Por Luiza Tenente, G1


Relembre as polêmicas do Ministério da Educação no governo Bolsonaro

Relembre as polêmicas do Ministério da Educação no governo Bolsonaro

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, completa um mês no cargo neste domingo (16), sem o barulho e as polêmicas do antecessor Abraham Weintraub, mas com uma lista de grandes desafios na educação brasileira diante da previsão de perder, em 2021, R$ 4,2 bilhões para sua área.

Quatro dias depois de sua posse, Ribeiro anunciou que estava com Covid-19 e que trabalharia remotamente. Enquanto se tratava, declarou nas redes sociais que usava azitromicina, ivermectina e cloroquina – medicamentos sem eficácia comprovada e de adoção desaconselhada por diversos estudos. Afirmou que notou "diferença pra melhor de um dia pra outro".

Ribeiro é o quarto titular do Ministério da Educação (MEC) em um ano e meio de mandato do presidente Jair Bolsonaro. Ele tem 62 anos, é teólogo e pastor da Igreja Presbiteriana. Sua nomeação para a pasta agradou a ala evangélica do governo.

No discurso de posse, disse que buscaria ter “compromisso com o Estado laico” e manter “grande diálogo com acadêmicos e educadores”.

"Conquanto tenho a formação religiosa, meu compromisso que assumo hoje está bem firmado e bem localizado em valores constitucionais da laicidade do Estado e do ensino público. Assim, Deus me ajude", afirmou.

Solenidade de Posse de Milton Ribeiro, Ministro de Estado da Educação — Foto: Isac Nóbrega/PR

Apesar do início comedido, dois vídeos antigos com declarações de Milton Ribeiro foram motivo de discussão.

Em um deles, publicado no Youtube em 2016, ele afirma que é necessário ter rigor e severidade na educação das crianças - elas devem “sentir dor”, diz.

“A correção é necessária pela cura. Não vai ser obtida por meios justos e métodos suaves. Talvez aí uma porcentagem muito pequena de criança precoce, superdotada, é que vai entender o seu argumento. Deve haver rigor, desculpe. Severidade. E vou dar um passo a mais, talvez algumas mães até fiquem com raiva de mim, (as crianças) devem sentir dor”, declarou Ribeiro no vídeo.

Na cerimônia de posse, o novo ministro disse que nunca apoiou o uso de violência física na escola. “Nunca defenderei tal prática, que faz parte de um passado que não queremos de volta”, afirmou.

Milton Ribeiro na cerimônia de posse como ministro da Educação — Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República

Em outro vídeo, de 2018, Ribeiro critica a conduta sexual da sociedade. Segundo ele, após a criação da pílula anticoncepcional, a maior liberdade fez com que o mundo perdesse a “referência do que é certo e errado”.

O pastor também critica o existencialismo – corrente filosófica surgida no pós-guerra que prega, entre outros valores, a liberdade de escolha. “Não importa se é A, B, se é homem ou se é mulher, se é velho, se é novo. Não interessa. O que interessa é aquele momento. E tem mais. Eles explicam assim: se for feito com amor, tudo vale”, diz.

“Se você tem um sexo com seu vizinho que é casado, com sua vizinha, mas com amor, então pronto, nenhuma dificuldade. Essa é nossa sociedade. É isso que eles estão ensinando para os nossos filhos na universidade”, completa.

Depois de tomar posse, Ribeiro não fez mais críticas públicas ao que é ensinado no ensino superior.

Zileide Silva: ‘Fundeb é o primeiro desafio de Milton Ribeiro no Ministério da Educação’

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Quem entra/Quem sai

Em um mês, Milton Ribeiro trocou dois nomes importantes do MEC. Victor Godoy Veiga, ex-CGU (Controladoria-Geral da União), virou o novo secretário executivo - o “número 2” da pasta.

Na Secretaria de Educação Básica, órgão que faz a ponte entre governo e redes de ensino e que será crucial na retomada das aulas presenciais, Izabel Lima Pessoa substituiu Ilona Becskeházy.

