Na cidade mais violenta da Argentina, escola usa jogos e artes para criar espaços de paz

Com recreios planejados para ter esportes, imitações de obras de artes e brincadeiras antigas, escola de Rosário busca oferecer um ambiente sem violência e afastar as crianças do narcotráfico

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Foto do author Carolina Marins
Por Carolina Marins
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ENVIADA ESPECIAL A ROSÁRIO, ARGENTINA - “A violência fica do portão para fora, daqui para dentro só temos mensagens de paz”, é o recado do vice-diretor de uma escola em Rosário, Argentina, que há algumas semanas virou notícia por um ataque a tiros contra o supermercado da família de Lionel Messi. Localizada em um bairro com histórico de tiroteios e assassinatos, a escola criou o projeto “Pátios de paz”, que busca levar brincadeiras, esportes e artes como alternativa ao ambiente de violência.

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O projeto começou no início deste ano, junto com uma escalada de violência na cidade. A escola José Ortolani fica no bairro de Empalme Graneros, onde a morte de um menino de 12 anos em 5 de março por bala perdida desencadeou uma revolta popular contra o narcotráfico.

Mais recentemente a disputa entre gangues chegou às escolas, com criminosos atirando contra os edifícios e deixando recados para grupos rivais. A própria José Ortolani foi palco de um desses atos, quando um recado foi encontrado colado ao portão junto com uma munição. O caso ocorreu em 30 de março e as aulas foram suspensas naquele dia.

Crianças brincam de amarelinha, futebol, basquete, balanço, entre outras atividades Foto: Cedidas ao Estadão por Gustavo Aviani

Mas do portão para dentro, afirma Gustavo Aviani, vice-diretor da escola, o objetivo é tirar as crianças desse contexto violento e mostrar que há espaço para o lúdico. “Por cada situação que o bairro sofre, nós damos uma mensagem completamente diferente que é a mensagem da paz, do projeto de vida, onde as crianças se sintam felizes e sejam protagonistas”, afirma. “Mudamos essa frequência para a única que sabemos fazer que é a educação”.

Direito da infância

A proposta é transformar os espaços da escola, especialmente os recreios, em locais com brincadeiras planejadas e elaboradas junto com as crianças, competições esportivas e espaços para desenvolver a criatividade. Docentes de diferentes áreas se juntaram para elaborar o projeto. “Temos uma mescla de esporte, cultura, arte, aulas de leitura, etc”.

Aviani, que é também professor de Educação Física, desenhou as competições esportivas que vão desde o futebol ao judô - que já levou os alunos a campeonatos regionais. Na cidade que se auto define como a “capital mundial do futebol” e onde há um campo de futebol a cada metro, Aviani ressalta a ausência de acesso ao esporte pelos jovens, devido à escalada de violência. “Elas não podem jogar lá fora, então vão jogar aqui dentro”.

A escola dividiu então o recreio em três partes de 15 minutos cada turno, a fim de aumentar os horários lúdicos e diferenciar as atividades em cada recreio. São feitas reuniões junto com diretores, docentes, os alunos e os pais para conversar sobre as brincadeiras que serão planejadas em cada recreio, e na hora dos intervalos das aulas as crianças se dividem entre as atividades que mais gostam ou querem conhecer.

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Se pergunta às crianças quais brincadeiras mais gostam, e também aos pais quais eram as brincadeiras de sua época, para elaborar as atividades do recreio Foto: Cedidas ao Estadão por Gustavo Aviani

“Começamos o projeto com oficinas e vimos que as crianças estavam gostando”, completa. O educador conta que a base para a construção das atividades parte de autores e educadores latino-americanos, incluindo o brasileiro Paulo Freire. “Incorporamos uma educação em que os pilares são os direitos das crianças. A partir do direito infantil se constrói toda a parte pedagógica com base em uma educação integral”.

Projeto coletivo

Em uma atividade em que eles deveriam trabalhar com obras de arte, as crianças se uniram para reproduzir quadros famosos e o resultado foi compartilhado nas redes sociais da escola. O Facebook e o Instagram viraram uma ferramenta para promover o projeto e também para pedir ajuda.

Aviani conta que um dia tiveram a ideia de promover oficinas de leitura, onde crianças mais velhas leriam contos para as mais novas. Mas em vez de se sentarem para a atividade, as crianças se deitariam em redes. A escola então postou nas mídias sociais um pedido para doação de redes. O pedido foi propagado na imprensa local e em poucos dias a escola executava a atividade.

A escola pediu nas mídias sociais por doações de redes para que os alunos fizessem oficinas de leituras Foto: Cedidas ao Estadão por Gustavo Aviani

Segundo o vice-diretor, é desta forma que o projeto se mantém. Algumas atividades requerem um pouco mais de investimento, como quando decidiram preparar pizzas junto com as crianças. Nesse momento, a participação coletiva dos moradores do bairro é fundamental.

Por meio de doações e o engajamento dos pais, a direção consegue promover atividades até mesmo fora da escola. Em janeiro, a instituição promoveu a primeira colônia de férias de Santa Fé, o departamento onde Rosário de localiza, com aprovação do Ministério da Educação regional.

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O papel da escola

Aviani afirma que a ideia da escola é mostrar aos estudantes, formados por crianças de 4 a 14 anos, que existem alternativas às situações de violência. “Não há um único espaço da escola que não seja atravessado pela violência do bairro, então justamente por isso começamos a trabalhar cada espaço para se transformar em um local para construir projetos de vida”.

Ele lembra de um dia em que três meninos estavam discutindo no pátio do colégio, prontos para entrar em uma briga física, quando uma professora lhes deu três palitos e duas linhas e lhes propôs que as entrelaçassem. “Em menos de cinco minutos estavam os três, cabeça com cabeça, piolho com piolho, trabalhando juntos para fazer a atividade que propôs a professora.”

Por meio de esportes, artes e literatura, escola José Ortolani tenta levar espaços de paz em um bairro marcado pela violência Foto: Cedidas ao Estadão por Gustavo Aviani

Fernanda Romero é voluntária na associação de moradores do bairro de Empalme Graneros e conta que o maior desafio com os jovens é mantê-los na escola. “Há muita evasão escolar, e agora temos visto crianças parando de estudar no sétimo ano. Ou seja, esses jovens não estão se formando nem no primário”, lamenta. “É por isso que acreditamos que a última batalha, a última voz social, está nas escolas.”

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É com este mesmo pensamento que Aviani deseja inspirar outras escolas a imitar o modelo da José Ortolani. “Porque é isso que importa, poder multiplicar, permitir que haja mais escolas, mais espaços de paz, mais lugares que se pense diferente da violência”.

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