Por Paulo Martins, g1 CE


Sala de aula de escola municipal em Fortaleza — Foto: Fabiane de Paula/Sistema Verdes Mares

Um estudo desenvolvido por um conjunto de pesquisadores brasileiros, chilenos e franceses mostrou que a implementação do Programa de Aprendizagem na Idade Certa (Paic), desenvolvido no Ceará, reduziu desigualdades, aumentou o nível de aprendizagem e ampliou a equidade educacional de alunos em situação de vulnerabilidade social no estado em relação ao Brasil e ao Nordeste entre 2011 e 2017. O mesmo aconteceu com Fortaleza, em comparação com a situação de outras capitais da região.

O projeto, coordenado pela professora Vanda Mendes Ribeiro, da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), tem apoio do Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e conta com a participação de 33 pesquisadores nacionais e internacionais, além de alunos de pós-graduação que se dividiram em nove dimensões de pesquisa.

As entrevistas e a observação foram realizadas em uma escola do Bairro Bom Jardim, na periferia de Fortaleza, em setembro de 2019.

A professora Vanda Mendes Ribeiro durante apresentação da pesquisa em evento em Lille, na França. — Foto: Arquivo pessoal

"Essa pesquisa previu verificar se no estado do Ceará o fenômeno da redução da desigualdade social e da ampliação da equidade educacional se estendia também para os territórios de vulnerabilidade social e a pesquisa mostrou que sim. Esse fenômeno coincidiu justamente com o período de implementação do Paic em Fortaleza. Isso é muito relevante para a sociologia da educação porque é muito difícil você gerar a ampliação de equidade educacional em ambientes de vulnerabilidade social como o que encontramos no Bairro Bom Jardim", avalia Vanda Mendes.

A pesquisa usou como parâmetro a avaliação dos níveis de vulnerabilidade social dos territórios indicados pelo índice de vulnerabilidade social (IVS) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), georreferenciando as escolas e calculando um índice de equidade elaborado a partir de dados da Prova Brasil de 2011 e 2017, devido ao ano de início do Paic em Fortaleza, que foi em 2012.

Formação de professores

Sala de aula de escola do Bairro Bom Jardim, na periferia de Fortaleza, onde ocorreram as entrevistas — Foto: Arquivo pessoal

Um dos aspectos do Paic que mais chamaram a atenção de três pesquisadores franceses responsáveis por estudar a dimensão 5 da pesquisa, que trata da formação dos professores, foi a continuidade das ações voltadas para que estes profissionais sejam capacitados de forma constante e vigilante por parte do poder público local. Participaram desse eixo da pesquisa, Maira Mamede e Christhophe Joigneaux, da Universidade Paris Est Créteil e Sylvain Broccolichi, professor da Universidade de Lille. Para Sylvain Broccolichi, esse é um diferencial em relação ao que é observado no contexto da França.

"Enquanto na França houve uma diminuição no tempo de formação do professor, o Paic dedica bastante tempo nessa formação que ajuda o professor a fazer uma vigilância, ter um olhar sobre o que o aluno está compreendendo, como ele está aprendendo e o que se deve fazer para ele aprender. A política educacional francesa não possui os aspectos que garantem ao Paic seus resultados: continuidade, visão sistêmica, atenção aos processos e apoio aos agentes implementadores nos diversos contextos", avaliou.

Broccolichi afirma que o modelo implementado no Ceará tem um olhar aprofundado no papel do educador que permite identificar as particulares tanto de professores como de estudantes fazendo com que haja redução da desigualdade.

"No Paic há essa preocupação no sentido de fazer com que pessoas compreendam o que precisa ser feito, o Paic tem esse olhar para ver o que está dando certo o que não está para pensar em mudanças e que tenta entender as particularidades de cada professor e aluno. Outra coisa que nos chamou bastante atenção foi a elevação da performance dos alunos e a redução das desigualdades", enfatiza.