A curta gestão de Becskeházy foi marcada por conflitos ideológicos. Ela publicou na internet o texto "Quem será que gostaria de ver a Ilona fora do MEC/SEB?".

Nele, rebate acusações como a de ser "globalista", por ter trabalhado na Fundação Lemann, de "cirista" (apelido dos apoiadores de Ciro Gomes), por ter estudado a educação em Sobral (CE), e de "jornalista de esquerda".

Ela fez uma série de posts de despedida no Twitter, em que fala em ter "coragem de manter o mais alto padrão moral sempre".

O olavismo no MEC

Carlos Nadalim — Foto: Reprodução/MEC

Além da saída de Ilona Becskeházy, criticada pelo olavismo, Milton Ribeiro optou por manter Carlos Nadalim na Secretaria de Alfabetização. Nadalim é seguidor do autor Olavo de Carvalho e representante da ala ideológica do governo.

Por outro lado, quatro assessores especiais de gabinete, também conhecidos por pertencerem ao grupo, foram exonerados: Sérgio Sant’ana, Auro Hadano Tanaka, Eduardo André de Brito Celino e Victor Sarfatis Metta.

'Não dispõe de informações'

Aula online é a solução para dar continuidade ao ano letivo durante isolamento social

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Quando Milton Ribeiro assumiu, as escolas estavam fechadas há quatro meses por causa da pandemia do novo coronavírus, e o ensino remoto se tornou o meio de dar continuidade à educação.

No entanto, estudantes da rede pública se queixaram das dificuldades de acompanhar o conteúdo à distância. Problemas na conexão à internet, falta de equipamentos de tecnologia (como computadores ou celular) para alunos de baixa renda e ausência de ambiente adequado foram entrave para aulas virtuais.

Quando o MEC foi questionado sobre quantos estudantes estavam, de fato, acompanhando o ensino remoto, a resposta foi: a pasta "não dispõe de informações acerca do número de alunos da rede pública de ensino do país que estão tendo teleaulas e aulas online até o momento”.

O questionamento havia sido feito no fim de junho, quando sete parlamentares enviaram um ofício ao MEC solicitando dados. A resposta foi assinada por Milton Ribeiro e enviada à Câmara.

Desafios: cobertor mais curto

Na foto, cientistas fazem experimento no laboratório da UFRJ. Federais terão corte de 18,5% no orçamento, em relação a 2020. — Foto: Reprodução/TV Globo

A educação brasileira começará 2021 provavelmente com menos R$ 4,2 bilhões em caixa. Essa é a previsão feita pelo Ministério da Economia, confirmada pelo MEC, de corte no orçamento da pasta.

Só para universidades e institutos federais, a previsão de redução é de R$ 1 bilhão. Reitores dizem que os cortes inviabilizarão o funcionamento das instituições em 2021, principalmente por causa dos cursos do pós-pandemia.

Sobre os R$ 3 bilhões restantes: o G1 entrou em contato com o MEC diversas vezes para saber quais áreas serão afetadas pelo corte, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.

Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco, manifesta preocupação com possíveis cortes na educação básica.

“Há um conjunto de investimentos necessários relevantes, de adequação física, de expansão da equipe de limpeza, de adequação de sala de aula, além de gastos importantes com a provável necessidade de professores temporários”, diz.

Desafios: Enem

Outro desafio é a aplicação do Enem 2020, adiado para janeiro, por causa da pandemia do novo coronavírus. São diferentes aspectos a serem cuidados:

  • garantir que os locais de prova estejam com todos os recursos sanitários necessários para a prevenção da Covid-19;
  • assegurar que a prova será mantida sob sigilo, sem vazamentos;
  • elaborar um exame que leve em conta os prejuízos no ano letivo de 2020;
  • organizar a primeira edição do Enem digital.

Ribeiro assumiu o MEC uma semana após o anúncio das novas datas do Enem. Mas foi sob a gestão dele que foram publicados os novos editais para o exame, com a formalização do novo cronograma e com as regras de segurança adaptadas à pandemia de Covid-19.

Os candidatos terão de usar máscaras de proteção desde a chegada ao local de prova até a saída. Eles poderão levar uma de reserva, para trocar durante a aplicação do exame. Aqueles que esquecerem o item ou se recusarem a usá-lo serão eliminados.

