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Economia

Mudanças trabalhistas na MP da redução de jornada e salário podem parar na Justiça

STF já considerou inconstitucional inclusão de temas alheios ao foco principal dos projetos legislativos, como foi feito no texto que renova programa de proteção ao emprego
Mudanças trabalhistas na MP da redução de jornada e salário podem parar na Justiça Foto: Arquivo
Mudanças trabalhistas na MP da redução de jornada e salário podem parar na Justiça Foto: Arquivo

RIO - A proposta de minirreforma trabalhista que foi embutida na medida provisória (MP) 1.045, editada para tornar permanente a redução de jornada e salário , pode ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) e causar judicialização, além de acarretar insegurança jurídica a empresários e trabalhadores, afirmam especialistas e o Ministério Público do Trabalho (MPT).

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Na terça-feira, a Câmara aprovou por 304 votos a 133 o parecer do relator, o deputado Christino Áureo (PP-RJ). Ele incluiu na MP que prorroga as medidas de proteção do emprego uma pequena reforma trabalhista.

Nela, o acesso à gratuidade da Justiça é limitado, há mudanças em jornadas de trabalho e criação de novas formas de contratação sem vínculo empregatício, além de programas de qualificação e emprego voltados para jovens e pessoas de 55 anos ou mais.

Nesta quarta-feira, a MP continuou sendo votada, mas não houve alteração no texto. Cinco destaques foram rejeitados. Ainda faltam nove destaques, que serão apreciados hoje.

Especialistas e o MPT, no entanto, apontam questões formais, como não poder incluir temas diferentes do que a MP original trata, o que já foi considerado inconstitucional no Supremo.

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Segundo nota técnica do MPT, a Constituição determina que as medidas provisórias não podem desviar de seu foco principal, por serem de tramitação mais rápida e sem avaliação das comissões, não passando por discussões mais aprofundadas.

O MPT cita ainda o próprio regimento interno da Casa, que impede esse tipo de iniciativa. Um partido político poderia arguir a inconstitucionalidade da MP, e o empregador que usou as novas formas de contratação terminaria sendo prejudicado.

Gratuidade da justiça

Para a advogada trabalhista Juliana Bracks, essa inclusão de outros temas pode, de fato, provocar judicialização:

— Pode, claro (causar questionamentos judiciais). É padrão do nosso país, pôr matéria estranha ao objetivo.

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Mas ela considera positiva a previsão de que os acordos extrajudiciais não possam ser derrubados em parte pelo juiz.

Uma das mudanças fora do escopo central do projeto é a possibilidade de alterar a jornada dos mineiros que trabalham no subsolo, caso a MP vire lei. O turno de seis horas diárias dobraria para 12 horas em um único dia, desde que mantidas as 36 horas de trabalho por semana.

Esse tipo de serviço é feito em ambiente escuro, quente, barulhento e arriscado, por isso foi estabelecido o limite de seis horas.

Já Clóvis Scherer, economista do Dieese, diz que o relator incluiu na MP mudanças que enfraquecem a fiscalização e estabelecem critérios muito rígidos para acesso à gratuidade da Justiça. O texto exige inscrição nos programas sociais do governo para acesso ao benefício:

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— O trabalhador pode não conseguir reivindicar o direito que lhe foi negado.

Além disso, a extensão da jornada para categorias cujo turno é inferior às oito horas diárias (jornada máxima legal), sem pagar os 50% de adicional pela hora extra, e sim 20%, é outro ponto que pode render ações de contestação no STF. O percentual de 50% é estabelecido na Constituição, diz o MPT.

O sociólogo José Pastore, estudioso das relações de trabalho, no entanto, tem outro entendimento. Para ele, trata-se apenas de uma extensão de jornada, que só se aplicaria aos trabalhadores que quisessem:

— O que essa lei vai permitir é que, se quero trabalhar oito horas, posso mudar para oito horas. Nessa mudança, a empresa vai pagar 20% a mais do que pagaria. Tem que ser tudo por escrito, por acordo individual, acordo ou convenção coletiva.

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Sobre os programas de qualificação previstos, Pastore considera que o texto vai na direção correta ao tentar incluir jovens e pessoas mais velhas, mas avalia que isso vai demorar a surtir efeito.

Ele não vê problemas na contratação como bolsista, sem vínculo empregatício, mas alerta que o ideal é que o jovem estivesse vinculado a algum sistema de ensino profissionalizante e não só a um programa da empresa. Dessa forma, diz, seria mais eficiente.

— Só dará resultado a longo prazo, nada instantâneo. Dá mais certo quando existe atrelamento com as escolas de formação profissional, inclusive para suprir as deficiências da educação básica, já que o programa vai dar prioridade aos nem-nem — diz o sociólogo, referindo-se a quem não trabalha nem estuda.

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Algumas mudanças previstas

Mais tempo no subsolo:

  • Trabalhadores de minas no subsolo, como carvão, poderão ter jornada diária de até 12 horas (hoje o limite são 6 horas), mantido o máximo semanal de 36 horas. Mas, para o Ministério Público do Trabalho, o trabalho é insalubre e não poderia se estender por tantas horas.

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Fiscalização:

  • Passa a ser exclusiva dos auditores fiscais do trabalho, o que afasta outros agentes, como o Ministério Público do Trabalho, e outras esferas, como Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros, alerta o MPT. Além disso, a dupla visita, hoje restrita a microempresas, é estendida a todas as empresas.

Justiça gratuita:

  • Só poderá requerer gratuidade quem tiver renda domiciliar per capita de meio salário mínimo, renda familiar de até 3 mínimos ou ganhar até 40% do teto do INSS (o equivalente a R$ 2.573,46). Quem pedir isenção de custas deverá apresentar inscrição em programas sociais do governo.

Hora extra menor:

  • O texto prevê que, para as categorias com jornada inferior a 8 horas diárias, o turno pode chegar a 8 horas. Esse excedente, porém, não será considerado hora extra e terá, assim, acréscimo de 20%, não os 50% previstos na Constituição. E o acordo pode ser individual.