por si mesma, mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para além dela e que persistem mesmo após a cessação da ação pedagógica [...] (SAVIANI, 2009, p. 69)

Desta forma, percebe-se um novo elemento trazido pelo autor, qual seja, a educação como mediação das práticas sociais e esta, verdade seja dita, desiguais e caracterizadas pela exploração do homem sobre o homem na tentativa de extrair o excedente da produção material (MARX, 2008).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Após enunciar aqui algumas perspectivas sobre a educação, e embora se saiba da existência de uma gama variada de definições, abordagens e contextos de escritas sobre essa temática, propositadamente optou-se por utilizar apenas estes autores: Brandão (2006), Durkheim (1973), Libâneo (1998), Frigotto (2000), Pimenta (2008), Enguita (1993) e Saviani (2009).

Desta forma, ao término destas reflexões percebe-se que os autores, embora exponham definições diferentes sobre educação, trazem em comum a perspectiva de educação como sendo uma “prática social”, e, portanto, produto das relações entre os homens.

Posto isso, conclui-se que sendo a educação uma prática social, e assim articulando-se com outras esferas sociais, diluindo-se dentro deste processo, consegue-se ao menos, estabelecer uma finalidade bastante abrangente suscetível de viabilizar uma mudança no quadro social vigente, qual seja, desde que se estabeleça como meta o cumprimento de sua  

[...] iniludível função de socialização, desde que a configuração social da espécie se transforma em um fator decisivo da hominização e em especial da humanização do homem [...] (PÉREZ GOMES; SANCRISTÁN, 2007, p.13)

Esta assim, entendida como “[...] processo de aquisição por parte das novas gerações das conquistas sociais [...] (IDEM)”, a partir de “[...] mecanismos e sistemas externos de transmissão para garantir a sobrevivência nas novas gerações de suas conquistas históricas [...]” (PÉREZ GOMES; SANCRISTÁN, 2007, p.13, grifos meus) as quais, temos como exemplo o surgimento da escola pública contemporânea (ALVES, 2006).

Tais elementos esclarecidos, desde sua conjunção mais elementar até a sua forma mais complexa, como sendo uma prática social que tem por finalidade desenvolver as habilidades para a vida pública, em comunidade e para o mundo do trabalho, fator este, ontologicamente, constituinte do ser homem, fatores que buscam promover o exercício das capacidades de autonomia do homem em si e para si, qualidades necessárias para se pensar e cristalizar um movimento revolucionário que promova uma mudança significativa como propõe Mészàros (2005).

Por isso da necessidade de se pensar a educação a partir da ótica atual, ou seja, imersa num sistema capitalista, a qual é alimentada pela lógica metabólica do capital, e em vias de expansão neoliberal.

Desta forma, a educação, em sentido de escolarização, precisa urgentemente estabelecer bases fundamentais as quais permitam um pleno diálogo e entendimento entre todos os indivíduos, não apenas aqueles envolvidos de forma direta e concreta ( a escola, os professores, os alunos, a comunidade local, a família e até os profissionais da educação em formação) mas, também aqueles sujeitos que atuam indiretamente nesta esfera ( professores e pesquisadores universitários, universidades e outras instituições de formação de professores).

Por fim, nunca é demais nos lembrarmos de Marx e sua advertência (indireta) a nós, educadores:

A teoria materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado (MARX; ENGELS, 2005, p. 118)

Obviamente que Marx aqui não se refere diretamente à educação e aos responsáveis por tal processo educativo, entretanto, os significados, valores e sentidos que a partir dela podem ser representados e legitimados no campo da educação são de suma importância e enriquecimento. Aspectos que dão sustentação para um conjunto de práticas sociais que, necessariamente, estabelecem um vínculo indissociável entre todas as esferas de uma sociedade e da vida social propriamente dita.

Logo, essa confrontação de diferentes concepções de educação, oferece oportunidades de se buscar elaborar e tornar viável possíveis entendimentos sobre este tema, assim como, estabelecer mecanismos que visam esclarecer-nos sobre estas diferentes perspectivas de educação, seus fins, limites e possibilidades de transformação ou conformidade em dada realidade seja ela local ou global.

Neste sentido, conclui-se que as proposições e perspectivas aqui estabelecidas não são as únicas, porém o que se propõe é o estabelecimento de um possível ponto de partida (ainda que desigual), o qual visará estabelecer diálogos críticos, esclarecedores e constantes sobre as variadas concepções, seus fins e os diferentes tipos de organização do processo educativo, que visam estabelecer, neste quadro social, mudanças ou sua manutenção tal como o é na atualidade.

Por fim, o que se pode concluir, é que a educação se trata de uma prática social, que se dá em meio a relações sociais, e esta última de forma antagônica, e devido a esse tipo de relação, ela (a educação), deve ser crítica bem como deve promover um processo de humanização, emancipação e transformação dos homens e de sua realidade concreta, tornando-o ciente de si mesmo e da realidade que o circunda, participando de forma ativa sobre essas mesmas circunstâncias, sejam elas, individuais e/ou sociais.

Por isso, da necessidade de se esclarecer quais são essas determinadas concepções sobre educação e por que de sua existência, principalmente no meio acadêmico, local este incumbido de formar profissionais da educação, e, portanto, local impar o qual deve imperar discussões mais articuladas e não tanto isoladas sobre as possíveis mudanças desta, bem como, um ponto de partida que dê conta de viabilizar indicativos de transformação dentre os quais, se considere a passagem de “[...] uma desigualdade igualdade f no ponto de partida e uma igualdade no ponto de chegada” (SAVIANI, p.65, 2009).

Portanto, é inegável a necessidade de promovermos e estabelecermos bases fundamentais de uma educação revolucionária, a partir de um entendimento basilar e conceitual desta, com condições teóricas e práticas de cristalizar-se a ponto de “romper com a lógica do capital” como salienta Mészáros (p. 27, 2006).

REFERÊNCIAS

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[1] Mestrando no Programa de Pós-graduação em Processos e Manifestações Culturais - FEEVALE. Especialista em Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação TIC-EDU pela Universidade Federal de Rio Grande- FURG concluída em 2014. Graduado em Pedagogia - Licenciatura Plena (diurno) na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: martinsjander@yahoo.com.br.

[2] Historiadora formada pela Universidade FEEVALE. Especializanda em Ensino de Filosofia para Ensino Médio (UFSM), Literatura Infantojuvenil (FISIG) e Mídias na Educação (IFSUL). E-mail: vitoriawingert@hotmail.com.

[3] Humanização entendida como processo de emancipação, transformação e autonomia do homem perante si e o meio o qual age e participa ativamente, ou conforme FRANCO (2008, p. 76) “[...] a educação, tendo por finalidade a humanização do homem, integra sempre um sentido emancipatório às suas ações [...]”.

 

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