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Brasil

Na Amazônia Legal, o menor investimento em educação por criança

Estudo do projeto Amazônia 2030 mostra que apenas Mato Grosso destoa dos gastos com alunos entre oito estados da região
Rio Jurura, em Caruari, no coração da Floresta Amazônica Foto: Florence Goisnard / AFP
Rio Jurura, em Caruari, no coração da Floresta Amazônica Foto: Florence Goisnard / AFP

BRASÍLIA – Três a cada quatro crianças que vivem em estados da Amazônia Legal moram em cidades em que o investimento médio em educação é inferior à média nacional. Apesar de essas localidades investirem valores consideráveis em relação ao PIB municipal, o montante é insuficiente para suprir as necessidades dos alunos e isso acaba refletido na perpetuação do baixo desempenho em avaliações nacionais.

Esse é o principal achado da equipe do economista Carlos Eugênio da Costa, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do projeto Amazônia 2030, divulgado no relatório Finanças Públicas na Amazônia — Serviços e Resultados Educacionais.

O grupo analisou os dados de investimentos em educação e o desempenho em avaliações nacionais como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Indicador de Nível Socioeconômico (Inse) referentes a 2019 para comparar o desempenho dos nove estados da Amazônia Legal em relação ao restante do país.

O recorte temporal foi escolhido para avaliar qual a situação anterior à pandemia da Covid-19, já que as cicatrizes produzidas neste período afetarão a todos os alunos, com mais peso para aqueles que vivem em regiões mais carentes.Para Costa, o principal ponto é analisar como uma política pública promove a qualidade de vida das pessoas ponderando as diferenças regionais. No caso da Amazônia Legal, dois fatores ajudam a explicar a insuficiência nos gastos por aluno:

— O que a gente tem é um esforço no sentido de uma dedicação de porcentagem grande do PIB, mas quando faz a conta do quanto isso se transforma em gasto por estudante, dois fatores fazem com que os gastos sejam menores que a média nacional: a pobreza da região e sua demografia. O gasto ainda é menor por ter uma população relativamente mais jovem.

Investimento insuficiente

Nenhuma região investe mais em educação proporcionalmente em relação ao PIB, no agregado de estados e municípios, do que os estados que compõem a Amazônia Legal, que somam 7,14% ante 4,03% das demais regiões.

O problema vem quando se analisa quanto esses valores representam por aluno em idade escolar. É esse o critério que faz a Amazônia ficar para trás. O investimento per capita, de R$ 4.491,73, está abaixo da média das demais regiões e é o segundo pior resultado do país, que é de R$ 5.050,90.

Apenas o Nordeste tem um desempenho inferior, de acordo com a pesquisa. A região também reserva um percentual alto do PIB para edução – 6,57% –, mas ao dividir esses recursos por aluno, o resultado é de R$ 3.977,66 por estudante. Para comparação, a região Sudeste é a que tem o maior investimento por estudante, com R$ 5.577,63, e o menor porcentual em relação ao PIB – 3,49%.

O menor investimento por aluno é um dos fatores que ajudam a explicar o pior desempenho nas avaliações de desempenho escolar. A média do Ideb para os municípios que compõem a Amazônia legal é de 4,90 para os anos iniciais do ensino final e de 4,15 para os anos finais. Para a média nacional, os valores apurados, respectivamente, são de 5,87 e 4,69.O economista Carlos Eugênio da Costa argumenta que essa diferença de desempenho não é causada apenas pelo investimento por aluno:

— O principal fator para explicar isso é o ambiente socieconômico em que elas vivem. A criança que está em um lar em que os pais têm pouca escolaridade, pouco acesso a bens materiais, já sai com desvantagem. Aí tem um estado que por mais que se esforce, não consegue igualar o gasto educacional e isso reflete em uma perpetuação da desigualdade.

As condições socieconômicas das crianças na região foram evidenciadas com a análise do Inse, calculado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O indicador para a Amazônia Legal é de 4,31, ante 4,80 para as demais regiões. Em três quartos dos municípios desses estados, o índice está abaixo da média nacional.

O estudo destaca que, apesar do esforço dos gestores para elevar os gastos totais com educação, o quadro socieconômico mais frágil e a demografia da região, caracterizada pelo maior número de jovens, acabam tornando esse esforço insuficiente. O volume maior de dinheiro acaba “minguando” quando dividido entre mais crianças e adolescentes.

Para os pesquisadores, esse é um quadro desalentador para as crianças da região. “Elas já fazem parte de uma realidade socioeconômica pior e, em vez de gastos maiores para compensar a diferença, veem sua desvantagem ser potencializada por gastos inferiores à média nacional”, diz o relatório.

Eles ainda ponderam que, para além do rastreio mais óbvio dos recursos, há uma parcela do mau desempenho escolar que não é explicada apenas pelas informações do gasto público. “Ela está possivelmente relacionada a especificidades da região que dificultam a efetividade desse gasto como o alto grau de isolamento de uma parcela substantiva de sua população”, dizem.

Região heterogênea

A Amazônia legal é composta por oito estados – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins – e parte do estado do Maranhão. Apesar de o conjunto apresentar resultados ruins, a heterogeneidade na região é enorme.

— O Mato Grosso é um mundo à parte,  um estado rico, ao contrário do restante da região. Tem especificidades para os estados que são ex-territórios, como o Acre, e Pará e Maranhão estão em desvantagem em quase tudo — observa Costa.

No caso específico da análise sobre educação, o desempenho do Mato Grosso  destoa do restante da região. O estado investe mais do que a média nacional, tanto em percentual do PIB quanto por aluno.

Em contrapartida, Pará e Maranhão, que concentram maior população, também vivem situação mais crítica, em que mais de três quartos das crianças vivem em municípios com indicador de nível socieconômico menor que a média nacional. No Maranhão, o investimento por aluno também é inferior à média do país.

Costa alerta que esses dados trazem um panorama pré-pandemia, e que o ensino remoto trará um adicional para todos os estados, mas que se acumulará mais entre aqueles que são mais pobres, como é o caso da Amazônia Legal.

— Uma criança que foi colocada em ensino remoto, em uma casa cujos pais não tem um nível educacional elevado e muitas vezes não tem qualidade de internet para acompanhar as aulas, a quem ela recorre na hora da dúvida? Essa desigualdade vai ser agravada. A pandemia vai deixar feridas, cicatrizes, e as formas serão maiores nas crianças mais pobres, o que significa que saqui para frente, o esforço será ainda maior — pondera.