O único momento em que a máscara poderá ser retirada é na hora da identificação do estudante, antes da prova.

Desafios: readequar calendários

Sob a gestão de Milton Ribeiro, ainda há mais duas decisões importantes:

  • Como adaptar o calendário escolar?

As escolas unirão os anos letivos de 2020 e 2021? Será implementado algum esquema de reforço, para repor o que não foi ensinado durante a quarentena?

  • Como adaptar o calendário de programas de acesso à universidade?

O Brasil tem três programas de acesso ao ensino superior que usam a nota do Enem: o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), para vagas em universidades públicas; o Programa Universidade Para Todos (Prouni), para bolsas em instituições privadas; e o Programa de Financiamento Estudantil (Fies), para financiar mensalidades de universidades particulares.

O Enem, inicialmente, aconteceria em novembro, para que as questões e as redações fossem corrigidas a tempo de as notas saírem em janeiro. Com o adiamento da prova, em que data será possível se inscrever para o Sisu, Prouni e Fies? Ainda não há resposta.

Desafios: novo ensino médio

A implementação do novo ensino médio deve ocorrer até 2022. Como são muitas mudanças previstas, escolas já estão implementando projetos-piloto. “Essa é uma agenda importante, explica Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação. “Há uma disparidade do que está sendo feito em cada Estado, por enquanto”, diz.

A reforma foi apresentada no governo Temer em 2017. Em linhas gerais, ela flexibiliza o conteúdo que será ensinado aos alunos, muda a distribuição das 13 disciplinas tradicionais ao longo dos três anos do ciclo, dá novo peso ao ensino técnico e aumenta a carga horária anual mínima de 800 horas para 1 mil até 2022, ou 1,4 mil para escolas integrais.

Os jovens terão mais autonomia para definir o que aprenderão na escola, segundo seus próprios objetivos profissionais.

Desafios: Fundeb

No dia 21 de julho, a Câmara aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC) que renova o Fundeb – Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. O Fundeb garante reforço financeiro para investimentos da educação infantil ao ensino médio. Sem essa verba, o pagamento de professores, por exemplo, fica ameaçado. Falta a aprovação do Senado.

Em 2019, o fundo distribuiu mais de R$ 166 bilhões: R$ 151 bilhões vieram de impostos municipais e estaduais, e R$ 15 bilhões, de complementação da União. Na nova proposta, a participação do governo federal vai aumentando gradativamente.

Na gestão do ministro Weintraub, o MEC retirou o apoio à proposta de renovação do Fundeb, alegando que feria o equilíbrio fiscal.

Ribeiro assumiu a pasta com a missão de promover uma melhor articulação com o Congresso. Em suas primeiras declarações sobre o Fundeb, postou no Twitter que a relatora da PEC, deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), elaborou uma proposta "responsável, apaixonada e competente".

O Fundeb deve ser votado no Senado na próxima quinta (20).

Desafios: alfabetização

Em abril de 2019, o presidente Bolsonaro sancionou o decreto que institui a nova Política Nacional de Alfabetização (PNA), com o objetivo de melhorar o ensino da leitura e da escrita e de combater o analfabetismo no país. Uma cartilha com orientações para prefeitos e governadores foi divulgada em agosto daquele ano.

Nomes dos colegas são usados para despertar o interesse pela alfabetização — Foto: Reprodução/Escola da Vila

Pela PNA, deve ser cumprida a meta de que todas as crianças estejam alfabetizadas até no máximo o final do 3º ano do fundamental, ou seja, aos 8 anos de idade.

Além disso, a política prioriza um método de ensino sobre os demais: o chamado método fônico.

“Por enquanto, temos só um conjunto de diretrizes para a Política Nacional de Alfabetização”, diz Nogueira Filho. “Falta um meio de estabelecer como isso acontecerá concretamente nas escolas. Os Estados e municípios nem foram chamados para construir um caminho de chegada até lá. Só houve ações centralizadas, como cursos de formação on-line. Não é isso que muda o jogo”, completa.

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