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Na pandemia, alfabetização é desafio até para alunos com condições ideais de estudar à distância

Famílias chegam a pedir reprovação das crianças que não conseguem aprender a ler e a escrever à distância
Tatiana Lima, diante da dificuldade na alfabetização de Luca, optou por fazê-lo repetir o primeiro ano Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Tatiana Lima, diante da dificuldade na alfabetização de Luca, optou por fazê-lo repetir o primeiro ano Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

BRASÍLIA — Mesmo crianças de escolas privadas com acesso regular à internet e condições adequadas de aprendizagem em casa sofrem na pandemia para aprenderem a ler e escrever. Há famílias incluisve que chegaram a pedir para que seus filhos repitam o ano para tentar, em 2021, cursar pelo menos parte das aulas presencialmente.

Levantamento do Banco Mundial divulgado na semana passada mostrou que a pandemia pode fazer com que 70% dos alunos brasileiros de até dez anos não consigam compreender textos simples. E a parcela mais afetada é a de renda mais baixa, com acessos mais restritos a equipamentos digitais para acompanhar aulas em formatos mais complexos do que lições pelo WhatsApp ou materiais impressos.

Matriculado no primeiro ano de um escola particular em Brasília no começo do ano passado, o menino Luca, então com 6 anos, logo teve que acompanhar as aulas pela internet, assim como toda a turma, em razão da pandemia de Covid-19. Ao fim do ano letivo, seus pais sentiram que o garoto não estava aprendendo a ler e escrever e decidiram que, em 2021, ele faria o primeiro ano de novo, dessa vez com aulas presenciais.

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Famílias, professores e especialistas ouvidos pelo GLOBO concordam: a pandemia atrapalhou o processo de aprendizado, ainda mais na fase de alfabetização, e vai exigir muito esforço para superar as deficiências deixadas. Para isso, o retorno às aulas presenciais é tido como fundamental, embora com algumas discordâncias. E sem abandonar as novas ferramentas tecnológicas da pandemia.

Nas aulas online, o ideal é que as crianças menores tenham o acompanhamento de um adulto, o que nem sempre é possível. Muitas vezes os pais têm que trabalhar e, num mundo de isolamento social, nem sempre se pode contar com ajuda externa. E os avós, que costumam auxiliar com as crianças, estão entre os mais vulneráveis ao vírus.

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Tatiana Lima, mãe de Luca, é professora e ficou preocupada com os impactos que um processo de alfabetização deficiente teria nas séries seguintes. Ela atesta que é mais fácil fazer as crianças maiores se concentrarem em frente ao computador do que as menores, que ainda estão aprendendo a ler e escrever. Em 2020, vendo o pouco progresso no aprendizado, comunicou à escola a decisão de fazer o filho repetir o ano. Em 2021, com a volta das aulas presenciais da rede privada em Brasília, relatou avanços.

— Ele ficava estudando pelo computador, e eu não podia acompanhá-lo. Outras crianças conseguiram, mas, para ele, não foi bom. Meu marido e eu decidimos mantê-lo no primeiro ano — contou Tatiana.

O servidor público Leonardo Soares também cogitou fazer a filha Maria, de 7 anos, repetir o primeiro ano, mas a escola orientou que isso não seria necessário: haveria reforço nas aulas presenciais para compensar as deficiências de 2020. Além disso, contratou uma professora particular duas vezes por semana. Este ano, caso o agravamento da pandemia faça as aulas voltarem a ser à distância, já tem um plano B: pedir a ajuda da sogra, que já recebeu a primeira dose da vacina.

Problemas mais graves na rede pública

Diva Maciel, professora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da Universidade de Brasília (UnB), afirma que  um recurso para alfabetizar uma criança à distância é deixar, por exemplo, material de leitura que vá além dos livros didáticos, como livros de literatura infantil, para as crianças. Ela entende que a opção por repetir de ano poder ser válida, mas tem que requer cuidado:

— Tem que ser muito conversado com a criança para que ela entenda que esse não é um problema dela, mas um problema da situação que estamos vivendo.

A professora Chirlei Aires da Silva, de uma escola pública em Brasília, é mais reticente quanto à reprovação: mesmo num contexto de pandemia, devendo ocorrer apenas quando a criança tem algum déficit cognitivo de aprendizagem. Segundo a professora, dos 28 alunos do primeiro ano que teve em 2020, nove aprenderam a interpretar e escrever textos. E, como o ciclo de alfabetização termina no terceiro ano, a avaliação é de que o restante da turma pode avançar.

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Olavo Nogueira Filho, diretor executivo do Todos pela Educação, uma organização da sociedade civil, diz que, enquanto não houver o retorno às aulas presenciais, há algumas medidas que podem mitigar os prejuízos à educação das crianças. Ele deu como exemplos a distribuição de livros infantis e visitas de professores às casas dos alunos, mas ressaltou:

— A solução para esse entrave é retornar o quanto antes para o presencial. Se o descontrole da pandemia impede a retomada da economia, o mesmo pode ser dito para a educação.

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