Violência e clima escolar

Outra dimensão abordada no estudo diz respeito ao clima escolar no contexto de vulnerabilidade do território onde os alunos realizam a aprendizagem. Os pesquisadores observaram que na região onde está localizada a escola o tráfico de drogas incide na liberdade de ir e vir das famílias, gerando uma rotatividade de alunos, contudo, os professores buscam garantir o aprendizado a todas as crianças.

De acordo com a pesquisadora Vanda Mendes, conseguir a equidade educacional nesses territórios é algo muito relevante justamente por causa desses fatores em que os alunos estão inseridos. "Nesse tipo de território, como no Bairro Bom Jardim você tem uma sobreposição de problemas como moradias precárias, existência de facções criminosas, pessoas com empregos mais vulneráveis, menos renda, fatores que impactariam no aprendizado das crianças, o que não aconteceu", explica.

Os educadores que participaram do estudo afirmaram que a violência do território entra no ambiente escolar pelo sofrimento dos alunos, que precisam de muito afeto. Apesar das adversidades, os professores afirmaram acompanhar a aprendizagem de cada aluno, conforme prescreve o Paic. Além disso, não foi relatado nenhum problema de disciplina.

Desafios para adoção do modelo na França

Pesquisadores em reunião feita antes da pandemia, em São Paulo, para planejamento da pesquisa, em 2019. — Foto: Arquivo pessoal

A adoção de uma política pública similar ao modelo observado no Paic parece estar longe de ser uma realidade na França, de acordo com o professor Broccolichi.

"No momento não vejo possibilidade de adoção desse modelo de política na França, onde cada vez que muda o governo há mudanças que geram distúrbios na escola e nos professores. Aqui [França] você tem uma tradição política muito diferente da que encontramos no Ceará, esse cuidado da compreensão dos problemas, da avaliação da situação para poder gerar mudanças, refletir para orientar as políticas, tudo isso é uma cultura bastante diferente do que vemos na França hoje," afirmou.

Pare ele, seria necessário romper com as tradições francesas no que diz respeito à política e a transição de governos.

"Uma característica francesa é a tradição dos ministros chegarem para implantar as medidas de educação sem ter o cuidado de avaliar o que aconteceu nos anos anteriores. Teria que mudar essa lógica e isso não é uma transferência fácil pois está ligada às tradições politicas francesas. Eu adoraria que uma política como essa fosse implementada na França", conclui.

Entenda o Paic

O Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic) é uma política pública de educação do governo do Ceará instituída em 2007, que oferece aos municípios formação continuada aos professores, apoio à gestão escolar, entre outros aspectos.

Iniciou suas atividades com a meta de garantir a alfabetização dos alunos matriculados no 2º ano do ensino fundamental da rede pública cearense.

Em 2011, a secretaria estadual da Educação (Seduc) expandiu as ações até o 5º ano, criando o Programa Aprendizagem na Idade Certa (Paic+5), para melhorar a aprendizagem da etapa inicial do ensino fundamental.

Já em 2015, foi lançado o Mais Paic, Programa de Aprendizagem na Idade Certa. A medida teve como finalidade ampliar o trabalho de cooperação já existente com os 184 municípios, que além da educação infantil e do 1º ao 5º ano, passou a atender também do 6º ao 9º ano nas escolas públicas cearenses.

O programa cearense foi inspiração para a criação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Durante o lançamento do programa do governo federal, em novembro de 2012 em Brasília, a então presidente Dilma Rousseff, destacou os avanços no sistema de educação na cidade de Sobral, no interior do Ceará.

"Essas avaliações, tanto as feitas pelo Ministério, quanto as avaliações censitárias, mostram um quadro preocupante da distribuição regional da desigualdade. Por isso, é tão importante que lá em Sobral, um prefeito e hoje um governador tenham mostrado que encarar a alfabetização na idade certa, não só é possível, como foi realizado. Faz parte da realidade do Ceará", afirmou a presidente na época.

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